Bolhas de cimento e plástico
Um quarto em forma de bolha construído ilegalmente em Genebra, construções que lembram iglus de cimento, casas esféricas móveis e cúpulas arcaicas no Irã: a arquitetura suíça do período pós-guerra foi marcada pelo experimentalismo e até previsão do futuro.
Em vez de se mudar para um apartamento maior, por que não construir um quarto adicional no apartamento? Um arquiteto de Genebra realizou este sonho de forma radical.
No final de 1970, Marcel Lachat (23 anos) e sua esposa estavam esperando um filho, mas o mercado imobiliário não oferecia chances de encontrar um apartamento maior. No entanto o suíço sabia como podia mudar sua situação: construir uma extensão. E sua solução foi criativa: junto com amigos pendurou uma “célula” em forma de bolha, feita de poliéster, na fachada do apartamento alugado. Isto lhe deu o espaço adicional para um aconchegante cômodo extra para a criança.
O que Lachat não sabia na época era que estes escassos 10 metros quadrados atrairiam muita atenção. Os jornais consideraram a ideia como uma extensão “anárquica” do quarto da criança. Porém a bolha logo foi derrubada por ordem dos proprietários do imóvel.
O fato de que o arquiteto tenha ousado pendurar a bolha em seu apartamento alugado causou um alvoroço. Mas, surpreendentemente, não a forma incomum, do ponto de vista atual: as experiências com a ‘arquitetura de bolha’ nasceu nos anos 1960.
Revolta da forma
Já na década de 1940, o arquiteto americano Wallace Neff construiu casas revestindo um balão de neoprene com pó, e despejando concreto projetado sobre ele. Neff edificou internacionalmente: no Senegal ainda hoje existem 1.500 casas-bolha baseadas em seus projetos. No próprio mercado nacional, no entanto, ele não conseguiu fazer nome. Apesar de sua construção ser barata e rápida, a casa-bolha não parecia atraente o suficiente como um produto de massa para as nações industriais ocidentais pois, afinal, onde você colocaria os móveis com paredes redondas?!
Foi só nos anos 1960 que a ideia teve uma reviravolta. A estrita geometria da urbanização moderna e seu funcionalismo pareciam cada vez mais um confinamento. O planejamento urbano para a sociedade do baby-boom estava muito preocupado com a eficiência, mas pouco com o indivíduo.
Estávamos numa época em que o privado foi declarado político. Especialmente as casas unifamiliares e as casas de férias se tornaram lugares para expressar a revolta individual. Graças ao plástico e ao concreto armado, disse na época o crítico de arquitetura Michel Ragon, finalmente tornou-se possível para a arquitetura competir com estruturas como esqueletos, teias de aranha, gotas de água e bolhas de sabão, e se rebelar “contra o esquema violento de seis paredes”. Vários projetos da época pareciam estar tentando superar as linhas retas da arquitetura moderna com formas orgânicas e biomórficas.
De repente, as casas-bolha de Neff estavam em sintonia com a tradição do Goetheanum de Rudolf Steiner, com as utopias arquitetônicas de Hermann Finsterlin ou visões como a arquitetura futurista da catedral de Buckminster Fuller. Acima de tudo, a forma da bolha transmite a imagem de que aqui um mundo muito singular está sendo ampliado, em torno de um indivíduo muito especial. Como símbolo de sonhos e ilusões sempre ameaçados de explodir, elas também se encaixavam perfeitamente nos anos 1960.
Intervenções anarquistas
A bolha de Genebra não foi simplesmente um exemplo da notória necessidade que torna uma pessoa tão inventiva. Ela seguiu uma ideia radical da arquitetura do “faça-você-mesmo”. Lachat tinha lido o “Manifesto para uma Arquitetura Insurgente”, do arquiteto francês Jean-Louis Chaneac. Este último não se preocupa apenas com casas unifamiliares com “Radical Chic”, mas também com intervenções anarquistas.
O sonho é uma arquitetura sem arquitetos. Claude Costy diz, em 1981: “A era industrial levou ao desaparecimento da autoconstrução e de suas tradições. (…) Em nossa era ecológica, a possibilidade de se fazer a própria casa está ressurgindo.”
Os Häusermanns já haviam se firmado como arquitetos de vários edifícios em forma de bolha. Em 1959, Pascal Häusermann construiu sua primeira casa em um terreno rochoso perto de Genebra, usando como estrutura básica uma bolha feita de concreto armado. Em 1967, ele e sua esposa construíram “L’Eau de Vive” (a água da vida, em tradução livre) em Raon-l’Étape, França, que ainda hoje pode ser visitada. A casa foi inspirada pela forma dos personagens dos desenhos animados Barbapapa, e licitada como um protótipo de hotel em 2000.
Um dos planos de Häussermann, Costy e Chaneac eram assentamentos de aglomerações permanentes de “Domobiles”, feitos de plástico – nos quais as situações de moradia poderiam ser sempre reorganizadas. Uma pessoa não se deveria ter que procurar um novo apartamento quando as situações de vida mudassem. O próprio apartamento deveria ser adaptável.
Bolhas suíças no Irã
Com o choque petrolífero de 1973, as bolhas arquitetônicas literalmente chegaram ao seu fim. Por um lado, isto teve a ver com o fato de que elas, com seu isolamento mínimo, apareciam de repente como um luxo energético e, além disso – ao final do milagre econômico e seu entusiasmo formal – elas pareciam flores secas nos cabelos de velhos hippies.
Dois profissionais que continuam acreditando na arquitetura da bolha são o arquiteto suíço Justus Dahinden – que pertence ao “Groupe International de l’Architekture Prospective” de vanguarda – e o engenheiro Heinz Isler – que vem experimentando construções elaboradas em concreto desde os anos 1950.
Em meio à maior crise econômica desde 1945, os dois estabeleceram o objetivo de construir uma cidade de casas-bolha para 30 mil habitantes no norte do Irã. Em 1976, uma primeira unidade foi construída em Amirabad. Com o início da Revolução Islâmica, no entanto, a construção da cidade-bolha de Moghan foi impedida.
Enquanto Dahinden se volta para novos projetos, o engenheiro Isler tenta transformá-la em uma ideia comercial. Assim, ele funda a empresa “Bubble Systems AG”, e tenta vender as casas na Suíça: com pouco sucesso.
Hoje, qualquer pessoa que passeia pelo bosque perto de Burgdorf pode encontrar esferas de concreto desgastado que se assemelham aos edifícios solitários do Irã. Mas, enquanto o ‘gêmeo’ no Irã parece assemelhar-se às cúpulas tradicionais da região, a casa-bolha de Isler, em Lyssachschachen, também desgastada e coberta de musgo, ainda nos faz lembrar o futuro derrocado das bolhas feitas de concreto e plástico.
Literatura:
- Raphaëlle Saint-Pierre: casas-bolha. Arquiteturas orgânicas dos anos entre 1960 e 1970.
- Leïla El-Wakil: Pascal Häusermann, uma arquitetura libertária para o mundo.
- Matthias Beckh/Giulia Boller: construíndo com o ar. Casas-bolha de Heinz Isler
Adaptação: Flávia C. Nepomuceno dos Santos
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