Brasil se mantém atrativo para a Suíça
Toda a crise política e econômica que se abate sobre o Brasil atualmente deve demorar a passar, mas não tira o título do país como um dos mercados mais atrativos para investimentos suíços.
A percepção é da Vice-Ministra e Secretária de Estado de Economia da Suíça, Marie-Gabrielle Ineichen-Fleisch, que esteve no Brasil para uma série de compromissos com representantes da indústria de São Paulo, de empresas suíças e autoridades do governo brasileiro. Para ela, o momento é delicado e requer atenção, mas não há dúvidas de que o país superará esse período.
A secretária esteve presente na sede da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), onde participou do Seminário Livre Comércio, Competitividade e Inovação. Para ela, vários setores comerciais da Suíça têm interesse no mercado brasileiro, e uma vez que algumas decisões sejam tomadas a tendência é, inclusive, de crescimento. Entre elas um possível acordo de livre comércio por meio da EFTA (Associação Europeia de Livre Comércio) e do Mercosul. Tema que, segundo ela, vem sendo discutido há algum tempo com avanços mais concretos desde março.
Pioneira como mulher a exercer um cargo de Estado na Suíça, a Vice-Ministra deixou claro que é apenas a primeira de muitas. Contra as cotas para mulheres, ela acha que mais importante do que isso é ampliar a base dessas profissionais nas administrações corporativas, o que naturalmente as levará a hierarquias mais elevadas. Sem nunca ter se sentido discriminada pelo fato de ser uma mulher em um cargo de liderança, ela demostra estar à vontade com a posição e afirma: “Alguém tinha de ser a primeira”.
swissinfo.ch: Além da participação no Seminário sobre Comércio, Competitividade e Inovação, quais os demais objetivos da sua visita ao Brasil?
Marie-Gabrielle Ineichen-Fleisch: O objetivo principal é o contato com os nossos negócios aqui e ver as oportunidades e os desafios. Também nos encontraremos com as autoridades do governo, em Brasília, para ver quais progressos podemos fazer, o que podemos explorar mais entre os dois países.
swissinfo.ch: Quais as dificuldades e oportunidades?
I-F: Em termos de negociações, temos o EFTA (European Free Trade Association), que envolve a Noruega, Suíça, Islândia e Liechtenstein com o Mercosul. E de acordo com essa declaração conjunta, assinada em 2000, devemos aprofundar essa relação. Durante muito tempo estamos conversando, mas este ano, na verdade em março e em junho, avançamos um pouco mais para algo mais concreto com o objetivo talvez de lançar as negociações de um acordo de livre comércio.
swissinfo.ch: O que pode ser feito para facilitar ou incrementar ainda mais o comércio entre o Brasil e a Suíça?
I-F: As empresas acham o Brasil um mercado muito interessante, um grande mercado, claro, um mercado em crescimento. Entretanto, eles também percebem desafios a serem enfrentados em termos de altas taxas e impostos, um sistema tributário complexo e impostos para as importações. Eles também apontam para a importância da questão da gestão e da burocracia.
swissinfo.ch: A senhora poderia comentar um pouco sobre o atual cenário econômico e político do Brasil e no que isso pode afetar os investimentos de empresas Suíças no país?
I-F: O Brasil vinha crescendo e crescendo muito rapidamente, com taxas elevadas de desenvolvimento, uma crescente classe média, um grande mercado. Por isso, sempre foi importante para as empresas suíças estarem aqui. É o maior mercado que temos na América Latina. Ultimamente, este crescimento vem sendo mais lento, mas a percepção das empresas suíças continua de que podem haver bons negócios aqui, embora os desafios sejam um pouco maiores. Então, eu estou convencida de que este cenário é algo que vai durar por algum tempo, mas a longo prazo, certamente, o Brasil continuará como mercado muito importante e muito promissor.
swissinfo.ch: Um cenário que poderia ser revertido em algo melhor?
I-F: Sem dúvida. O que eu percebi falando com pessoas da FIESP é que o Brasil tem sido relutante em participar de acordos de livre comércio. Acredito que talvez esteja havendo alguma mudança com os mercados abertos, o que é bom para o Brasil. A abertura dos mercados significa mais exportações e mais importações. Na verdade, um relacionamento comercial mais vibrante com o mundo exterior, não só de países da região, mas também com outros mais distantes. Este foi uma das principais coisas que falamos, assim como formas para impulsionar a inovação.
swissinfo.ch: A Suíça também tem passado por momentos delicados, como os escândalos dos bancos e a FIFA, o que acaba ligando à imagem do país. Como têm lidado com isso?
I-F: Tivemos esse problema com os bancos, mas acho que isso serviu para melhorar a situação, porque o Conselho tomou as medidas necessárias, e agora há um projeto de lei a ser enviado ao Parlamento para alterar os regimes fiscais. Então, isso é algo que está indo bem e que vai mudar muito rapidamente. Não acho que hoje isso tenha afetado a boa reputação da Suíça.
swissinfo.ch: A Suíça chegou a ser criticada por não querer fazer parte da Comunidade Europeia. Não dá um pouco de vontade de dizer “eu avisei” quando vê o que está acontecendo hoje com a Grécia?
I-F: A razão de não termos adotado o euro foi mais uma decisão política, e uma questão de mais soberania do nosso sistema. Nós temos este tipo democracia, que eu acho que seria muito difícil mantê-la do jeito que está se fôssemos membros do euro. Mas nós mantemos uma boa integração econômica com o mercado do euro, é o nosso maior parceiro comercial, não apenas um parceiro econômico. Nós compartilhamos a mesma cultura, falamos a mesma língua, há 150 milhões de pessoas ao nosso redor, temos muitas coisas em comum, e eu acho que temos de cuidar para manter essa rede de acordos bilaterais com a UE, e continuar a melhorar.
swissinfo.ch: E a Grécia?
I-F: Sobre a Grécia, a questão é que há algumas regras que têm de ser respeitadas quando se é membro da UE, e eles sabem quais são. Eu acho, pessoalmente, que os membros da UE tentam realmente encontrar uma solução, mas é claro que se tem que fazer concessões de ambos os lados. Vamos ver o que acontece.
swissinfo.ch: A questão da imigração também é um problema que a Suíça tem se debruçado em resolver?
I-F: É uma questão complicada. Temos 24% de estrangeiros na Suíça, o que é enorme. Praticamente todos os suíços têm algum tipo de parente de outro país, de modo que estamos acostumados a isso. Mas em algum ponto, a população percebeu algo demais e houve esta iniciativa no ano passado contra a livre circulação de pessoas, o que foi uma mistura de coisas diferentes: as pessoas reclamam de trens lotados, preço da moradia alto, pois havia muitos estrangeiros que poderiam comprar casas, profissionais estrangeiros ocupando vagas que seriam delas… Não acho que isso seja verdade, mas é a percepção das pessoas, o que as fez quererem que as autoridades controlassem a imigração. E agora nós temos esse problema, pois este acordo de livre circulação de pessoas está ligado a uma série de acordos bilaterais que temos na UE. Então, estamos buscando uma maneira de resolver isso, até porque essas pessoas não foram para Suíça simplesmente porque queriam. Elas foram para trabalhar.
swissinfo.ch: A presidente Dilma Rousseff antecipou alguns compromissos para o acordo climático global (como a das energias renováveis responderem por 28% a 33% da matriz energética do País). Como as empresas suíças do setor podem ser beneficiar com isso?
I-F: Energia limpa, energia verde, energia renovável fazem parte da indústria que temos na Suíça. E essas empresas, claro, têm muito interesse em vir para o Brasil e investir, porque veem que este é um dos grandes mercados do futuro. Podemos pensar em muitas, como as da agroindústria, do setor de energia – energia solar, eólica… Além de indústrias de alta tecnologia e precisão, como med-tec (tecnologia para área médica).
swissinfo.ch: A senhora é a primeira mulher a ocupar na Suíça uma posição de secretária de Estado. Nós no Brasil, só nos últimos anos tivemos a primeira presidente. Então, é inevitável a pergunta cliché: por que ainda tão poucas mulheres em cargos de liderança como o de vocês?
I-F: Alguém tinha de ser a primeira (risos). Acho que está crescendo a presença feminina nesses cargos, embora lentamente, pelo menos na Suíça, onde tradicionalmente as mulheres ficavam mais em casa com as crianças. Mas, pode-se dizer que a minha geração começou a ser bastante ativa. Você vai encontrar no governo muitas mulheres. Mas ainda há menos mulheres por conta de situações como o sistema de ensino na Suíça, que não é muito propício para as mulheres que trabalham, ou a questão fiscal. Um casal, por exemplo, é tributado em conjunto, e quanto mais se ganha, mais se paga. E se tem creche, despesas, só se pode deduzir uma certa quantidade delas. Então todas estas coisas não são muito favoráveis para as mulheres que trabalham. Por isso, se a mulher tiver que pagar uma babá ou impostos, ela prefere ficar em casa. Estas são questões que estamos atentos. Nas empresas não se encontra tantas mulheres. Talvez por conta das horas de trabalho. É difícil dizer. Há muitas mulheres que trabalham, mas não período integral, algo mais como 40% ou 50%, o que não é suficiente para fazer uma carreira. Há a questão das cotas, ter 30% de mulheres nos conselhos. Mas eu sou absolutamente contra. A quota não ajuda ninguém. O problema é na base. O que temos que fazer é ajudar as mulheres jovens a chegarem lá, a desenvolverem a própria carreira. Isso é o que eu tento fazer em nosso escritório. Isso é muito mais importante do que ter conselhos de administração com 30% de mulheres.
swissinfo.ch: a senhora já se sentiu discriminada?
I-F: Nunca. Nunca precisei trabalhar mais do que os homens (para mostrar eficiência). Sempre tive muito bons patrões, devo dizer. E os meus mentores me ajudaram. Eu nunca me senti discriminada. Pelo contrário, senti que às vezes, sendo mulher, as pessoas tendem a supervalorizar, na verdade. Então, nunca tive essa experiência de ser tratada de forma inferior. Nunca estive em nenhum lugar que tenha me feito pensar que não era bom ser uma mulher.
Marie-Gabrielle Ineichen-Fleisch (*1961)
Advogada de formação, foi nomeada como Secretária de Estado e diretora da Secretaria de Estado da Economia (SECO) desde 1° de abril de 2011. Ele também assume a Direção das Relações Econômicas Exteriores. Embaixadora, foi delegada do governo federal para acordos comerciais. Foi negociadora-chefe da Suíça na Organização Mundial do Comércio (OMC) de 1999 a 2007. Em 1992 e 1993, trabalhou no Banco Mundial, em Washington. Terminou seus estudos de Direito na Universidade de Berna em 1987.
Fonte: SECO
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