Chefe suíço ajuda a criar negócios no Brasil
A Suíça inicia hoje seu primeiro jogo da Copa de 2014. Filho de mãe italiana e pai suíço, o chef Carlos Möckli cresceu e se profissionalizou na Suíça, em um universo reconhecido pela excelência em gastronomia, conhecimento e inovação.
Uma bagagem que, ao contrário de outros especialistas da área, ele faz questão de dividir com os que se interessam pelo tema, principalmente os pequenos e médios empreendedores brasileiros, que fazem parte hoje de um grupo produtivo de importância fundamental para impulsionar a economia do país.
O trabalho de Möckli contribui para dar novos rumos àqueles que querem abrir seu próprio negócio. Um público que, de acordo com dados da pesquisa GEM de 2013 (“GEM 2013: empreendedorismo no Brasil”) divulgada pelo Sebrae (Serviço Brasileiro de apoio às Micro e Pequenas Empresas), atingiu a taxa mais elevada de empreendedores por oportunidade dos últimos 12 anos no Brasil. A pesquisa é realizada anualmente pelo Global Entrepreneurship Monitor (GEM) que mede a evolução do empreendedorismo em dezenas de países.
Muitas dessas pessoas são motivadas por identificarem uma chance de negócio, como a que Möckli vem descortinando no Brasil há 13 anos – a produção de chocolate como alternativa de emprego e renda. Confeiteiro, Chocolateiro e Consultor suíço com Mestrado em confeitaria e chocolataria, Möckli tem a transmissão de conhecimento gastronômico como missão pessoal. Para ele, que já chegou a ser premiado com um selo da rainha da Inglaterra, a realização profissional está no sorriso das pessoas, principalmente de jovens, que com os seus ensinamentos tem ajudado a direcionar para novas oportunidades pessoais e de trabalho.
Diferentemente de outros chefs, Möckli não tem nenhum receio em contar seus segredos gastronômicos. Para ele não há receitas que não possam ser reveladas nem limites para o ensino. Criador do Curso Online de Confeitaria Internacional, ele usa a internet para atingir ainda mais pessoas, além das que já conquista em apresentações presenciais. Uma demonstração de generosidade que têm transformado a vida de empreendedores, como Eliane Valladão, ex-aluna de Möckli, e hoje uma referência como empresária e chef em Brasília, como conta na entrevista a seguir.
swissinfo.ch: É verdade que você sempre sonhou em trabalhar no Brasil?
Carlos Möckli.: Sim, é verdade, é um sonho realizado. Minha esposa é brasileira. Depois de morarmos 18 anos na Europa, decidimos nos mudar para o Brasil. Mas, foi tudo muito bem planejado
swissinfo.ch: Por que escolheu o Rio de Janeiro?
C.M.: Já havia comprado um terreno em Niterói (cidade da região metropolitana do Rio), como parte de uma cooperativa ligada a um grupo cristão. Hoje, moramos nesse lugar, que é um verdadeiro paraíso! A transição foi difícil e a diferença cultural tremenda, mas hoje estou bem adaptado.
swissinfo.ch: Quais as principais dificuldades para trabalhar no país e para se adaptar aos hábitos locais, clima, política, economia?
C.M.: A maior dificuldade para trabalhar foi adaptar o que faço ao sabor brasileiro. As receitas dos meus bolos e tortas eram todas suíças. Depois de muitos fracassos, descobri que para o brasileiro meus produtos eram considerados light ou diet, porque não tinham tanto açúcar. Até chegar ao Brasil, eu nunca tinha sequer visto uma lata de leite condensado. Só quando dobrei a quantidade de açúcar nas receitas comecei a ter sucesso. Nunca tive problema com o clima (gosto muito do calor) ou com as pessoas. As leis são tão diferentes das leis na Suíça que, sem toda a ajuda que recebi de muitos brasileiros, nunca teria tido a chance de saber como abrir uma empresa, por exemplo. Quanto à política, até hoje não entendo.
swissinfo.ch: Você já teve até uma linha de chocolates premiada com o selo da rainha Elizabeth II, mas seu trabalho se dirige muito para projetos de empreendedorismo ou para crianças e pessoas com renda per capita mais baixa (a chamada classe C). O que o motiva?
C.M.: Eu adoro educar e acredito que quanto mais cedo se aprende, melhor. As crianças merecem e gosto de ver a alegria no rosto delas. Me sinto muito mais como um pai do que como um mestre ou professor. Gosto muito de crianças! Sempre tratei as pessoas de forma igual e individual, independentemente se são crianças ou a rainha da Inglaterra. Fazer essas coisas me coloca em harmonia com meu coração e minha missão pessoal. É muito recompensador.
swissinfo.ch: Quais são os cursos que oferece?
C.M.: Ministro cursos de confeitaria, padaria e chocolataria em escolas de gastronomia. Sou consultor para diversas empresas no Rio de Janeiro e pelo Brasil afora, além das aulas particulares. Tenho muito interesse em passar meu conhecimento de mais de 44 anos. O carro-chefe é o meu Curso de Confeitaria Internacional Online, do qual sou criador e professor. Nesse curso ensino 90% do fundamento da confeitaria internacional, com apostilas, receitas e muitos vídeos. Além do mais, os alunos devem fazer as receitas e mandar as fotos para serem analisadas. Por causa do grande sucesso desse curso, já estou preparando o de chocolataria e o de padaria online. Assim posso passar todo esse conhecimento para qualquer pessoa do Brasil e do mundo. No meu blog há todas as informações sobre os cursos.
swissinfo.ch: Qual o perfil dos participantes?
C.M.: Qualquer pessoa que tenha interesse nessas áreas, sejam profissionais sejam donas de casa, ou ainda aqueles que querem mudar de atividade profissional. Ensino tanto para pessoas que querem abrir um negócio em casa como para redes de hotéis cinco estrelas. Meu ensinamento vai desde a receita até o plano de marketing.
swissinfo.ch: Recentemente você foi destaque em uma longa reportagem de um programa da Rede Globo, mostrando como brasileiros podem empreender e aumentar a renda produzindo chocolate. O que o levou a contribuir para o empreendedorismo no país?
C.M.: O brasileiro tem muita criatividade e talento na área da gastronomia, mas precisa do conhecimento profundo dos princípios que a regem. São poucos os que têm acesso a esse tipo de informação e normalmente quando ficam ricos e famosos não gostam de compartilhar o que aprenderam. Mas parte da minha missão pessoal é popularizar esse conhecimento. Creio que em 10 anos o Brasil estará entre os melhores na gastronomia mundial.
swissinfo.ch: Vindo você de um país como a Suíça, como vê a disparidade social que há no Brasil?
C.M.: Aprendi na Suíça que quanto mais um trabalhador investe em criar riqueza para o dono de uma empresa ou um empregador, tanto maior será seu salário. Sei disso por experiência própria. Seria fantástico se mais empresários brasileiros aplicassem estes princípios em suas empresa, ajudaria a fechar essa enorme brecha.
swissinfo.ch: Você oferece cursos para públicos muito diversos, como prepara a sua metodologia. Como as pessoas menos informadas acompanham o curso?
C.M.: Muitas pessoas, alunos, clientes, amigos e família me dizem que sei ensinar tanto para uma pessoa iletrada como para educadores e profissionais. Já tive ajudantes de todas as classes sociais e alunos de todas as profissões imagináveis, de médicos a joalheiros, além de psicólogos, engenheiros e donas de casa. Vejo minha metodologia como um dom de Deus. Algumas pessoas, seja qual for a classe social, se interessam apenas pelas receitas. Mas, eu ensino fundamentos e princípios, e todo mundo entende.
swissinfo.ch: Mas você trabalha com alguma metodologia específica?
C.M.: A metodologia que uso é fundamentada nos ensinamentos de Stephen R. Covey, autor dos “Sete Hábitos de Pessoas Muito Eficazes”. Nas consultorias ajudo as pessoas a criarem uma missão pessoal e uma missão da empresa, planejamento do uso do tempo, além do plano de marketing, sem falar nos princípios da confeitaria, chocolataria e padaria, receitas, compras e utensílios e matéria-prima, planta baixa ou ainda como adaptar seu espaço em um espaço profissional. Minha missão profissional é ensinar e passar todo o meu conhecimento para os brasileiros.
swissinfo.ch: Você tem algum dado sobre o desempenho dos seus alunos depois dos cursos? Se eles abriram novos negócios, se continuaram na área de gastronomia?
C.M.: Várias pessoas me seguem como discípulos, pedem consultorias após os cursos. Muitos se tornaram os melhores profissionais em suas cidades ou abriram seus próprios negócios. Outros se tornaram amigos pessoais. Hoje em dia, com as redes sociais, é muito fácil acompanhar o trabalho de cada um, os desafios e as vitórias, e eu tenho muito orgulho deles!
swissinfo.ch: Há algum que você possa exemplificar?
C.M.: Gostaria de mencionar três alunos que abriram negócios e têm muito sucesso, além de todas as pessoas que começaram a trabalhar em casa e estão ganhando dinheiro com isso. A minha querida aluna Eliane Valladão, que hoje é uma grande chef e especialista em chocolates. Meu querido aluno Luiz Eduardo Costa, que depois de ser chef confeiteiro em hotéis cinco estrelas, hoje tem sua própria loja, a maravilhosa Boulangerie 403 em Icaraí, Niterói. Meu querido aluno Diego Barcellos, que está começando agora, com um negócio em casa e já tem muito sucesso. Estou dando apenas alguns exemplos entre muitos.
swissinfo.ch: Qual conselho você dá para quem quer trabalhar com gastronomia no Brasil?
C.M.: Gastronomia é um leque muito grande, mesmo assim, você tem que gostar de trabalhar com pessoas, de servir e de criar uma atmosfera especial. Você tem que estar disposto a trabalhar quando os outros estão de folga, tem que ser criativo, ir para uma boa escola de gastronomia, escolher uma área, correr atrás do conhecimento e fazer muitos cursos.
swissinfo.ch: E para quem quer se especializar lá fora, como é essa concorrência profissional?
C.M.: Todo mundo conhece as escolas de renome, como Lenôtre ou Le Cordon Bleu, mas seria excelente não só fazer um curso, mas trabalhar lá fora, ter uma experiência internacional. É bom conhecer pessoas que têm formação no exterior, ouvir sobre a realidade do que é ser um chef lá fora, e não apenas ter a ilusão do que a televisão, por exemplo, apresenta.
swissinfo.ch: Para fazer produtos como o chocolate, a matéria-prima faz toda a diferença. É possível encontrar (e onde) bons materiais para produção gastronômica no Brasil ou é preciso importar?
C.M.: Isso é uma coisa que me faz sofrer. O Brasil tem tudo para ter excelentes produtos, como o chocolate, mas a qualidade do chocolate brasileiro precisa melhorar muito. Há matéria-prima, o que não há é vontade de produzir qualidade e pagar por isso. Porém, o brasileiro paga por produtos importados, e isso é uma daquelas coisas que não entendo. Quanto a encontrar bons produtos, é possível sim, principalmente pela riqueza natural, a imensa variedade de frutas, castanhas e outras coisas que o mundo está começando a conhecer e que são um trunfo muito grande para o Brasil.
swissinfo.ch: Quais produtos típicos do Brasil que poderiam diferenciar uma produção de chocolate no mundo?
C.M.: Quem sabe o cupuaçu, que é primo longínquo do cacau, vai revolucionar o mundo do chocolate? No mercado já existe chocolate de cupuaçu. A opção de recheios brasileiros é infinita, como a cachaça brasileira, o pequi, caju, cajá, açaí, castanha de caju, bacuri e muitos outros.
swissinfo.ch: O custo de produtos e serviços no país estão inflacionados, ainda mais sob a desculpa da Copa do Mundo. Como você compararia os preços de produtos, como o chocolate, no Brasil e na Suíça?
C.M.: Ironicamente o Brasil tem um dos preços mais altos de chocolate. Veja os preços da Sprüngli, por exemplo, um dos melhores chocolates do mundo – da Suíça, é claro, onde você pode comprar uma barra de 150g por R$15,00, enquanto no Brasil, 100g de um chocolate fino custam R$18,00. É uma diferença que não faz muito sentido para mim.
swissinfo.ch: Você já deu uma entrevista dizendo que a vantagem da Suíça em fazer um dos melhores chocolates do mundo está nos Alpes. Você vê alguma vantagem nas características do Brasil para produzir chocolate?
C.M.: A Suíça não produz cacau. O que a Suíça tem é o conhecimento para misturar os melhores tipos de cacau do mundo com a tecnologia apropriada. Os Alpes suíços são uma benção de Deus! Com uma grama orgânica, cheia de flores e ervas típicas, e vacas que produzem um leite excelente e com muito sabor, a Suíça pode fazer queijos e chocolate de altíssima qualidade. Existem três tipos principais de cacau: Forasteiro, Trinitário e Criollo. Os suíços sabem misturar os três de forma muito harmônica. Já as fábricas brasileiras trabalham com 99% de cacau Forasteiro, que é um cacau de consumo e não um cacau nobre, como o tipo Criollo. Mas a qualidade do chocolate brasileiro melhorou muito nos últimos anos, e eu espero que isso continue até que fique igual ao chocolate suíço.
swissinfo.ch: O Rio de Janeiro, como todo o Brasil, está vivendo um momento de grande violência. Como se sente morando lá? Quais as suas preocupações
C.M.: A Suíça é uma grande fazenda, um país muito pequeno. Eu nunca conseguiria morar em uma cidade como o Rio de Janeiro, que tem o dobro dos habitantes de toda a Suíça. Moro em Niterói, em um paraíso no meio do mato, com micos, ovelhas, galinhas e muitos pássaros. Estou consciente da violência, tomo todo cuidado possível, já fui assaltado duas vezes, mas confio em Deus e não vivo assustado. Trabalho no Rio, mas me sinto mais seguro morando aqui. Moro no céu!
swissinfo.ch: Na sua família há mais alguém que seguiu a carreira da gastronomia
C.M.: Não. Sou o único! Apesar de minha mãe italiana (meu pai era suíço) ter sido uma excelente cozinheira (ainda hoje faço gnocchi e pasta com as receitas dela) e minha irmã cozinhar divinamente, nenhum deles seguiu essa área. Meu filho faz doutorado em Física.
swissinfo.ch: Você ainda mantém muita ligação com a Suíça?
C.M.: Tenho três irmãos na Suíça e sinto muita saudade deles. Essa sempre será a minha maior ligação. Me sinto em casa no Brasil, minha esposa, filho e nora estão aqui. Esse país se tornou meu novo lar!
Em 1995, a duas semanas da Páscoa, o carro da psicóloga Eliane Valladão quebrou e o orçamento do conserto era desanimador.
Mãe de quatro filhos, naquele período ainda pequenos, o que tornava o carro muito importante para ela, Eliane não perdeu tempo. Inquieta e determinada, ela aproveitou a proximidade da comemoração para vender ovos de Páscoa. Com 217 quilos de chocolate para produção, ela conseguiu um bom retorno de vendas, não só consertou o carro como descobriu a possibilidade de uma nova atividade profissional.
“Simplesmente me apaixonei pela história do chocolate”, afirma.
Mas foi somente em 2007, aos 39 anos, depois de uma longa pesquisa sobre chocolate e de conhecer o trabalho de Carlo Möckli, que ela tomou a decisão de abrir um negócio. Com total apoio do marido, ela ligou para Möckli, o convidou para ir a Brasília para uma consultoria. “Ele passou muitas informações, não teve restrições em ensinar”, conta Eliane, que para a Páscoa deste ano, contou com uma tonelada de chocolate para produção dos ovos, que vendeu na sua loja Cacahuá, em Brasília.
O crescimento da empresa não poderia ser diferente. Depois do primeiro contato, Möckli prestou outra consultoria para ela e, além das receitas de ovos de chocolate de qualidade (o que normalmente os chefs guardam a sete chaves), Möckli passou também todas as orientações de empreendedorismo.
A partir daí, Eliane passou a entender em detalhes sobre a abertura do negócio, melhor formato, planejamento, possibilidades de produção, ensinamentos técnicos para obtenção dos melhores resultados dos produtos. “Nunca tinha tido experiência com isso “, conta ela, que hoje é reconhecida na cidade pela qualidade dos seus produtos e o bom gosto da sua loja. Para conquistar o que tem hoje, ela lembra ainda que eles trabalharam duro. Com a presença de Möckli, eles chegaram a trabalhar seis dias, por 14 horas diárias ininterruptamente, para abertura da loja. “Carlos ensinou todos os princípios de se trabalhar com chocolate”, diz ela, que conclui: “Ele é realmente muito generoso”.
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