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Uma exposição onde a natureza faz a arte

A erosão que resulta do contato com a natureza é única, "como uma impressão digital", explica Christina Oiticica. courtesy

A natureza presente em todas as formas: esse é o fio condutor da narrativa da artista plástica Christina Oiticica. Agora, pela primeira vez, a cidade de Basileia na Suíça irá receber uma exibição exclusiva da pintora e gravurista carioca onde o tema agirá como artista, ou seja, a natureza irá, literalmente, fazer a arte de si mesma.

Christina exibirá mais de 50 peças, sendo que 10 dessas são imagens inacabadas ficarão expostas ao clima da cidade, para que ela imprima sua marca sobre as telas.

Organizada pelo diretor da Fundação BrasileiaLink externo, Daniel Faust, a exposição contará com rituais performáticos de Christina, nos quais peças serão enterradas, deixadas ao ar livre e submersas em água. “Ao final dos três meses da exibição, no final, Christina vai resgatar as telas. Esse acontecimento é sempre emocionante e surpreendente”, conta Faust.

“O trabalho de Christina tem influências do “Nouveau Réalisme”, com ações performáticas em que o público participa do processo, e do Land Art, que insere a obra na natureza. É sensacional”, explica Letícia Amas, da Galeria Espace_L, de Genebra. 

Para tentar decifrar a arte de Christina OiticicaLink externo, swissinfo.ch conversou com a artista. Confira a entrevista e visite a exposição:

swissinfo.ch: Suas peças foram enterradas em países como Japão, Suíça, Brasil e Espanha. O que torna o seu trabalho universal?

Christina Oiticica: Todos nós estamos ligados por um fio invisível e fazemos parte da natureza. Se falarmos uma linguagem simples, todos entenderão. Além do mais, eu acho que cada artista é como um oráculo que apresenta imagens das quais cada um tira sua própria interpretação.

swissinfo.ch: A ação da natureza é um fator sobre o qual você não pode influenciar. Por que é importante saber ceder o controle?

C.O.: Acho que tudo é uma questão de liberdade. Fazendo um paralelo entre as pessoas e o meu trabalho, não é a capacidade de abandonar o controle, mas deixar que elas sejam livres para se transformarem. Na realidade não temos controle de quase nada nessa vida, é tudo uma ilusão.

O resultado final dessa extraordinária parceria é uma arte literalmente inimitável. Em cada caso arbitrário da água, do vento, dos mistérios das pedras, a natureza interage de uma forma única no meu trabalho. E quanto mais ela interfere, mas eu amo. Ela deixa uma marca digital. Cada peça é diferente por causa do tempo e espaço onde foi depositada. Sempre é uma grande surpresa.

swissinfo.ch: Por favor, conte-nos como foi o momento em que a natureza entrou no seu trabalho.

Christina Oiticia em uma performance: as telas são enterradas para receber a ação da natureza. courtesy

C.O.: Eu já vinha trabalhando com os signos do feminino há muito tempo: a nutrição, o bico do seio, as pérolas, etc. e nada é mais feminino do que a Terra, “A Grande Mãe”. Em 2003 eu morava num pequeno hotel nos Pirineus e necessitava pintar uma tela de 10 metros. Eu não tinha espaço para trabalhar, nem para estocar. Essa tela ficou então por um ano na floresta e eu pintava por estações.

A proposta do meu trabalho é ir além das quatro paredes que o protege. É permitir que ele seja afetado pelas condições do tempo, pelas circunstâncias como dizia (o filósofo espanhol) Ortega y Gasset. Como eu estava vivendo há um ano e meio em contado com a natureza diretamente, vivendo essas quatro estações, senti a necessidade de deixar que ela interferisse, ainda que essa escolha tenha sido um ato inconsciente.

swissinfo.ch: A sua arte dialoga com a literatura produzida por seu esposo, Paulo Coelho. Como você celebra e avalia essa cumplicidade? Acredita que há uma simbiose?

C.O.: Isso também acontece inconscientemente. Somos pessoas muito intuitivas e conversamos muito. O nosso dia-a-dia acaba por interferir na nossa produção artística. Às vezes estou desenvolvendo algum trabalho e venho a descobrir que é muito similar com o que o Paulo faz naquele mesmo momento. Muitas vezes pensamos em fazer alguma coisa em conjunto, mais foram poucas as vezes que de fato colaboramos propositadamente – isso ocorreu com ilustrações de livros, por exemplo.

Os elementos da natureza servem como material para as obras, como nessa montagem com folhas da Amazônia. courtesy

swissinfo.ch: As questões de denúncia social e identidade estão bastante presentes na obra de diversos artistas contemporâneos. Que razões fazem com que você opte por adicionar esses elementos em maior ou menor quantidade no tempero da sua narrativa? 

C.O.: Quando trabalho eu falo a minha verdade. Não posso seguir uma tendência porque está na moda. Quanto às questões de denúncia, na minha arte eu ainda não as apliquei. Eu interfiro de outra maneira nos problemas sociais e de injustiça humana. Eu acredito mais em ações do que em denúncias. Hoje em dia temos as redes sociais, onde todos podem denunciar. Acho que é muito mais claro e visível.

Quanto à identidade da Amazônia e dos índios, estive um tempo por lá e conheço muitas pessoas que fazem um trabalho excelente. O que mais me impressiona, em várias circunstâncias, é a ligação que nós (que vivemos nas cidades) perdemos com a natureza. É esse fio invisível. Eu já o senti muitas vezes, em momentos precisos. Quando fui à Amazônia, eu fiz parte de um ritual do povo da floresta, que me fez voltar à mesma percepção que tínhamos antes. Deixei os meus trabalhos por um ano lá e o resultado foi incrível.

swissinfo.ch: Você é influenciada pelo “Land Art” e o “Nouveau Réalisme”. Ambos movimentos se caracterizam por uma grande virtude democrática, seja por fazer arte fora dos museus e galerias, seja por permitir interações externas nas performances. Por que existe a necessidade de dar espaço ao inesperado para que se manifeste na arte?

C.O.: Todos esses conceitos do meu trabalho foram sendo construídos através do tempo. Houve uma época em que eu fiz uma arte puramente retratista, mas dentro dessa arte vinham os signos que me acompanham até hoje. Sou uma pessoa inquieta de atitudes muito intuitivas. O meu trabalho é o inverso do percurso do homem. Saí de casa, da caverna, e fui para a natureza de novo. É um trabalho peregrino e está sempre em transformação. 

O que:

Exposição Christina Oiticica

Onde:

Brasileia Centro Cultural

Westquaistrasse 39, 4019 Basileia, Suíça

Quando:

De 26 de Janeiro a 16 de março de 2017

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