Heidi, o filme de maior sucesso. Será mesmo?
Com meio milhão de espectadores na Suíça e mais de 2,4 milhões no mundo, a refilmagem de Heidi dirigida pelo cineasta Alain Gsponer foi considerada o maior sucesso do cinema helvético. A falta de dados dificulta a avaliação desta operação de marketing, bem-sucedida. Além disso, o que faz um filme ser realmente suíço?
O governo subvenciona uma grande parte da produção cinematográfica realizada no país. Ele deveria ter, ao alcance das mãos, as estatísticas concretas para medir o sucesso de um filme. O desempenho é avaliado pela renda da bilheteria, pela participação em festivais e pelos prêmios recebidos. Isso seria o ideal, mas a realidade é bem diferente.
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Comédia suíça continua atual quatro décadas depois
As cifras colocadas à disposição são poucas e, quase sempre, dizem respeito ao mercado interno. Nem a agência de promoção do cinema helvético, a Swiss Films, soube dar os números recolhidos no exterior. Então, é impossível afirmar que Heidi é o filme mais visto de todos os tempos, mesmo levando em conta os mais de 2,5 milhões de espectadores, uma meta extraordinária, sem dúvida.
Mas vamos pôr ordem na burocracia. O Departamento Federal de Estatísticas (UFS, na sigla em italiano) representa a fonte de dados mais completa, a nível nacional. O órgão público realizou uma classificação dos 500 sucessos cinematográficos do país, de 1976 até os dias de hoje.
Sucesso europeu
O banco de dados do Observatório europeu audiovisual, que releva as entradas dos filmes em diversos países, permite o acesso a qualquer informação sobre o sucesso dos filmes helvéticos no Velho Continente. Os dados existem a partir de 1996, somente.
Se excluímos as entradas registradas na Suíça, lidera a classificação de 2014 o filme de ação “Northmen – A Viking Saga” (2014, Claudio Fäh), com mais de meio milhão de espectadores, dos quais mais de 300 mil na Rússia e superando os 100 mil na Itália.
O filme de animação, ao contrário, “Max & Co” (2007), na França, dos irmãos Guillaume, registrou o maior sucesso, com quase 162 mil espectadores. Na Suíça, ele teve um público de apenas 32 mil pessoas. Na Alemanha, o mais visto foi “Die Herbstzeitlosen” (2006, Bettina Oberli), com uma presença nos cinemas acima dos 288 mil pagantes.
O veredito não tem apelação: a comédia “Die Schweizermacher” (“Fazedor de Suíço” em tradução livre, 1978) continua sendo o filme mais popular dos últimos quarenta anos, com quase um milhão de espectadores. Ironia da sorte, as autoridades da época não o financiaram porque ele representava, com humorismo, o labirinto de procedimentos para a naturalização e interrogava o significado da identidade nacional.
O sucesso deste filme não impressiona Frédéric Maire, diretor da Cinemateca Suíça. “A temática dos estrangeiros e da nacionalidade estava ao centro dos debates políticos daquela época, marcada pela iniciativa (proposta de artigo constitucional levado à plebiscito) Schwarzenbach. Além disso, o principal intérprete era Emil Steinberger, um astro do cinema. Ele é um dos poucos atores suíços-alemães que ultrapassou as fronteiras linguísticas. “
E o remake de “Heidi”? O novo filme de Alain Gsponer alcançaria o quinto lugar, com mais de 500 mil bilhetes vendidos. O condicional é obrigatório porque é difícil estabelecer a nacionalidade de um filme. O Departamento Federal de Estatísticas analisa os filmes 100% helvéticos e as coproduções majoritariamente suíças. Estes são os critérios usados na Europa. Pois bem, mesmo tendo sido dirigido por um cineasta suíço, “Heidi” é uma coprodução de maioria alemã. A indicação dele nesta lista seria um equívoco, no mínimo.
Entretanto, é preciso lembrar que o Departamento Federal de Cultura utiliza parâmetros menos restritivos e considera “Heidi” um filme suíço, como consequência. O filme recebeu um apoio financeiro da Confederação Suíça e é candidato ao “Oscar” do cinema helvético.
A ausência de um “cinema suíço”
As cifras do departamento federal de estatística são parciais. Mesmo assim, elas realçam algumas características do cinema suíço. A começar pelas fronteiras linguísticas e culturais.
Realmente, para ter sucesso na Suíça, um filme tem que conquistar o público de língua alemã, o mais numeroso. Mas as películas helvéticas que conseguem superar os limites internos são raras. Não surpreende a presença de apenas dois diretores de língua francesa na lista top 25, Yersin e Goretta. E, nem ainda, o fato de que sejam eles os representantes do chamado Novo Cinema Suíço, que tanto tinha conquistado admiradores dentro e fora da Europa.
“Na época, o público suíço-alemão estava muito interessado no cinema de autor francófono porque o considerava inovador e provocava curiosidade”, explica Frédéric Maire.
O desempenho de um outro filme de culto da Nouvelle Vague suíça também foi notável. Trata-se de “Jonas, que vai ter 20 anos em 2000”. Ele registrou apenas 140 mil espectadores na Suíça (27° lugar), mas vendeu mais de dois milhões de bilhetes na Europa e nos Estados Unidos. Assim, até a chegada de “Heidi”, o filme de Alain Tanner era considerado – de forma um pouco imprópria – o maior sucesso helvético.
Ainda hoje, o cinema de autor é ofuscado, principalmente, pelos diretores francófonos Jean-Stéphane Bron e Ursula Meier, pelo menos, no que diz respeito aos filmes de ficção. Apesar da ressonância internacional, esta nova geração encontra dificuldades para conquistar o público de língua alemã. Até porque enfrenta uma concorrência mais forte do que a de 40 anos atrás.
O mesmo vale no sentido inverso. Os grandes sucessos do cinema suíço-alemão “Achtung, fertig, Charlie!” (2003) o “Mein Name ist Eugen” (2005), interessam pouco ao público latino. E isso ocorre também por razões culturais: “Não sorrimos das mesmas coisas, afirma Frédéric Meir, além disso, o público suíço-alemão pode contar com um certo número de estrelas de casa, perfeitamente desconhecidas em outras regiões do país”
Os grandes sucessos dos anos 40 e 50
Os dados do Departamento Federal de Estatísticas cobrem os últimos 40 anos. Mas, evidentemente, as origens do cinema suíço são mais antigas. Tentamos obter uma visão mais completa. O livro histórico de Hervé Dumont*, ex-diretor da Cinemateca Suíça, revela uma surpresa: alguns filmes lançados logo depois da guerra conseguiram um sucesso ainda mais importante do que “Die Schweizermacher”, na Suíça e no exterior.
O filme “Maria Louisa” (1944) está entre os títulos com mais de 1 milhão de espectadores, na Suíça. Naquele período, a cultura helvética estava marcada pela chamada “defesa espiritual”, uma tentativa de reforçar os valores “genuínos” suíços diante das ameaças dos regimes totalitários.
O filme de Leopold Lindtberg pertence a esta corrente. O diretor apresenta uma imagem idílica da Suíça, através da história de uma pequena refugiada francesa. Intelectuais americanos aclamaram o filme “Maria Louisa”, primeira produção europeia a entrar em cartaz, nas telas dos Estados Unidos, depois da guerra. Ele foi também o primeiro a vencer o Oscar na categoria de melhor roteiro.
Um ano depois, Lindtberg retomaria a questão dos refugiados hebreus e dirigiria um outro sucesso do cinema helvético, ” A última esperança”. O filme saiu 18 dias depois da capitulação alemã e tornou-se um sucesso mundial, rapidamente. Ele foi visto por mais de um milhão de pessoas, na Suíça. O jornal New York Times o inclui na lista cinematográfica dos dez melhores filmes de 1946.
Franz Schnyder também era um outro grande diretor da época. Ele levou 1,6 milhões de espectadores aos cinemas com o filme “Uli, o servo” (1954). Vale a pena lembrar que a Suíça contava com apenas cinco milhões de habitantes, naquele período. Neste mesmo ano, Schnyder lançaria ” Heidi e Pedro”. O primeiro filme colorido suíço conquistou um sucesso internacional, graças ainda a uma publicidade em grande estilo, na cidade de Nova York.
*As informações selecionadas neste capítulo foram retiradas do livro “Histoire du cinéma suisse – Films de fiction 1896-1965”, Hervé Dumont, 1987.
Prêmio do cinema suíço
O cinema suíço vai conhecer seus candidatos, em 18 de março. Eis uma seleção dos nomeados em algumas categorias.
Melhor filme cada nomeação CHF 25 000
“Amateur Teens” (Niklaus Hilber)
“Heimatland” (Jan Gassmann, Jonas Meier, Benny Jaberg, Tobias Nölle, Lionel Rupp, Lisa Blatter, Gregor Frei, Michael Krummenacher, Carmen Jaquier, Mike Scheiwiller)
“Köpek” (Esen Isik)
“La Vanité” (Lionel Baier)
“Nichts Passiert” (Micha Lewinsky)
Melhor Documentário
“Above And Below” (Nicolas Steiner)
“Als Die Sonne Vom Himmel Fiel” (Aya Domenig)
“Dirty Gold War” (Daniel Schweizer)
“Grozny Blues” (Nicola Bellucci)
“Imagine Waking Up Tomorrow And All Music Has Disappeared” (Stefan Schwietert)
O filme “Heidi” foi indicado apenas na categoria ” Melhor intérprete masculino”, com Bruno Ganz. Esta escolha recebeu protestos dos representantes do setor e dos críticos cinematográficos.
Adaptação: Guilherme Aquino
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