Combate ao desmatamento é mensagen de Lula em Davos
Marina Silva é o rosto do novo governo brasileiro e, em sua política externa, faz parte da ofensiva de Luiz Inácio Lula da Silva para convencer o mundo de que o Brasil finalmente vai se comprometer com o fim do desmatamento. Depois de anos sendo parte do problema, o Brasil quer ser parte da solução.
Silva, escolhida para o estratégico cargo de ministra do Meio Ambiente, participa do Fórum Econômico Mundial (WEF), em Davos, e leva consigo duas mensagens que a comunidade internacional espera do Brasil neste momento: a do compromisso pela democracia e pelo combate contra o desmatamento.
A viagem ocorre uma semana depois de a sede dos três poderes no Brasil ter sido alvo de ataques de simpatizantes de Jair Bolsonaro, o ex-presidente. O ato foi condenado pelo governo da Suíça e pela comunidade internacional.
Antes de embarcar, ela conversou com o jornalista da swissinfo.ch sobre sua primeira viagem ao exterior como ministra, suas mensagens aos donos do poder e a relação com a Suíça. Sua missão: virar a página da desconfiança internacional depois de quatro anos de um governo negacionista e responsável pelo maior aumento nas taxas de desmatamento no país em décadas.
swissinfo.ch: A senhora viaja uma semana depois dos ataques contra Brasília. Acredita que a credibilidade do país possa sofrer?
Marina Silva: Ela já vinha sofrendo e muito. E o que aconteceu no dia 8 é ainda o “resto a pagar” do que vinha ocorrendo. Isso foi a demonstração cabal que, do ponto de visto social, político e civilizatório, o Brasil não suportaria mais quatro anos de Jair Bolsonaro. É a demonstração cabal da importância estratégica da eleição de Lula.
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WEF em Davos ocorre em ano de descontentamento
Assim como eles (bolsonaristas) estão deixando uma conta negativo de desmatamento, de pobreza, estão deixando essa conta negativa na imagem do Brasil. Uma coisa importante é que novo governo reverte isso. Vimos a quantidade de telefonemas que Lula recebeu e a sinalização de governos não compactuariam com qualquer aventura autoritária.
swissinfo.ch: Sobre a ameaça autoritária, a senhora leva para Davos alguma mensagem específica de que a democracia é sólida?
M.S.: Com certeza. As nossas instituições democráticas e a ação do estado brasileiro reagiram à altura à confrontação que foi feita. Temos confiança. Mas não podemos subestimar e precisamos ser vigilantes. E não ter a sensação de que somos autossuficientes. Onde a democracia é atacada num lugar, ela deve receber solidariedade de todos. A democracia é um ecossistema. Onde ela está enfraquecida em um lugar, está enfraquecendo a todos. Se por um lado já conseguimos derrotar eleitoralmente esse movimento, agora é o esforço de continuar para que o governo da democracia seja vitorioso.
swissinfo.ch: E de uma forma geral, qual a mensagem da senhora para Davos?
M.S.: A mensagem é de que o Brasil volta ao protagonismo, sustentado pelo fortalecimento da democracia, combate à desigualdade e sustentabilidade. Obviamente que a tradução disso em termos efetivos é o grande desafio que está sendo colocado ao governo, com a clareza de que isso não é uma ação exclusiva do governo. Vai depender da capacidade de criar políticas públicas. Mas em forte parceria com diferires segmentos da sociedade, como empresários e movimentos sociais.
swissinfo.ch: A senhora fez vários anúncios da retomada do Fundo da Amazônia e do fortalecimento dos controles ambientais. Quanto tempo até a nova política brasileira surtir efeitos e o desmatamento cair?
M.S.: No primeiro governo Lula (2003), quando chegamos, tivemos de criar as coisas do zero e num momento em que o desmatamento aumentava. Nunca nenhum governo tinha botado o desmatamento dentro das prioridades. Agora, é uma situação muito mais grave. Temos um orçamento completamente degradados, serviços públicos enfraquecido e equipes desmontadas. Mas, de outro lado, temos a experiência e sabemos que podemos fazer. O que eu posso dizer é que vamos fazer um trabalho consistente. Não posso falar em datas. Mas, mais que uma data, quero ter um resultado,
swissinfo.ch: Vimos no governo do presidente Bolsonaro a forte presença de militares na administração pública e na Amazônia. Eles são parte do problema ou da solução?
M.S.: Eles podem fazer parte da solução, desde que sejam acionados para o que estão constitucionalmente aptos a fazer. Já fizeram isso no passado. Os resultados que obtivemos foi quando agimos de forma coordenada com 13 ministérios. E o Exército teve um papel importante, com apoio logístico para operações e um poder de dissuasão. O que eles não podem fazer é se colocar no lugar do Ibama (Agência de proteção ambiental do Brasil).
swissinfo.ch: Em sua avaliação, a agenda do Fórum Econômico Mundial tem tratado de forma suficiente o desafio ambiental?
M.S.: Cada vez mais esse tema ganha o principal foco dos eventos e do Fórum, o que é muito positivo. Também por estar ocorrendo também com o foco na desigualdade, desenvolvimento econômico e atender aos compromissos do Acordo de Paris. Claro, uma coisa são as declarações, que já acontecem em algumas edições do Fórum. Outra coisa são os resultados e como isso se traduz na prática.
Não basta apenas fazer declarações. Precisamos ter um cronograma e metas de implementação. Essa é a grande cobrança da sociedade civil. Assim como os governos mudam, os CEOs das grandes empresas também mudam. Então, tem de acabar com a lógica de declarações sem que tenham internalizado nas estruturas das empresas e governos o cumprimento dessas metas.
Não adianta um CEO assumir e anunciar uma meta. Alguns anos depois, ele sai e outro entra em seu lugar, e anuncia as mesmas metas. Enquanto isso, a empresa fica no mesmo lugar. A ONU, a sociedade civil, as empresas já estão cuidando para que esses processos sejam internalizados.
swissinfo.ch: O que multinacionais como Nestle ou as tradings de commodities como Trafigura e outras podem fazer para ajudar na agenda climática?
M.S.: Para responder aos problemas das mudanças climáticas, precisamos de governos e empresas. Se todos fizerem o dever de casa, vamos conseguir resolver. Se as 20 maiores economias do mundo resolvem atuar, resolvemos 80% das mudanças climáticas. Agora, o setor financeiro e grandes empresas tem a capacidade de dar uma grande contribuição.
Elas podem ajudar estimulando uma cultura naqueles que adquirem seus produtos. Em segundo lugar, elas devem oferecer produtos com qualidade, transparência e constâncias. Por exemplo, quando uma empresa diz que está fazendo seus produtos de forma sustentável, o que significa? Qual o percentual da produção total que de fato cumpre essa meta?
Um outro aspecto é o cidadão, que precisa cobrar das empresas. É uma mudança de produção e de consumo. Isso significa uma nova mentalidade diante de um mundo finito e de seres humanos com uma capacidade infinita de desejar. Se desejamos errado, vamos destruir as condições de nossa existência.
swissinfo.ch: Existem indícios na Suíça de que o ouro da Amazônia pode estar chegando às refinarias do país. Qual deve ser a postura dessas refinarias?
M.S.: O ouro da Amazonia é ilegal. Ele é produzido de forma ilegal, em terras indígenas e reservas ambientais, contaminando os solos e os rios. Temos imagens de crianças do povo Yanomami, como se estivessem em campos de concentração. O que eles têm de fazer é certamente cortar o suprimento dessa matéria prima.
O cidadão não vai querer o ouro de sangue, o ouro de crianças que ficam com a visão comprometida por conta do garimpo, que ataca o sistema nervoso central. Se você não está preocupando com esse fornecimento, olhe o que está te ornamentando e provavelmente será a coisa mais feia e lamentável que você pode estar usando. De cada dez crianças Yanomami, quatro estão contaminadas pelo garimpo.
swissinfo.ch: O acordo comercial entre o Mercosul e o EFTA ainda esbarra no debate ambiental? A senhora considera que o comércio ajuda ou amplia o desmatamento?
M.S.: Depende de como você vai comercializar. Se for só olhar a qualidade proteica e nutricional, ou a qualidade sanitária, sem olhar para aspectos sociais, éticos, ambientais, culturais, ele pode prejudicar. Se integrarmos todos os outros elementos, podemos ajudar. O ato de comercializar não é bom ou ruim. Dependente de como é feito e o produto.
Quem participa
Os organizadores do Fórum Econômico Mundial (WEF) afirmam que o encontro de 2023 será notável pela participação histórica de todos os estratos sociais. Mais de 379 chefes de Estado, funcionários graduados e personalidades participam da reunião anual no resort suíço.
2023 será notável por sua participação histórica de representantes de todos os estratos sociais. A lista dos participantes inclui 52 chefes de Estado e de governo, a maioria deles europeus (30). Além disso, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, também estará presente.
Os Estados Unidos e a China enviarão delegações, mas seus presidentes não estarão presentes. A delegação americana será chefiada pela chefe da inteligência nacional, Avril Haines, acompanhado pela representante comercial dos EUA, Katherine Tai; Christopher Wray, diretor do FBI e John Kerry, enviado especial para o Clima. A China, que acaba de suspender as medidas de restrição para combate ao Covid, será representada pelo vice-primeiro ministro Liu He.
Os organizadores observam que o contexto geopolítico e geoeconômico é particularmente sensível este ano. Em 2023, pelo segundo ano consecutivo, nenhum representante da Rússia, nação que tem sido alvo de sanções, estará presente em Davos. Ao mesmo tempo, a Casa da Ucrânia foi inaugurada em maio de 2022 em Davos. O espaço serve para denunciar os crimes humanitários cometidos no país pelas tropas russas.
Como evitar uma recessão iminente e enfrentar o aumento dos preços dos alimentos e da energia? Essa questão deve ser respondida em Davos. A presença de 56 ministros das Finanças – outro recorde do WEF – 30 ministros do Comércio e 19 governadores de bancos centrais, reflete os presságios sombrios da economia mundial.
Ngozi Okonjo-Iweala, diretor geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), e Kristalina Georgieva, diretora administrativa do Fundo Monetário Internacional (FMI), liderarão o caminho para encontrar soluções relacionadas à principal missão do WEF em 2023, que é restaurar a confiança em um mundo fragmentado.
No lado dos negócios, a lista de convidados em Davos inclui 60 CEOs de todos os setores e países do mundo. Os principais executivos de multinacionais suíças como ABB, Adecco, AstraZeneca, Novartis, Roche, MKS Pamp, Nestlé e SICPA; assim como bancos como Credit Suisse e UBS, e a resseguradora SwissRe terão representantes participando do encontro.
A lista geral de convidados se inclina preponderantemente para as economias desenvolvidas do Norte Global e os países ricos do Ocidente, mas os organizadores observam que também haverá uma presença significativa da Ásia, América Latina e África. Os presidentes da Coréia do Sul, Yoon Suk-yeol, e das Filipinas, Ferdinand Marcos Jr., já confirmaram sua presença, assim como o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, e o presidente do Equador, Guillermo Lasso.
Os organizadores convidaram o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva para o evento, mas o governo optou por ser representado por Marina Silva e pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que terá a missão ainda de explicar sua política econômica aos CEOs das maiores multinacionais.
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