Como meia tonelada de cocaína foi parar na Nespresso
No início de maio, foram encontrados 500 quilos de cocaína escondidos em cerca de 20 sacas de café na cidade de Romont. Os investigadores acreditam que houve um erro na entrega. Muitos indícios apontam para o porto de Antuérpia, na Bélgica.
O porto de Antuérpia é um lugar enorme. Mais de 60.000 funcionários, 900 empresas e dezenas de quilômetros de cais. Todos os dias, navios gigantes descarregam milhares de contêineres vindos de todo o mundo. Antuérpia é um dos maiores portos da Europa, e o maior ponto de entrada de drogas. Em 2021, a alfândega belga apreendeu 89 toneladas de drogas, o maior número até hoje.
Como era de se esperar, as drogas encontradas na Nespresso passaram por Antuérpia. No dia 2 de maio, vários sacos de cocaína chegaram na fábrica da empresa em Romont, no cantão de Friburgo. De acordo com uma fonte interna, a linha de produção automática foi paralisada. Os funcionários haviam encontrado o pó branco no lugar do café. A assessoria de comunicação da Nespresso disse que a droga “não entrou em contato com nenhum dos produtos ou equipamentos de produção utilizados para fabricar os produtos Nespresso”.
Alertada por funcionários da Nespresso, a polícia de Friburgo, com o auxílio de cerca de vinte agentes da alfândega, descobriu um total de 20 sacos de 25 quilos de cocaína, escondidos em sacas de café vindas do Brasil. Os inspetores apreenderam meia tonelada no total, o que representa um número maior do que o consumo anual do cantão de Vaud. A pureza da droga é muito alta, cerca de 80%, e o carregamento tem um valor de venda de 50 milhões de francos suíços.
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Meia tonelada de cocaína do Brasil apreendida em fábrica Nespresso
Rede de drogas de Friburgo? Pouco provável
Ramon Mooser, chefe do esquadrão antidrogas, diz que todas as hipóteses estão sendo examinadas. A investigação acabou de começar, mas parece pouco provável que uma rede de drogas em Friburgo seja a responsável. Segundo vários especialistas, a grande quantidade de drogas e o modus operandi sugerem que, muito antes de chegarem na fábrica da Nespresso, os 500 quilos de cocaína deveriam ter sido recuperados por um grupo criminoso que opera a nível europeu.
Para rastrear a rede criminosa e entender por que as drogas chegaram em Romont, é necessário refazer a rota dos contêineres de café. A polícia inspecionou cinco contêineres que chegaram do Brasil no mesmo dia, inclusive o que continha as drogas. A equipe de reportagem do programa Mise au PointLink externo, do canal público suíço RTS, conseguiu determinar o número de identificação de um desses cinco contêineres, o que fez com que fosse possível rastrear a rota.
Saída do Brasil em 21 de março
Em 21 de março, os contêineres saíram do Brasil, mais especificamente do porto de Santos. Eles foram carregados no navio Cap San Maleas, um gigante dos mares capaz de transportar 9.600 contêineres por travessia. A viagem marítima durou 24 dias. O navio chegou em Antuérpia em meados de abril. Foi quando os contêineres da Nespresso foram descarregados e transportados para a Suíça. Era em Antuérpia que o contêiner da Nespresso com as drogas deveria ter sido roubado. Um roubo de contêiner que deu errado. Pelo menos é essa a teoria apresentada por Paul Meyer, um dos mais notórios traficantes de drogas da Bélgica.
“500 quilos de cocaína importados do Brasil, trata-se claramente de profissionais. Você precisa ter uma grande organização por trás disso”
Paul Meyer, ex-traficante
Paul Meyer e seus cúmplices haviam sido apelidados pela imprensa belga de “quadrilha dos 700 milhões”, em referência ao valor das drogas e aos contrabandos realizados no porto de Antuérpia. Meyer cumpriu sete anos de prisão e foi solto em 2019. Desde então, ele explica que mudou de vida, mantendo-se ativo no negócio de importação e exportação, mas de forma legal. Ele concordou em se encontrar com Mise au Point para dar sua opinião sobre o caso da Nespresso.
Os proprietários do café
“500 quilos de cocaína importados do Brasil, trata-se claramente de profissionais. Você precisa ter uma grande organização por trás disso.” Para este antigo contrabandista, a droga provavelmente foi escondida no contêiner ainda no Brasil, sem o conhecimento dos proprietários do café. Em seguida, os cúmplices deveriam recuperá-la em Antuérpia. “Você tem que pegar o contêiner inteiro, não pode simplesmente vir à noite e levar as drogas sem o contêiner. É muito pesado, muito visível.”
Em sua antiga vida, Meyer passou anos organizando este tipo de operação. Ele importou centenas de quilos de drogas através do porto. Para ele, o contêiner da Nespresso deveria ter desaparecido em Antuérpia. Bastavam apenas alguns cúmplices nas docas, na administração e um motorista para recuperar o contêiner. Se tudo tivesse corrido bem, a Nespresso simplesmente deveria ter notado a perda de um contêiner, sem saber que ele havia sido usado para transportar drogas.
“Algo deve ter dado errado, um erro de entrega, um problema com o motorista. Não há como dizer, mas alguém vai pagar por este erro.” Até o momento, ninguém foi preso e a investigação ainda está em andamento. No ano passado, a alfândega belga apreendeu quase 90 toneladas de droga no porto de Antuérpia.
Adaptação: Clarice Dominguez
(Edição: Fernando Hirschy)
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