Como o Credit Suisse lançou os dados sobre a gestão de risco – e perdeu
Cinco meses antes do colapso da Greensill Capital, o Credit Suisse chamou um convidado especial para se apresentar aos principais executivos do banco na Ásia. O visitante foi saudado como o tipo de empresário ousado com quem o banco queria fazer negócios: Lex Greensill.
“O tom da conversa era ‘esse é exatamente o tipo de cliente que o banco quer’, ‘diga aos diretores executivos para encontrarem mais caras como o Lex’”, afirmou um gerente sênior que assistiu à videoconferência de novembro. Ela foi organizada por Helman Sitohang, responsável pelo banco na Ásia e um dos maiores defensores de Greensill.
Entretanto, apenas dois meses antes, a Greensill Capital havia sido colocada em uma “lista de vigilância” pelos gerentes de risco do banco suíço na Ásia, de acordo com pessoas informadas sobre o assunto.
Isso poderia ter gerado mais preocupação no Credit Suisse, que possuía fundos de US$ 10 bilhões recheados de empréstimos da Greensill. O principal negócio da Greensill consistia em pagar fornecedores para grandes corporações – de forma adiantada, mas com um pequeno desconto – e depois receber o valor integral de seus clientes empresariais. A dívida era transformada em títulos de fundos no banco suíço, que eram vendidos para investidores externos.
No entanto, alertas foram reiteradamente descartados pela liderança do banco em Zurique, Londres e Cingapura. Eles continuaram a comercializar os fundos da Greensill e aprovaram até mesmo um empréstimo de US$ 160 milhões à empresa, que foi fundada pelo australiano Lex Greensill em 2011.
Em março, a Greensill entrou em processo de insolvência. Sua queda poderia custar até US$ 3 bilhões aos clientes do Credit Suisse.
“A manifestação do Lex em vídeo mostrou que toda a cultura de risco era apenas um ‘obrigado pelo aviso, mas discordo’”, afirmou o gerente que assistiu à apresentação. “Quando Lex chegou, o banco o adorava.”
O fiasco da Greensill é apenas mais um de uma longa lista de fracassos de gerenciamento de risco no Credit Suisse. Poucas semanas depois, a Archegos Capital, o escritório familiar do desacreditado ex-diretor de fundo hedge Bill Hwang, não forneceu garantias financeiras [margin call], provocando caos nos bancos que haviam lhe emprestado bilhões de dólares para ampliar suas posições. O Credit Suisse está arcando com as maiores perdas, de no mínimo US$ 4,7 bilhões.
Os pagamentos aos acionistas do Credit Suisse foram cancelados e os banqueiros enfrentam grandes cortes em bônus. A sucessão de crises deixou investidores e funcionários furiosos e exigindo respostas. Como os executivos ficaram tão entusiasmados com um pequeno grupo de clientes duvidosos? E por que aqueles que manifestaram suas preocupações foram ignorados ou marginalizados?
“Acumular exposições gigantescas a determinadas entidades, especialmente as mais arriscadas, vai completamente contra todos os princípios de como gerenciar risco”, disse Benedict Roth, um antigo supervisor de risco no Banco da Inglaterra.
Nadando com tubarões
Em entrevistas ao Financial Times, seis gerentes e ex-gerentes do Credit Suisse afirmaram que o banco privilegiou vendedores e tecnocratas em detrimento de especialistas de risco e com conhecimento de mercado. Opiniões divergentes eram reprimidas, disseram eles.
“Eles fecharam os olhos”, afirmou um ex-executivo. “O Credit Suisse estava nadando com os tubarões, mas estava fazendo isso com uma mentalidade de um banco privado. Não havia como não serem destruídos”.
No centro das controvérsias estava Lara Warner, diretora de risco e conformidade até o seu afastamento, em 6 de abril. Ex-analista de ação do Lehman Brothers, ela se juntou ao Credit Suisse em 2002 para cuidar das indústrias de televisão a cabo e de telecomunicações.
A mulher, que possui cidadania dupla americana e australiana, alcançou o cargo de diretora financeira do banco de investimento, antes de o ex-presidente Tidjane Thiam nomeá-la diretora de conformidade e assuntos regulatórios em 2015.
O presidente do conselho do Credit Suisse, Urs Rohner, e Tidjane Thiam “chegaram com uma mentalidade de que você pode nomear qualquer pessoa esperta para um cargo e ela será um sucesso, mesmo que não tenha nenhuma experiência… [mas] isso era inapropriado para risco e conformidade”, afirmou outro executivo.
Quando Thiam renunciou devido a um escândalo de espionagem, seu sucessor, Thomas Gottstein, acrescentou às responsabilidades de Warner a supervisão de risco global. Seu objetivo era tentar economizar na duplicação de tecnologia e custos operacionais nas duas divisões, com as quais o banco gasta cerca de meio bilhão de dólares por ano, disse uma pessoa próxima ao presidente.
Warner estava interessada em fazer com que o gerenciamento de risco global do banco não fosse visto como “uma torre de marfim acadêmica” que podia “livrar-se de negócios logo de cara”, de acordo com uma pessoa próxima ao banco. Ela também queria que o seu departamento fosse visto como uma meta de carreira e não como um ‘quarto dos fundos’ administrativo.
Sentimento de medo
Durante seus cinco anos de permanência, Waner e outros executivos pressionaram para que risco e conformidade fossem “mais comerciais” e “alinhados” com os corretores e negociadores da linha de frente [front office], contaram ao Financial Times diferentes funcionários da empresa, antigos e atuais.
Ela mesma deu o exemplo. Em outubro, Warner pessoalmente passou por cima de gerentes de risco que alertaram sobre o perigo de fornecer à Greensill um empréstimo ponte de US$ 160 milhões antes de uma captação de recursos. Atualmente, o empréstimo está inadimplente.
Warner também removeu mais de 20 gerentes de risco seniores do departamento de risco do Credit Suisse. A maior parte deles encontrou rapidamente cargos de alto escalão, inclusive na UBS, Jefferies, Standard Chartered e no Hong Kong Stock Exchange.
Seu antecessor – Joachim Oechslin, suíço e com uma carreira em gerência de risco – foi afastado para tornar-se chefe de gabinete do presidente Gottstein. Atualmente, ele foi reinstalado como diretor interino do departamento de risco.
“Quando você remove tantas pessoas e traz um sentimento de medo para dentro de uma organização, a cultura de risco é não dizer mais ‘não’ para negócios”, afirmou uma pessoa envolvida na situação no momento.
No ano passado, Warner irritou mais algumas pessoas ao alterar cadeias de comando. Algumas funções de risco de mercado, que anteriormente pertenciam a uma equipe central e independente de risco, foram transferidas para estarem sob o chefe de tecnologia da linha de frente.
Enquanto alguns outros bancos utilizam esse modelo, “do ponto de vista de controle, foi um desastre” para o Credit Suisse, de acordo com uma pessoa que se posicionou contra as mudanças. “O setor de risco perdeu sua independência.”
Oportunidades perdidas
Helman Sitohang, chefe do Credit Suisse na Ásia, é outra figura essencial na relação com a Greensill. Até agora, ele permaneceu fora do radar.
Com uma carreira como banqueiro de investimentos, Sitohang trouxe alguns dos clientes mais lucrativos do banco na região, incluindo uma série de magnatas indonésios, como Peter Sondakh, de Rajawali. Ele também lidera o relacionamento do credor com o SoftBank, o grupo japonês por trás do fundo de US$ 100 bilhões, Vision Fund, um importante financiador da Greensill.
“Ele é um vendedor. Ele tem uma abordagem de risco agnóstica em relação aos clientes”, disse uma pessoa que trabalhou junto a Sitohang.
O Sitohang defendeu a Greensill durante uma avaliação no verão de 2020, que foi solicitada após o Financial Times revelar que o SoftBank estava utilizando fundos do Credit Suisse – especificamente os fundos de financiamento de cadeias de suprimentos, ligados à Greensill – para encaminhar centenas de milhões de dólares para suas empresas em dificuldade.
“Helman era particularmente muito favorável a Lex, nos dizia que não podíamos prejudicar a relação com ele”, afirmou um colega.
O Credit Suisse perdeu diversas oportunidades de impedir o desastre. De acordo com duas pessoas próximas ao projeto, em 2016 o escritório da Ásia começou a construir uma ferramenta para mapear os riscos de um cliente em busca de problemas de segunda ordem que poderiam afetar o banco.
Chamada de “Risk 360”, a ferramenta foi comissionada após o credor descobrir uma exposição desproporcional a um grupo de empresas em Hong Kong, todas as quais tinham ligações com um único indivíduo, que, disfarçado de um emaranhado de empresas, tinha como objetivo manipular preços de ações, afirmaram.
O sistema recebeu ótimas avaliações da agência reguladora suíça Finma e o lançamento mundial estava planejado. No entanto, acabou preso em uma “enorme maquinaria burocrática”, atrás de uma dúzia de outros projetos tecnológicos, e acabou não tendo continuidade, adicionaram.
Se tivesse sido adotado de forma mais ampla, os riscos crescentes, como a Greensill e a exposição das principais corretoras prime dos EUA à Archegos, “com certeza” teriam sido descobertos, afirmou um deles. Outra pessoa próxima ao Credit Suisse discordou, destacando que esses incidentes estavam majoritariamente fora do alcance da ferramenta porque ela dependia de informações disponíveis ao público.
O Credit Suisse, Warner e Sitohang se recusaram a comentar.
Falta de disciplina
Os problemas já estavam acumulando antes que os danosos deslizes do Credit Suisse em relação à Greensill e à Archegos ocorressem.
“Houve inúmeros sinais que indicavam, para qualquer pessoa com conhecimento de risco, que a probabilidade de um grande risco estava crescendo”, disse um ex-executivo sênior.
Em 2018, o Credit Suisse perdeu cerca de US$ 60 milhões após a empresa de vestuário Canada Goose, da qual o banco possuía um bloco de ações, ver seu preço de mercado despencar. Aproximadamente um ano depois, o banco perdeu por volta de US$ 200 milhões quando o Malachite Capital, um fundo de investimentos hedge de Nova York que era um de seus principais clientes de corretagem, implodiu.
“Essas perdas se deram por falta de disciplina”, o ex-executivo afirmou. Da mesma forma que ocorreu com Archegos, os gerentes seniores do Credit Suisse ficaram presos negociando preços, enquanto seus colegas vendiam intensivamente.
“Havia uma intensidade sistemática em todos os âmbitos”, afirmou uma segunda pessoa. “Se você é o chefe de risco e deixa uma perda de US$ 60 milhões passar, depois uma de US$ 200 milhões, e você não se pergunta o que diabos está acontecendo, o que você está fazendo?”
Um ex-diretor executivo lembra de uma teleconferência em 2019 sobre as reformas no padrão das taxas de juros da Libor. Quando um corretor sênior ligou, uma mensagem automática foi acionada, lembrando a todos que a conversa estava sendo gravada, uma exigência regulamentar.
Quando Warner ouviu a mensagem, ela pediu ao corretor que ligasse novamente de uma linha que não fosse gravada. Algumas das pessoas presentes consideraram a intervenção chocante para uma gestora de risco. Outra pessoa, próxima a Warner, observou que a chamada não era relacionada a negociações e afirmou que era apenas o jeito normal de se fazer negócios.
Direitos autorais: The Financial Times Limited 2021.
Adaptação: Clarice Dominguez
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