“Comprar um relógio continua sendo um ato profundamente emocional”
Diferentemente de outras relojoarias suíças, a Longines registrou neste ano um bom crescimento na China. A empresa, que faz parte do grupo Swatch, permanece confiante quanto ao futuro desse mercado. É o que nos conta Matthias Breschan, que está à frente da marca desde 2020. Veja abaixo a entrevista.
Além de suas inovações tecnológicas, a Longines também se orgulha de suas raízes em Saint-Imier, uma pequena cidade do Jura Bernês, onde a empresa foi fundada em 1832.
De acordo com estimativas da Morgan Stanley e da LuxeConsult, as vendas anuais da Longines teriam ultrapassado CHF 1,2 bilhão em 2022, colocando a empresa do grupo Swatch entre as dez maiores marcas relojoeiras suíças.
Foi na sede histórica da Longines que a swissinfo.ch entrevistou seu diretor-executivo, o austríaco Matthias Breschan.
Graduado na Faculdade de Economia da Universidade de Viena, Matthias Breschan ingressou no grupo Swatch em 1996 como gerente regional de vendas, tornando-se depois diretor da Rado e, em seguida, da Hamilton.
O cidadão austríaco é membro do conselho de administração ampliado do grupo Swatch desde 2005 e foi nomeado diretor-executivo da Longines em 2020. Ele também é o responsável pelo grupo Swatch em Taiwan e na Áustria.
Antes de entrar para o grupo Swatch, Matthias Breschan trabalhou na Texas Instruments e na Alcatel Mobile Phones, nas áreas de marketing de produtos, marketing internacional e vendas.
swissinfo.ch: Em julho de 2020, você assumiu o lugar de Walter von Kaenel, que dirigiu a Longines por 32 anos. Como foi a transição?
Matthias Breschan: Com respeito e modéstia. A Longines é uma das marcas relojoeiras suíças mais bem-sucedidas e grande parte desse sucesso se deve ao meu antecessor. Nesse contexto, não era o caso de a marca Longines se adaptar ao novo diretor-executivo, mas sim de o novo diretor-executivo se adaptar à marca. Por isso, estudei as razões do sucesso da Longines para poder perpetuá-lo e, ao mesmo tempo, desenvolver a nossa marca de uma forma que respeitasse o passado.
E a que você atribui o sucesso da marca Longines?
A Longines tem três diferenciais fundamentais. O mais importante é o nosso legado. Na indústria relojoeira suíça, a Longines tem, acredito, o legado mais notável. Isso se deve a grandes invenções como o GMT [exibição simultânea de dois fusos horários] e o flyback [a capacidade de reiniciar um cronógrafo sem precisar pará-lo], bem como ao domínio das altas frequências.
Essa última tecnologia foi decisiva para o desenvolvimento da cronometria de precisão. Esse legado é muito importante não apenas para colecionadores e colecionadoras, mas também para a geração mais jovem, que busca produtos de alto valor projetados para durar uma vida inteira ou mais.
Além disso, fomos a única marca do nosso segmento a atingir o mesmo sucesso entre homens e mulheres. E isso também aconteceu com as nossas coleções clássicas e esportivas. No futuro, pretendo dar mais ênfase a esses três elementos distintivos.
“É fundamental preservar sua autenticidade e não transmitir uma mensagem que se afaste de seu legado”
Durante a criação de novos modelos, você se baseia mais na sua intuição ou em pesquisas de mercado?
Eu me baseio nos três diferenciais mencionados acima. Para definir o futuro, é essencial olhar para o passado e fazê-lo evoluir. Em outras palavras, ao desenvolver novos produtos, é fundamental preservar sua autenticidade e não transmitir uma mensagem que se afaste de seu legado. Essa abordagem é o que torna nossos produtos únicos e inigualáveis, seja por nossos concorrentes suíços ou por estrangeiros.
A relojoaria suíça está batendo recordes, e as exportações devem alcançar um novo pico este ano. Como está a situação da Longines?
Eu comecei a trabalhar para a Longines em julho de 2020, em meio à crise da pandemia. Naquela época, todos os nossos 4.000 pontos de venda em 150 países estavam fechados. Felizmente, em agosto de 2020, o mercado asiático começou a dar sinais de recuperação, em grande parte graças à China e à força da nossa marca. O ano de 2022 foi excepcional para a Longines e estamos muito otimistas em relação aos números de 2023 de modo geral.
O setor relojoeiro suíço tem registrado um excelente faturamento recentemente. Por outro lado, o volume caiu consideravelmente. Algum de seus fornecedores pode ser afetado por essa tendência?
No que diz respeito à nossa marca, aumentamos ligeiramente nossos preços unitários e nosso volume de produção. Em outras palavras, não estamos enfrentando nenhum problema relacionado à produção de nossos componentes. Além disso, o grupo Swatch se beneficia de uma forte integração vertical. Temos as nossas próprias fábricas de componentes de relógios, principalmente de movimentos (ETA), mostradores (Rubattel & Weyermann), ponteiros (Universo) e caixas (Ruedin). O nosso grupo também está presente em todos os segmentos de mercado. Tudo isso nos permite gerenciar melhor os volumes de produção do grupo como um todo.
Em quais países você pretende obter um forte crescimento nas vendas?
Em 2022 e 2023, registramos um excelente progresso em todos os principais países, especialmente nos Estados Unidos, na Europa, no Japão, no Sudeste Asiático e na Austrália.
Vocês não estão muito dependentes do grande mercado chinês, que está passando por uma certa desaceleração e por uma crise imobiliária?
De fato, diferentemente de outras marcas, tivemos um bom crescimento na China e continuamos confiantes quanto ao futuro desse mercado.
E o mercado indiano, que está muito em voga no momento?
Nossas vendas na Índia também estão crescendo rapidamente, e consideramos esse mercado muito promissor. Entretanto, em comparação com a China, o mercado indiano parte de uma base muito mais modesta.
O que você acha das vendas online, particularmente da capacidade de transmitir emoções por meio de uma máquina?
Durante os dois anos da pandemia, desenvolvemos consideravelmente o comércio virtual. Quando cheguei na Longines, os serviços de venda online contemplavam apenas seis ou oito países. Hoje, vendemos nossos relógios online nos 33 países onde temos filiais, e essas vendas representam entre 5 e 10% do nosso faturamento total.
Acredito firmemente na sinergia entre a presença online e a existência de lojas físicas. Na internet, nossos clientes podem pesquisar detalhadamente todas as nossas coleções a qualquer hora do dia ou da noite.
Ainda assim, comprar um relógio continua sendo um ato profundamente emocional, uma forma de refletir as afinidades e a personalidade de alguém. Consequentemente, a maioria dos nossos clientes prefere comprar na loja.
Algumas marcas de luxo estão apostando nas vendas diretas, uma tendência crescente no setor relojoeiro.
Dos nossos 4.000 pontos de venda em todo o mundo, apenas 260 são dedicados exclusivamente à marca Longines. Além disso, apenas a metade deles é gerenciada diretamente pela Longines. Em outras palavras, nossa estratégia não se baseia de forma alguma na promoção dogmática de vendas diretas. Analisamos cada mercado individualmente. Por exemplo, muitas vezes a melhor solução numa determinada área é trabalhar com uma butique multimarcas bem estabelecida.
“Nossa estratégia não se baseia de forma alguma na promoção dogmática de vendas diretas”
Como você vê o desenvolvimento do mercado secundário, especialmente para relógios CPO [Certified Pre-Owned, certificado pré-propriedade]?
Basicamente, não estamos visando esse segmento de mercado. No entanto, nas seções voltadas para colecionadores em nossas próprias lojas, estamos dando cada vez mais ênfase à exibição de nosso legado, como fazemos em nosso museu em Saint-Imier.
Um museu que receberia muito mais visitantes se estivesse em Zurique ou Genebra…
Mas é exatamente isso que não queremos! Pelo contrário, queremos que os apreciadores e apreciadoras da nossa marca venham a Saint-Imier para conhecer a forte tradição relojoeira da nossa região.
O fato de estar sediada em uma região mais afastada dificulta o recrutamento, considerando que muitas empresas relojoeiras suíças estão enfrentando uma escassez de mão de obra qualificada?
A Longines tem suas raízes em Saint-Imier desde seu início em 1832. Hoje, muitos colegas trabalham na nossa empresa há 10, 20 ou até 30 anos. Isso evidencia a riqueza de habilidades técnicas, comerciais e logísticas na nossa população.
Em outras palavras, não temos dificuldade de recrutar mão de obra qualificada localmente, com exceção de setores emergentes, como o comércio eletrônico e a digitalização.
Todavia, essa escassez de novos especialistas é um desafio que afeta toda a Suíça, inclusive cidades como Zurique e Genebra.
(Adaptação: Clarice Dominguez)
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