O poder dos oligarcas na mídia no Brasil
Cinco famílias controlam metade dos mais importantes meios de comunicação no Brasil.
Dos onze países pesquisados pela ONG “Repórteres sem Fronteiras” quanto à sua pluralidade midiática, o Brasil está em último lugar. Mais de 70% da programação vista no país é produzida por quatro grandes redes de televisão, sendo que a Rede Globo de Televisão produz metade desses programas. Nos meios de comunicação impressos, os quatro maiores grupos de mídia detêm 50% do mercado. A emissora estatal TV Brasil atinge com seus programas culturais e educativos apenas 2% dos telespectadores. E, no entanto, tenho que confessar que me sinto bem informado no Brasil.
O jornal “O Globo”, que leio diariamente, tem excelentes jornalistas cobrindo com zelo e até mesmo uma pitada de sarcasmo os escândalos políticos que abalaram o país nos últimos tempos. Tem-se até a impressão de que eles não parte desse país onde a escravidão de fato foi abolida, mas onde estruturas feudais ainda atravancam seu desenvolvimento.
Biografia
Ruedi Leuthold nasceu em 1952 e trabalha há trinta anos como jornalista e documentarista. É considerado um dos melhores repórteres da Suíça. Colabora para publicações como SpiegelLink externo, Die ZeitLink externo, GEO, Tagesspiegel e Das Magazin. Juntamente com Beat Bieri recebeu em 2007 o Prêmio Europeu de Cinema para o documentário “Neue Heimat Lindenstrasse”. Como jornalista também recebeu em 2008 o prêmio Columbus pela melhor reportagem de viagem em alemão. Vive há onze anos no Rio de Janeiro. Seu livro “Brasil: o sonho da ascensãoLink externo” foi publicado em 2013 pela editora Hanser.
O Globo tem aproximadamente a mesma tiragem do Jornal de Lucerna (Luzerner Zeitung) na Suíça, mas me sinto melhor e mais bem informado com “O Globo”. Além de um genuíno interesse de um país em desenvolvimento pelos acontecimentos no mundo, “O Globo” mantem sua própria rede de correspondentes e apresenta um jornalismo que ainda não está tão batido. Com sete milhões de habitantes, o Rio é mais populoso que a região de Lucerna, o que significa também que apenas poucos podem se permitir o luxo de ler diariamente as últimas reportagens sobre os escândalos, os comentários afiados e as crônicas bem-humoradas. Para os demais, o Grupo Globo oferece um pasquim com muito futebol e garotas de biquíni.
O Grupo Globo é o maior conglomerado de mídia da América Latina, e na televisão eles aplicam a mesma fórmula dos jornais: na TV à cabo, um excelente canal de notícias com apresentadores polidos; para o grande público, um resumo salpicado com assassinatos e homicídios. A conexão com o mundo globalizado custa dinheiro, e as páginas sociais do jornal refletem a vida de seus leitores, ou seja, dos abastados e da classe média alta. A realidade da vida da população pobre quase não existe, e reportagens sobre favelas são um passeio etnológico em um mundo estranho onde só se entra com colete à prova de balas.
Critica-se o conglomerado Globo por monopolizar muito do poder da informação. Por outro lado, eles têm os meios para contratar os melhores jornalistas, e os melhores roteiristas e dramaturgos das telenovelas que cativam o grande público e que, nesse país continental, dão ao povo uma sensação de unidade e identidade cultural. Volta e meia os autores mesclam de forma singela conscientização e crítica social em suas estórias. As brasileiras aprenderam com a televisão que podem mover uma ação de paternidade, e aqui também os brasileiros aprenderam que não é o fim do mundo quando dois homens se beijam.
Isso levou a que ultimamente o conglomerado fosse difamado de forma estridente nas redes sociais como “comunista”. Isso tem a ver com o fato de que a principal concorrente da Rede Globo é a TV Record. Esta emissora está nas mãos da igreja evangélica que pragueja contra o aborto e o casamento homossexual, e faz sentir sua influência para prejudicar a concorrência.
O Globo apoiou os generais no poder durante a ditadura militar e, com isso, transformou-se em inimigo confesso da esquerda. E agora o detestado conglomerado teria até a pecha de ser comunista, o que para a esquerda é o cúmulo do absurdo. Para um observador externo, isso é mais um exemplo de como os interesses econômicos e laços ideológicos determinam a verdade publicada bem como a não publicada.
Durante 15 anos a esquerda brasileira governou o país, até que um processo de impeachment forçou a saída de Dilma Rousseff do poder enquanto o país beirava a ruina econômica.
A fim de levar adiante seus programas sociais, Lula, o popular predecessor de Dilma Rousseff, aliou-se com as forças dirigentes tradicionais do país. Juntos eles industrializaram a prática da propina e, para cada negócio feito, milhões eram depositados no caixa dos partidos ou em paraísos fiscais. Ao que agora transparece, grandes projetos como a represa de Belo Monte no Amazonas ou a realização dos Jogos Olímpicos no Rio foram calculados com superfaturamentos destinados a fins políticos e/ou para o enriquecimento pessoal de agentes políticos. As licitações foram um show de propinas e um jogo de cartas marcadas onde entre dois e cinco por cento dos valores dos contratos retornavam às mãos dos políticos.
E agora, no início de 2018, três ex-governadores do Estado do Rio de Janeiro se encontram na cadeia devido à corrupção. Um aspecto interessante é que não foram jornalistas que expuseram e deram fim à roubalheira.
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Onde no mundo existe a radiodifusão pública?
As tramoias foram descobertas pela obstinação de um jovem juiz e de um jovem procurador que não pertencem às velhas elites do país. Tendo estudado no exterior, eles aprenderam que uma constituição não é apenas um pedaço de papel com a qual se dissimula uma democracia.
Os grandes meios de comunicação seguiram corajosamente as revelações e contribuíam para o esclarecimento dos fatos na proporção inversa de suas demonstrações de indignação contra as escandalosas propinas vinham à tona e das quais eles, supostamente, jamais tiveram conhecimento.
Mas como explicar esse fenômeno?
De acordo com a pesquisa de “Repórteres sem Fronteiras”, um projeto que recebeu fundos do governo alemão, cinco famílias controlam as cinquenta maiores organizações de comunicação no Brasil.
E essas famílias vivem bem desse negócio. Os membros da família Marinho, proprietários do Grupo Globo, estão entre os brasileiros mais ricos. Edir Macedo, o pastor evangélico da emissora concorrente TV Record é o número 74 na lista de mais ricos.
Visto de forma cínica, pode se dizer que os donos dos meios de comunicação vivem bem dos escândalos de corrupção e da desigualdade social que assolam o país.
Mas o que quase não se pode ver, é que eles tenham interesse na modernização e em agir com a sociedade civil para a solução, com os próprios recursos nacionais, dos maiores problemas do país: o acesso ao ensino, a saúde pública e a justiça.
E por que eles se interessariam nisso?
Desde o começo do governo Lula, em 2003, o Grupo Globo recebeu contratos de propaganda governamental num montante que, convertidos da moeda brasileira, correspondem a cinco bilhões de francos suíços.
No decorrer das investigações judiciais contra a corrupção, as críticas contra o Grupo Globo foram se intensificando. Segundo a confissão de um empresário argentino, o Grupo Globo pagou propinas pelos direitos de transmissão de torneios de futebol.
O que não significa que não existam jornalistas com voz crítica. Nos últimos onze anos, 37 jornalistas foram assassinados. Em sua maioria, esses jornalistas não eram estrelas da grande mídia, mas sim blogueiros, jornalistas e fotógrafos à margem dos grandes centros que entraram em conflito com barões locais.
Os heróis esquecidos da profissão
Mas também nos grandes meios de comunicação existem jornalistas que arriscam contrariar grandes pecuaristas e plantadores de soja que querem o desmatamento da Amazônia, ou policiais que formam esquadrões da morte.
Reportagens que mostram outro país, onde só se pode entrar com colete à prova de balas. E comentários bem feitos sobre o atraso das instituições democráticas. Bem escrito, mas como sempre, sem dar respostas à questão mais importante: a quem cabe mudar essa situação?
Quem, se não meios de comunicação dispostos a investir mais do que apenas belas palavras no progresso da democracia.
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