Conferência reúne pela primeira vez em Zurique expatriados brasileiros
Mais de 300 participantes e 35 palestrantes marcaram presença na 1ª Conferência Brasil-Suíça. O evento, que reuniu acadêmicos e profissionais brasileiros, não se limitou a debates sobre questões sociais: os organizadores revelaram ainda os resultados preliminares da inédita pesquisa sobre o perfil do expatriado brasileiro residente no país.
Uma grande sala de palestras na Universidade de Zurique se encheu no sábado passado. Doutorandos, pesquisadores, profissionais, ativistas e até parlamentares encontraram-se na cidade cortada pelo rio Limmat para discutir, em português, sobre temas como a biodiversidade, tecnologia, comunicação, clima, educação, saúde, feminismo, ciência e imigração.
O evento, realizado pela Rede Brasil-Suíça de Integração Acadêmica e ProfissionalLink externo, contou com o apoio da Embaixada do Brasil em Berna, a rede suíça de embaixadas científicas Swissnex, a Universidade de Zurique, a Universidade de St. Gallen e o programa de intercâmbio científico AIT.
Em um dos painéis, especialistas discutiram os desafios e oportunidades para a transição justa para uma economia de baixo carbono. Em outro, debateram o papel do Brasil na regulação das plataformas digitais. “Precisamos defender a concorrência, ter mais regras de transparência para que haja uma crítica pública sobre a operação dos serviços das plataformas digitais”, afirmou o deputado-federal Orlando Silva (PCdoB), convidado para participar do evento.
Clara Iglesias Keller, do Instituto Weizenbaum para a Sociedade em Rede, lembrou a influência das grandes empresas tecnológicas sobre a democracia no país. “A forma como fazemos política foi afetada pelas plataformas digitais. A extrema-direita utiliza esses instrumentos para transmitir a sua mensagem. Não foram as plataformas digitais que causaram a nossa crise democrática, mas sim fatores como a concentração de renda e outros.”
Em um terceiro painel, os palestrantes discutiram as ameaças à democracia representadas pela desinformação. Patrícia Blanco, do Instituto Palavra Aberta, lembrou que o “modelo de negócios das plataformas é manter as pessoas dentro das bolhas de informação” e recomendou aos presentes uma atitude diferente. “Saia da sua bolha! Não fique preso ouvindo as pessoas que admira”. Já Eduardo Simantob, jornalista da SWI swissinfo.ch, citou o ataque aos sistemas públicos de mídia como a BBC por grupos privados ou políticos, ressaltando que a informação não pode estar atrelada somente aos interesses econômicos.
Exemplo suíço
Ao debater o tema “Cidade e Clima”, os participantes lembraram de experiências positivas na Suíça para solucionar o problema de déficit habitacional. “As cooperativas ganharam bastante força nas últimas décadas. Os resultados são de alta qualidade arquitetônica, pois os moradores também participam do processo de desenvolvimento”, afirmou Higor Carvalho, doutorando da Universidade de Genebra, lembrando que no Brasil existe o projeto “Minha Casa, Minha Vida”, mas que sofre com alguns déficits como a questão da localização”, muitas vezes em áreas de difícil acesso e do trabalho dos seus moradores”. O déficit habitacional no Brasil é de 5,5 milhões de moradias.
Já a arquiteta brasileira e pesquisadora da EPFL, ressaltou que a Suíça é bem-sucedida na recuperação dos seus centros históricos. “Já de onde venho, São Luís, cidade com um centro tombado pela Unesco, o centro é sem vida e abandonado”.
Um dos pontos centrais da conferência, a educação, trouxe o depoimento de Letícia Venâncio. Crescida e formada em escolas públicas de São Paulo, a professora da Universidade de Ciências Aplicadas e Artes do Noroeste da Suíça, contou como se surpreendeu ao chegar no país para trabalhar na formação de pedagogos e descobrir que o sistema educacional também cria desigualdades como no Brasil. “Aqui elas estão ligadas à origem do aluno, seja sociais ou por ele ser estrangeiro”.
Experiência dos médicos
Médicos também tiveram presentes em Zurique. No painel relativo à saúde, os palestrantes falaram sobre os desafios para a inserção de profissionais brasileiros na Suíça. O oftalmologista brasileiro Emílio Torres-Neto trabalha tanto para a iniciativa privada como pesquisa. “Um ponto positivo na Suíça que eu posso trabalhar na minha área na área de operação de córnea e, ao mesmo tempo, pesquisando na Universidade de Zurique.
A médica-cirurgiã Michelle Flöter também imigrou à Suíça e hoje trabalha no Hospital de St. Gallen. Porém lembrou as dificuldades de se integrar em um mercado de trabalho, onde há restrições para mulheres. “É muito difícil para uma mãe trabalhar como cirurgiã quando você tem dificuldades de encontrar uma creche ou não pode trabalhar em tempo integral”.
Um ponto central para médicos brasileiros que chegaram na Suíça é a questão do reconhecimento dos diplomas. “Quantos diplomas brasileiros já foram revalidados aqui na Suíça? A grande parte dos médicos que chegaram recentemente não conseguiu ainda entrar no mercado de trabalho”.
O último painel, sobre ciência, tecnologia e inovação, trouxe Viviane Lütz, uma engenheira brasileira que construiu uma notável carreira internacional. Estabelecida na Suíça há dez anos, ela é pesquisadora no renomado Instituto de Pesquisa Pura e Aplicada Paul Scherrer (PSI). No entanto, o chamado das suas raízes brasileiras foi forte.
Viviane relembra o momento em que decidiu retornar ao Brasil: “Fui trabalhar na Unicamp em um centro de pesquisa que desenvolveu o Sirius, um acelerador de partículas feito inteiramente com tecnologia nacional”. Sua jornada é ainda mais inspiradora quando consideramos as origens humildes de sua família. “Minha motivação foi voltar à minha terra e ver como está se desenvolvendo a ciência. Meus pais eram analfabetos e eu fui a primeira a ir a uma universidade na minha família”. Agora, com uma visão global, Viviane quer usar sua posição para criar pontes: “Quero agora dar a oportunidade de trazer brasileiros para cá”, manifestando sua vontade de conectar talentos brasileiros ao mundo da pesquisa internacional.
Outra brasileira presente no pódio, Denise Neves Santos, falou da sua experiência de trabalho na Google, onde a empresa americana ocupa dois mil funcionários. Ela lembrou que também estudou em escolas públicas no Brasil e foi graças ao seu interesse e ao acesso à tecnologia. “Hoje, com a universalização da internet, a criança pode adquirir conhecimentos que antes não eram possíveis. Trabalho na Google graças à minha curiosidade. O Google não bateu na minha porta para me buscar. Eu corri atrás, encontrei as informações para passar no processo seletivo. Hoje, tenho um emprego megabacana na Suíça. Só consegui graças à universalização das informações”, disse.
Ao abordar a questão da evasão de cérebros, Clovis Freire, funcionário da ONU, lembrou que falta ao Brasil ter grandes empresas ou produtores de ideias. “Por que exportamos cérebros do Brasi? Nós necessitaríamos ter uma Novartis ou Roche brasileiras. É importantíssimo ter colaboração cientifica, mas necessitamos também ter uma estratégia industrial e saber em que áreas o Brasil quer se desenvolver”, afirmou o engenheiro formado na Instituto de Tecnologia da Aeronáutica (ITA).
Os painéis também abordaram temas específicos da relação entre Brasil e Suíça, como a inserção de profissionais brasileiros no mercado de trabalho suíço e as semelhanças entre os dois países em termos de educação e desigualdades.
A conclusão da 1ª Conferência Brasil Suíça ocorreu com a apresentação do mapeamento preliminar da comunidade brasileira residente na Suíça. “Nosso principal objetivo é descobrir o perfil social dos brasileiros que vivem aqui, seja sua trajetória educacional e profissional, mas também as dificuldades”, explica a historiadora Aline Martello, coordenadora da pesquisa.
Segundo o Ministério suíço das Relações Exteriores (EDA), em 2022 viviam mais de 22 mil brasileiros no país. Já as autoridades brasileiras (Itamaraty) indicam que seriam 64 mil. No período de 19 de junho e 1º de agosto de 2023, 243 pessoas responderam com sucesso os questionários, sendo que 74% eram mulheres, em grande parte residentes das grandes cidades do país e ativas profissionalmente.
O objetivo da Rede Brasil-Suíça é de prosseguir com a pesquisa. “Nosso objetivo é atingir 700 respostas válidas até 31 de outubro de 2023 para ter um quadro o mais completo possível do perfil dos brasileiros que vivem na Suíça”, explica Aline, oferecendo o LINKLink externo para o formulário.
A conferência foi um importante espaço de diálogo e reflexão sobre o futuro do Brasil. Os debates contribuíram para aprofundar o conhecimento sobre os desafios e oportunidades que o país enfrenta, bem como para promover o intercâmbio entre brasileiros e suíços. A Rede Brasil-Suíça deve continuar promovendo eventos como este, que contribuem para a integração da comunidade brasileira na Suíça e para o fortalecimento dos laços entre os dois países.
* No link abaixo, os resultados preliminares da pesquisa.
Mapeamento da comunidade brasileira residente na Suíça
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