Há vinte anos ocorreu o maior roubo de banco da Suíça
O assalto da agência "Fraumünster" dos Correios Suíços em Zurique ocorreu há vinte anos. Na época, os criminosos roubaram 53 milhões de francos. O chamado "roubo do século" foi um dos mais espetaculares casos da história criminal do país e fonte de inspiração para vários roteiros.
“O plano é bom”. Essa é a primeira frase do livro de memórias de Domenico Silano, um dos membros da quadrilha. “São grandes as chances de nos tornarmos milionários”. Na manhã do dia planejado, Silano e mais quatro comparsas se dirigiram em um caminhão de entregas, roubado poucos dias antes, à agência “Fraumünster”. O veículo estava disfarçado com adesivos da Companhia de Telecomunicação. Os guardas levantaram sem suspeitar as barreiras na entrada da agência. O que ocorreu depois é parte desse crime: às 10.37, os ladrões saltaram do veículo e ameaçaram com armas de fogo os funcionários que carregavam um carro-forte. Rapidamente transportaram cinco caixas ao seu veículo de transporte, mas acabaram deixando duas de lado já que o bagageiro não oferecia mais espaço. Depois desapareceram.
Toda a ação ocorreu em apenas alguns minutos. A polícia iniciou logo depois uma grande busca, mas sem obter resultados. O veículo utilizado na fuga, e os 53 milhões de francos suíços, desapareceram sem deixar pistas. Foi um dos maiores roubos na história do país. Até mesmo o famoso ladrão do trem pagador na Inglaterra, Ronald “Ronnie” Biggs, teve de se contentar na época com menos: seu butim foi de 2,6 milhões de libras esterlinas, sem levar em conta à inflação.
Uma benção aos perpetradores
Um dia depois do “roubo do século”, o trágico acidente automobilístico que matou a princesa Lady Di era o tema das manchetes dos jornais. Porém o porta-voz da polícia informou que a suspeita do roubo da agência caia sob pessoas que teriam acesso a informações privilegiadas. O crime foi muito bem planejado, mas os autores acabaram esquecendo 17 milhões de francos.
O porta-voz dos Correios Suíços (PTT, na sigla em alemão) chamou o crime de “golpe do mal”, mas precisou confessar que a empresa não tinha seguro contra furtos e roubos. O butim correspondia exatamente ao lucro da empresa no ano anterior. Um dia depois, o diretor-geral admitiu que havia falhas óbvias nos dispositivos de segurança. Não era possível reconhecer os autores do crime nos tapes gravados pelos sistemas de câmaras, pois eles sempre estavam de costas. Além disso, as notas bancárias já estavam em circulação e não foram registradas. Para os ladrões, uma verdadeira benção.
A polícia também não trabalhou como devia. Por um dia inteiro se procurou o veículo incorreto, um Fiat Ducato, ao invés do Fiat Fiorino utilizado pelos ladrões. Este havia sido registrado pelas câmeras de vigilância, mas os tapes só foram analisados posteriormente. Os jornalistas foram unânimes ao descrever a atuação dos policiais com palavras fortes como “azar, panes e falhas”. A população não escondia o sentimento de alegria ou satisfação perante o infortúnio das autoridades. E o ladrão inglês Ronald Biggs declarava no Brasil ensolarado estar admirado com seus colegas zuriquenses. Porém acrescentou com malícia que, no lugar deles, teria apenas escolhido um veículo mais espaçoso.
Troco da polícia
Dez dias depois do assalto, a situação mudou para a polícia. Os investigadores conseguiram descobrir o paradeiro dos três ladrões, seus ajudantes, assim como um funcionário dos Correios Suíços que teria passado as informações adiante e depois confessado ao ser preso. No total, 18 pessoas foram detidas e 20 milhões de francos confiscados. O chefe da polícia declarou na época, orgulhoso, aos jornais: “Tínhamos a chance de marcar um gol e aproveitamos”. Apenas dois suspeitos continuavam foragidos: o libanês Hassan B. e Domenico Silano, que mais tarde escreveu o livro. E com eles, o restante do butim: 33 milhões de francos suíços.
Nas semanas seguintes, os ladrões e seus ajudantes demonstraram amadorismo. O informante, o funcionário dos Correios Suíços, se deixou filmar pelas câmeras de vigilância ao fotografar no local do crime. Pouco antes do assalto, dois ladrões haviam bebido um café ao lado da agência dos Correios. O garçom entregou à polícia as taças não lavadas, o que possibilitou fazer a identificação dos meliantes através do DNA. Outro perdeu no local do crime uma foto com as suas impressões digitais. Depois do roubo, os ladrões colocaram fogo no veículo em um local muito próximo de uma caserna de bombeiros. Eles foram rápidos em apagar o fogo, o que possibilitou salvar diversas pistas valiosas para os investigadores.
Quatro milhões em sacos de lixo
Os criminosos também não sabiam lidar com tanto dinheiro. Eles não tinham nem um esconderijo ou plano do que fazer após o roubo. Eles dividiram a fortuna e desapareceram. Domenico Silano esperou mais de meia hora em um ponto de ônibus, até um amigo ir ao encontro dele. Como não tinha um saco, sua parte no roubo, quatro milhões de francos, foi guardada em um saco de lixo. Outro ladrão escondeu 18 milhões no armário no quarto de dormir de um conhecido e depois fugiu com sua namorada para Milão. Na cidade, escolheu para dormir uma suíte em um hotel de luxo por 500 francos o pernoite. A conta foi paga com o dinheiro que tirou do bolso da calça. Dois comparsas fugiram para a Espanha, onde gastaram o dinheiro comprando carros de luxos, uma mansão ou jogando em cassinos. Um deles tentou até depositar o dinheiro em um banco.
Disfarçado “como a mulher de índio”
O quarto membro da quadrilha também cometeu vários erros. Ele não apenas deixou suas impressões digitais em uma caixa de dinheiro esquecida no local do crime. Quando a polícia em Berlim parou seu BMW conversível em 16 de outubro de 1997, ele trajava uma peruca de mulher com longos cabelos pretos. Segundo os agentes, ele se parecia no momento da prisão com uma “mulher de índio”.
Um ano depois do assalto à agência, o quinto membro da quadrilha foi detido. A fuga de Silano levou à Miami, passando pela Venezuela, onde afirmava ser filho de um hoteleiro interessado em aprender inglês. Ele alugou um apartamento de luxo, frequentava restaurantes e clubes caros, mas não se sentia feliz. O que mais lhe fazia falta era a namorada suíça. No final, ligou para ela. A polícia estava na escuta. Então, em 3 de dezembro de 1998, os policiais invadiram o seu apartamento.
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Um livro sobre o “roubo do século”
“Foi como um jogo”
Em outono de 1999, os cinco autores do “roubo do século” foram levados ao tribunal. Nenhum deles negou a participação no crime, mas preferiam se apresentar como idiotas inocentes. “Foi como um jogo”, afirmou um. “Nenhum de nós acreditava que iria dar certo”. E o proprietário de um cassino em Seebach declarou. “Não somos profissionais. Os profissionais teriam os bilhetes aéreos já no bolso”.
Apesar de terem utilizado apenas armas de brinquedo e uma Kalaschnikow sem balas, todos foram condenados a penas de quatro a cinco anos de prisão. O paradeiro dos 27 milhões de francos restantes não foi esclarecido até hoje.
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