A difícil herança do melhor cozinheiro do mundo
Na cozinha do restaurante l’Hôtel de Ville de Crissier, perto de Lausanne, ressoa de modo persistente o ruído de um clique metálico. Levei um pouco de tempo para localizá-lo e depois percebi que vinha da caneta do chefe, Franck Giovannini.
O clique frenético é o único sinal de nervosismo que descubro no chefe de 42 anos e aspecto jovem. Franck Giovannini está dirigindo o serviço para o almoço no renomado restaurante coroado com três estrelas no guia gastronômico Michelin e com 19 pontos no concorrente Gault & Millau. No ano passado foi designado o melhor restaurante do mundo pelo Guia da gastronomia francesa.
Os melhores restaurantes suíços
O guia Michelin atribuiu três estrelas a três restaurantes suíços: Hôtel de Ville em Crissier, no cantão de Vaud, Schauenstein de Andreas Caminada em Fürstenau, no cantão dos Grisões e Cheval Blanc de Peter Knogl em Basileia.
18 restaurantes obtiveram 2 estrelas Michelin e 92 uma estrela.
De sua parte, o guia Gault & Millau atribuiu 19 pontos, sua pontuação mais alta, a seis restaurantes suíços: Além de l’Hôtel de Ville, Schauenstein e Cheval Blanc, entre os melhores estão O Ermitage de Bernard Ravet em Vufflens le Château, no cantão de Vaud, Domaine de Châteuvieux, em Satigny, no cantão de Genevra, e o Hôtel-Restaurante Didier de Courten em Sierre, cantão do Valais.
Schauenstein è o único restaurante suíço na lista San Pellegrino dos 50 melhores restaurantes do mundo. O Hôtel de Ville é classificado número um da Liste, uma classificação francesa dos melhores 1.000 restaurantes do mundo
Mas o que levou Franck Giovannini a assumir o papel de melhor cozinheiro do mundo depois da morte prematura do chefe que dirigiu l’Hôtel de VilleLink externo antes dele?
O suicídio de Benoît Violier no início deste ano suscitou uma grande emoção no mundo gastronômico. Também causou preocupação pela enésima morte nessa profissão, acrescida de uma enorme pressão. Seu sucessor precisa conciliar o papel de chefe de um restaurante tão prestigioso com o estresse legado por tal posição.
Giovannini move-se com calma e inspeciona meticulosamente os pratos prontos para o serviço, posa para fotos com clientes e dialoga com uma classe que segue um curso de cozinha. E nem sequer é incomodado com a presença da jornalista, que olha do cardápio à preparação de um menu de degustação de nove pratos e todas as interações que ocorrem na cozinha.
Passaram-se apenas alguns meses daquele traumático domingo em que Violier se suicidou com sua arma de caça no apartamento em cima do restaurante. Somente sete meses atrás seu predecessor e mentor Philipp Rochat havia morrido durante um giro de bicicleta. A sucessão de eventos trágicos que golpearam o restaurante nos últimos tempos começou no início de 2002 com a morte da esposa de Rochat, Franziska Rochat-Moser, uma grande maratonista vítima de uma avalanche em um passeio de montanha.
O nome de Violier figura ainda na frente do restaurante e seus livros de receita estão empilhados na entrada. Encontramos ainda alguns exemplares do guia Michelin no qual o Hôtel de Ville de Crissier é considerado o “templo da gastronomia” O renome internacional do local não é devido somente a Violier, mas também a seu legendário sucessor Rochat e a Frédi Girardet. Ainda hoje, o restaurante tem alguns pratos criado por eles.
“Tento ser equilibrado”
Sentado no hall de entrada com sua blusa branca, Giovannini parece um pouco desconfortável de falar de si mesmo, mas responde ao pedido. Falamos brevemente dos motivos que levaram Violier a suicidar-se e das pressões exercidas sobre o chefe de um restaurante de renome internacional.
O tom ponderado de Giovannini e seu senso de humor o ajudam a abordar esse assunto. A diferença de Violier, o novo chefe mora no campo com a mulher e os filhos, a meia hora de distância do restaurante. Trabalha das oito da manhã até meia noite nos dias de semana, porém os fins de semana são sagrados para ele, uma pausa para relaxar e fazer um churrasco para os amigos “Estou aqui há 21 anos. Não me sinto sob uma pressão muito grande. Faço as coisas como posso e, por enquanto, todos estão muito satisfeitos. Procuro manter um bom equilíbrio com minha vida pessoal”. Isso não significa que não tenha tido estresse no passado.
Uma gritaria
Giovannini e Violier tinham começado no Hôtel de Ville sob a direção de Girardet e Rochat. Trabalharam por 20 anos lado a lado “como irmãos”.
“Eu sempre quis fazer alguma coisa na cozinha” diz Giovannini. Seu pai, que sonhava ser um chefe renomado, o encorajou a seguir esse caminho. Depois de um breve período de trabalho com o chefe suíço Gray Kunz em Nova Iorque, Giovannini voltou para a Suíça para ser ajudante de cozinha no Hôtel de Ville.
“Não queria vir porque tinha escutado histórias realmente terríveis sobre o restaurante”, recorda Giovannini, rindo. A seu ver Girardet era um “gênio” do sabor que o ensinou o rigor. “Tive a sorte de trabalhar com ele um ano e meio, mesmo se não foi fácil porque eu tinha 20 anos e era um ambiente difícil. Nos sentíamos um saco de gritaria”.
“Hoje não se grita mais. As pessoas se surpreendem com o fato da cozinha ser muito tranquila. Pessoalmente acho que agora obtemos resultados melhores porque os colaboradores podem falar contigo, se têm um problema. Naquela época, se tínhamos um problema não ousávamos falar com Girardet porque temíamos ser maltratados”, acrescenta Giovannini, sempre rindo.
A cozinha é realmente tranquila. Só se houve o grito de “serviço” e o barulho das panelas.
Nova era
Giovannini trabalhou em estreito contato com Violier e quando este assumiu as rédeas do restaurante em 2012, passou-lhe em boa parte a direção da cozinha.
Para Brigitte Violier, que assumiu a gestão do restaurante, a escolha só podia ser Giovannini para dirigir a cozinha depois do trágico fim do marido. “Depois de Benoît, era a pessoa que conhecia melhor no restaurante. É importante continuar com a pessoa em que se pode confiar e que se conhece bem. Franck traz experiência e criatividade em seus produtos e leveza em suas receitas”.
O Hôtel de Ville conseguirá manter sua alta graduação nessa nova era? A nova edição do guia Gault & Millau deve sair em outubro e o novo Michelin em fevereiro. “Faremos todo o possível para conservar as estrelas”, garante Brigitte Violier.
A ameaça de perder prestígio ocupa “naturalmente” a mente de Frank Giovannini.
“Devo admitir que não quero ser o primeiro chefe do restaurante com uma só estrela. Não cozinhamos para o Michelin ou para o Gault & Millau, mas evidentemente que pensamos. Estamos fazendo todo o possível para manter o ranking atual. Só posso fazê-lo trabalhando corretamente no cotidiano. É o que fazermos duas vezes por dia”, declara o novo chefe.
Seu trabalho também provoca estresse? Consegue suportar a pressão profissional?
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Adaptação: Claudinê Gonçalves
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