“O Brasil não tem mais jeito”
A crise econômica leva a um êxodo recorde de brasileiros: entre 2011 e 2015, houve um aumento de 67% no total de Declarações de Saída Definitiva do País.
“Estou tentando dar um futuro digno aos meus filhos. O Brasil não tem mais jeito, eu perdi a esperança”. Com essa frase, o advogado Fabio Varanda resume o motivo pelo qual vai deixar Campinas e emigrar para a Suíça em breve. Com passaporte suíço, ele quer dar segurança, estabilidade e boa educação às crianças, o que não é mais possível como advogado em sua cidade.
Há dois anos que só faz perder clientes e vê o padrão de vida cair. Tinha escritório montado em uma casa, com secretária. Teve que se mudar para um espaço de 22 metros quadrados e dividir com o pai, colega de profissão. Tirou os filhos da escola particular e o medo de que não haja dinheiro suficiente para o plano de saúde ronda a família todo fim de mês. “O pânico de não ter como pagar as minhas contas se reinicia a cada 30 dias. Os clientes estão indo embora”, diz Fabio, que já morou antes na Suíça e voltou ao Brasil em 2010.
O advogado é um sobrevivente da chamda “síndrome do retorno”, que leva o imigrante a não conseguir se readaptar ao país de origem. Ele diz que sofreu muito como estrangeiro na Suíça e, apesar de ter passaporte suíço, desistiu de viver no país depois de quatro anos. Durante sua estada, trabalhou em faxina, na construção civil e até em câmara fria, a temperaturas abaixo de três graus negativos.
Mas mesmo com todas as dificuldades, disse que se arrependeu em três meses de ter retornado a Campinas. De acordo com Fabio, ele não quer condenar o futuro dos filhos, um menino de nove e uma menina de sete anos. “Se é para ter pouco dinheiro, vamos para o primeiro mundo, onde temos escola de qualidade e segurança”, explica. Fábio venderá o carro da família para comprar as passagens e pretende embarcar com a esposa e os dois filhos até junho.
Assim como acontece com Fabio Varanda, as crises econômica e política no Brasil têm levado muitos outros brasileiros ao exterior. Segundo dados da Receita Federal, entre 2011 e 2015 houve um aumento de 67% no total de Declarações de Saída Definitiva do País, o documento apresentado ao Fisco por quem emigra. Outros milhares de brasileiros estão seguindo o mesmo caminho. O número de declarações atingiu a marca de 13.288 no ano retrasado, contra em 7.956, em 2011.
É difícil, no entanto, estimar com certeza o número de brasileiros fora do país. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Censo 2010, estimou que residiam 491.243 brasileiros no exterior. O número difere do estimado pelo Ministério das Relações Exteriores, que trabalha com a cifra de 2,5 milhões de brasileiros. O IBGE reconhece o desafio de estimar o número de emigrantes internacionais e acredita que seja aquém da realidade. Na Suíça, a situação é a mesma. A Divisão Federal de Estatística informa que 19.581 brasileiros habitam no país (dados de 2015). O Consulado Brasileiro, no entanto, estima o dobro, incluindo os residentes sem autorização, os chamados ilegais.
Suíça controla entrada de estrangeiros
O número de entrada de brasileiros, de acordo do Departamento de Estatística da Suíça, não corresponde ao êxodo reportado pela Receita Federal. A quantidade de imigrantes conterrâneos até decresceu em 2015, em comparação com 2014. Se em 2015 chegaram 1740 imigrantes dessa nacionalidade, em 2014 foram 1790. Na realidade, os números são sempre muito parecidos todos os anos. Se a análise se limitar aos períodos de 2011 a 2015, é possível perceber que a variação vai de 1740 residentes, o mínimo; ao máximo de 2040 pessoas. De acordo com o Departamento, não importa a crise financeira que o Brasil esteja vivendo, a quantidade de estrangeiros será sempre controlada. Isso significa que eles não estão vindo exatamente para esse país.
De acordo com Fernanda Pontes Clavadetscher, advogada e consultora jurídica, para que um brasileiro que não tenha cidadania europeia consiga a permissão para morar na Suíça, é necessário que ele primeiramente dê entrada no pedido de visto junto ao Consulado Suíço no Brasil e junte uma vasta documentação. Os vistos mais procurados, nesse caso, são para a preparação de casamento, estudo e trabalho no país. Mas o processo é muito criterioso e o pedido nem sempre é deferido. Para visto de trabalho, por exemplo, a empresa contratante precisa comprovar que não encontrou um profissional na Suíça para a mesma função.
Significado da desilusão com o país
O índice reflete, além de uma desilusão com o país, a saída de uma elite financeira e cultural, pessoas com bom nível econômico e educacional. A falta de perspectivas é o grande motivador desses novos emigrantes. De acordo com especialistas, as pessoas têm a sensação de que o Brasil não tem jeito e de que as coisas não se ajustarão; o cenário de desemprego crescente, os escândalos de corrupção, o mau desempenho econômico, a inflação ascendente e as altas de impostos e no preço de serviços básicos estão sufocando os brasileiros. Frente a isso, empresários e profissionais estabelecidos procuram alternativas melhores no exterior.
O professor Ilton Teitelbaum, da PUC Rio Grande do Sul, entrevistou 1.700 jovens de 18 a 34 anos das classes B e C para uma pesquisa sobre o jovem brasileiro e o futuro do país. A conclusão endossa os números da Receita Federal: há pouco orgulho de ser brasileiro, muito em função das questões políticas e econômicas. Um dos dados que tem chamado a atenção na pesquisa é que 36% dos entrevistados gostariam de mudar para o exterior.
Segundo Teitelbaum, que coordenou o estudo, as respostas dos jovens à pesquisa refletem a desilusão e o desencanto que eles sentem em relação ao futuro do país, e as crises política e econômica são “o fator gerador” desse sentimento. Esse sentimento não é apenas geracional, mas diz respeito ao modo como várias gerações têm se sentido em relação à falta de perspectivas no Brasil. De acordo com o professor, o fato é que há pouco orgulho em ser brasileiro, muito em função dessa instabilidade que sempre nos persegue.
A cultura diferente pode ser empecilho
Além da dificuldade financeira e falta de segurança no Brasil, o emigrante terá que lidar com a adaptação à cultura diferente: Suíça e Brasil são países muito distintos. Treinamento intercultural, no entanto, deveria fazer parte do planejamento para a viagem. Aprender o idioma e pesquisar sobre o país são atitudes muito importantes, mas melhorar a sensibilidade intercultural abre a mente e expande a imagem de mundo, que é muito mais que a sua cidade, seu bairro ou casa. De acordo com a psicóloga intercultural Gabriela Ribeiro Broll, investimento em treinamento intercultural pode reduzir muito a probabilidade de arrependimentos e melhorar a integração;nesse caso não só dos adultos, mas também das crianças. “Isso vai ajudar na escola, no aprendizado e irá melhorar a qualidade de vida da família como um todo”, explica.
Quando o caminho da dignidade é o aeroporto internacional
O advogado carioca Pablo Figueiredo de Almeida também está contando os dias para a partida. Já deu entrada no Procedimento de Agrupamento Familiar no Consulado da Suíça. Pretende embarcar em maio com a mulher, que tem cidadania suíça, e com o filho rumo a Genebra. Pablo, que tem cidadania portuguesa, está se planejando o êxodo desde 2015, quando perdeu de vez a esperança com o Brasil. A crise reduziu consideravelmente o faturamento do escritório, muitos clientes não têm mais dinheiro. Aliado aos problemas financeiros, ele se diz cansado de sentir medo no bairro do Grajaú, no Rio de Janeiro, e de não poder ir à praia por receio de assaltos, por exemplo.
Organizado, Pablo desenvolveu uma planilha com metas para a tão esperada empreitada. Entre os objetivos, faz aulas de francês com a esposa e aproveitou as férias de verão para se inscrever em curso intensivo. “É o país que está expulsando a gente. Violência, pobreza e corrupção ao extremo, não dá mais. O Brasil não tem mais jeito, é necessário desligar e ligar de novo, colocar gente nova”, explica o advogado, que tem um filho de três anos.
Ele visitou a Suíça em novembro para sondar oportunidades e ver se gostava. Se encantou, principalmente ao ver as crianças pequenas indo à escola sozinhas. Decidiu que a parte francesa seria um bom lugar para plantar seu sonho. A língua alemã pareceu muito difícil. A preocupação com a família e a velhice são motivos mencionados por ele e a esposa para abandonarem tudo e recomeçar uma vida nova. De acordo com Pablo, a oportunidade de ter um passaporte europeu precisa ser usada. “É minha obrigação oferecer ao meu filho uma escola excelente. E melhor, gratuita. Como advogado, eu vejo a velhice de outras pessoas aqui no Brasil, onde para se usar o plano de saúde tem que entrar com uma ação contra as empresas de seguro. Eu não quero isso para mim e para minha família”, desabafa. Infelizmente, Pablo e Fabio são dois personagens brasileiros que ilustram o desejo de muitos outros. Pelo menos nesse caso, o desalento vai dar lugar, em breve, à esperança. Tomara que com final muito feliz.
Quantidade de declarações (Fonte Receita Federal Brasileira):
2011: 7.956
2012: 8.510
2013: 11.584
2014: 11.584
2015: 13.288
Residentes brasileiros na Suíça (Fonte: Divisão Federal de Estatística)
2011: 2040 residentes
2012: 1934 residentes
2013: 1867 residentes
2014: 1790 residentes
2015: 1740 residentes
Brasileiros no mundo (fonte: Receita Federal e Ministério das Relações Exteriores)
1,2 milhão: América do Norte
865 mil: Europa
200 mil
200.000: Ásia
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