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“Deficiência é como a cor dos olhos”

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As escolas geralmente não dispõem de recursos para incluir crianças com necessidades especiais. Keystone / Dominic Steinmann

Marah Rikli é jornalista, formada em livraria, moderadora e mãe de uma menina com deficiência. Em entrevista à swissinfo.ch, ela fala abertamente sobre escola inclusiva, papéis sociais, injustiças, diversidade e desejos.

Marah RikliLink externo, 42 anos, não gosta de injustiças, especialmente quando as vítimas são as mais fracas e indefesas da sociedade, pessoas como a sua filha. Ronja (que na verdade tem outro nome) tem nove anos e em agosto começará o terceiro ano do ensino fundamental em Zurique. Ronja é uma menina especial, como todas as filhas são. Mas ela é mais especial do que outras, pois tem um distúrbio de desenvolvimento. Esta é a definição resumida da característica que a torna única. A definição longa: distúrbio de desenvolvimento da linguagem, déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), compulsões e hipotonia, deficiência intelectual e muito mais.

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Marah Rikli e sua filha © privato (ZvG)

Ronja é uma filha especial e, portanto, no dia a dia, chama a atenção das pessoas ao seu redor. Por exemplo, no ônibus a caminho da piscina. Ronja e Marah sentam-se nos dois últimos assentos livres. O calor é sufocante. As portas automáticas se fecham de repente fazendo um grande barulho. Ronja grita e amaldiçoa a porta apontando para ela com um dedo. Uma passageira pergunta se há algum problema. Ronja reage gritando ainda mais alto e mostrando a palma da mão, que na linguagem de sinais significa “parar”.

A mulher não entende e a chama de malcriada. Marah sabe que para acalmar Ronja é preciso silêncio. E então ela explica à mulher que sua filha tem um problema com as portas, pois é uma criança com autismo. No ônibus, o silêncio é constrangedor. Marah nem sempre pode explicar que Ronja sofre de um distúrbio de desenvolvimento com traços autistas: levaria muito tempo para fazê-lo. Por esse motivo, apesar dos preconceitos contra os deficientes, Marah escolhe dizer uma meia verdade que as pessoas logo entendem.

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Deficiência é quase um palavrão

Eu encontro Marah em um restaurante de Zurique. É difícil encontrar uma mesa tranquila. A linha ferroviária em um lado, onde estão sendo realizados trabalhos, uma rua movimentada do outro lado. Renunciamos a um lugar ao ar livre, em um dia ensolarado da primavera, para ficar dentro do restaurante. Mas mesmo aqui, ouvimos o barulho da cozinha e do bar. É com um pouco de frustração que começamos a entrevista. Uma sensação que Marah conhece muito bem, pois a vive diariamente.

Marah é autora, ex-bibliotecária e apresentadora. Ela escreve regularmente sobre a vida com sua filha, que publica no Blog da Mamãe: a vida com uma criança com deficiências (no original Mamablog: Leben mit behindertem Kind) do jornal Tages Anzeiger, no portal “Ellexx” e na revista para professores “Rundgang”. A descrição da viagem de ônibus é tirada de uma de suas postagens. Com seus artigos, ela quer tornar visível o invisível e dar voz a quem não tem uma.

“Meus filhos me politizaram”, conta. “O feminismo veio primeiro. Como mãe, percebi o que este país não fez nas últimas décadas, por exemplo, a promoção de medidas para conciliar trabalho e família. Eu não queria me conformar com o que a sociedade espera de uma mãe: estar sempre ao lado dos filhos, pois eles são seu único projeto de vida. E se há problemas na escola, a culpa é da mãe, nunca do pai.”

Marah não aceita isso. Ela está acostumada a nadar contra a corrente. Quando era jovem, identificava-se com aqueles que eram diferentes, com os não conformistas. Com o nascimento de Ronja, ela se viu sob o olhar julgador das pessoas que a faziam se sentir culpada. “Em nossa sociedade, a deficiência é associada a algo negativo. É quase um palavrão. É algo que deve ser escondido, do qual se deve ter vergonha. Mas deveria ser vista como uma característica, como a cor dos olhos ou do cabelo”. É algo que Marah aprendeu durante encontros com ativistas pela inclusão, como o alemão Raul Krauhtausen ou o moderador suíço Jahn Graf.

“Em nossa sociedade, a deficiência é vista como algo a ser escondido. Mas deveria ser vista como uma característica, como a cor dos olhos ou do cabelo.” Marah Rikli

Marah é uma mulher cheia de energia e seu café já está frio. Em uma pausa, pergunto-lhe o que pensa da inclusão. “Minha filha frequenta uma escola especial. As turmas têm de cinco a oito crianças que são acompanhadas por dois ou três fonoaudiólogos, psicoterapeutas ou pedagogos. E depois há a cantina e o período pós-escolar, um ambiente em que Ronja se sente à vontade”, diz Marah.

“Eu sei; é uma contradição que, por um lado, eu lute pela inclusão de pessoas com deficiência e, por outro lado, mande minha filha para uma escola especial. Mas é a melhor solução para ela e para mim, pois me permite respirar e ser ativa profissionalmente”. Antes de nos encontrarmos, Marah nadou algumas voltas na piscina. Depois, terminará de transcrever uma entrevista. À noite, moderará um debate.

Marah Rikli tem outro filho de 18 anos que agora está aprendendo uma profissão. Ele foi à escola convencional. Nos últimos anos do ensino obrigatório, foi diagnosticado com déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Na escola primária, ele teve apoio para a integração e terapias de psicomotricidade educacional.

Faltam recursos

“Na minha opinião, nas escolas regulares não há recursos suficientes”, diz a mulher de 40 anos. “As turmas são muito grandes para promover a inclusão de crianças com necessidades especiais. E depois há toda essa pressão, essa corrida para o ensino médio: é um imperativo em alguns estratos sociais”. É uma situação que a preocupa e sobre a qual ela se questiona há muito tempo: “Quem tem acesso à educação? Quem é discriminado no sistema educacional? Se uma criança é deficiente, vem da classe trabalhadora, é obesa, não branca, é tratada de forma diferente em relação à criança branca, não deficiente de uma família acadêmica. Não temos oportunidades iguais na Suíça, embora muitas vezes nos queiram fazer acreditar nisso”, diz.

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Marah também sabe que há muitos professores que se esforçam para o bem de suas alunas, alunos e turmas. Eles estão com água na boca: turmas grandes, alunos problemáticos, pais exigentes, escasso reconhecimento social. “Há poucas histórias positivas, professores comprometidos e inclusão bem-sucedida”, diz a jornalista. “Talvez a integração em uma classe regular nem sempre seja a melhor solução, pelo menos não para minha filha”, admite Rikli.

“Talvez uma mudança completa do sistema escolar ajude o processo em direção a uma verdadeira inclusão. Claro que isso não pode acontecer da noite para o dia. No entanto, é o desejo de uma mãe de dois filhos que não se encaixam na norma”. Marah Rikli não diz isso com os olhos de quem está cansado de lutar. Sua batalha por uma sociedade inclusiva não acabou. Nos despedimos na parada de ônibus. Hoje ela está sozinha. Com sua filha, seria uma situação diferente. Ela faria emergir o que é invisível e latente: a falta de compreensão para com o diferente.

Adaptação: Alexander Thoele

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