“Portugal é o país europeu com o maior interesse nos Orçamentos Participativos”
Em 2017, o Orçamento do Estado português vai ser participativo. O anúncio foi feito pela ministra da Presidência e da Modernização Administrativa, Maria Manuel Leitão Marques, que explicou que “será prevista a afectação de uma verba anual destinada a projectos propostos e escolhidos pelos cidadãos, que visem a promoção da qualidade de vida”.
Foi em 2002 que Portugal registou o primeiro Orçamento Participativo (OP), introduzido pelo município de Palmela. Outras autarquias portuguesas seguiram-lhe o exemplo e, entre avanços e recuos, havia, no final de 2015, 83 processos de OP activos em Portugal. A maioria destes era do tipo deliberativo, ou seja, a apresentação e a votação final das propostas cabia exclusivamente aos cidadãos.
“Mas não foi assim sempre”, vinca Nelson Dias, presidente da Associação In Loco Link externoe co-autor de algumas publicações sobre os OP a nível mundial, destacando que “na primeira geração de Orçamentos Participativos em Portugal, que funcionou entre 2002 e 2011, havia uma maioria de processos consultivos” [os cidadãos apresentam as propostas, mas cabe aos executivos eleitos a selecção].
Família carenciada sobrevive com ajuda da loja social
Maria (nome fictício) recebe apoio da Loja Social de São Faustino desde que esta abriu em Dezembro de 2014. “Recebo roupa e um cabaz de alimentação todos os meses”, conta-nos esta mulher, que com um grau de invalidez de 65%, gasta 160 euros por mês em medicação e diz não encontrar quem lhe dê trabalho. Para agravar a situação, o marido tem salários em atraso e o filho sofre de hiperactividade.
Sem a ajuda da loja social, a sua vida seria ainda mais complicada: “Seja o que for que eu precise, a Dra. Elisabete está sempre ao meu lado. É como se fosse uma irmã mais velha. É sempre atenciosa com toda a gente. Tem sempre uma palavra amiga”.
Segundo Dias, “os autarcas consideravam que corriam menos riscos com os processos consultivos, porque não abriam mão do poder de decisão”. Mas num contexto de crise económica, “essa metodologia consultiva, aliada a programas eleitorais bastante exigentes e na maior parte dos casos irrealistas, gerou uma incapacidade das autarquias de darem resposta à grande maioria das propostas que as pessoas estavam a apresentar e os processos esvaziaram-se de participantes…”
O co-autor do livro “Esperança Democrática – 25 anos de Orçamentos Participativos no Mundo” faz “um balanço francamente positivo” dos OP em Portugal, “na medida em que o número de experiências tem crescido de forma muito significativa e tem casos de sucesso nacional e internacional amplamente reconhecidos”. “Portugal é o país com o maior interesse na área dos Orçamentos Participativos a nível da Europa. Não é o que tem o maior número, porque temos o caso da Polónia, onde há uma lei nacional que incentiva o desenvolvimento dos orçamentos participativos, ao contrário do caso português, onde não há qualquer obrigatoriedade legal de implementar este processo”.
Cascais como referência
Numa altura em que em Portugal, bem como noutros países, há um afastamento entre os cidadãos e os políticos, que se reflecte nas elevadas taxas de abstenção, há municípios que têm conseguido envolver os cidadãos nos Orçamentos Participativos: “Em CascaisLink externo, votaram, no ano passado, cerca de 56 mil pessoas no OP, o que é mais do que todos os votos somados dos partidos que têm representação na Câmara Municipal na actualidade. Portanto, há mais pessoas a participar no OP do que nas próprias eleições autárquicas”.
De acordo com os dados fornecidos pelo presidente da Associação In LocoLink externo para swissinfo.ch, “desde 2002 até agora os cidadãos decidiram mais de 71 milhões de euros nos Orçamentos Participativos em Portugal e no ano passado cerca de 17 milhões. Estamos a falar de uma verba que nalguns casos chega aos 8% da capacidade de investimento de uma autarquia, mas é evidente que não é maioritário. As experiências ainda têm valores reduzidos, mas eu tenho a confiança de que haverá tendência para consolidar estes montantes”.
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Sérgio Gonçalves
Em Guimarães as escolas também participam
GuimarãesLink externo é uma das cidades portuguesas que decidiu abrir os orçamentos participativos às crianças e jovens. “Vamos para o segundo ano do OP escolas. São os próprios alunos que apresentam ideias dentro das áreas do Ambiente e da Solidariedade. O primeiro ano correu bastante bem, porque foram apresentadas cerca de 50 propostas, das quais 33 estão a ser executadas. Correu tão bem que no segundo ano decidimos duplicar a verba”, realça o coordenador do Orçamento Participativo de Guimarães, Sérgio Gonçalves.
Ao OP de Guimarães 2016 foi atribuída uma verba de 500 mil euros, dos quais 200 mil destinados à iniciativa de âmbito escolar. Este ano, os 14 agrupamentos escolares e as duas escolas secundárias do concelho apresentaram 65 propostas, contra 50 no ano anterior. O público em geral apresentou 34 candidaturas, face a 26 em 2015.
Desde 2013, ano em que Guimarães aderiu ao OP, já foram criados os mais variados projectos: lojas sociais, animação cultural para idosos mais isolados, peças de teatro sobre a igualdade de género e parques de lazer. Muitas das ideias lançadas através dos orçamentos participativos têm sido um êxito: “O próprio presidente já deu continuidade a alguns projectos, principalmente na área social”.
Elisabete Gomes criou loja social
Quando Elisabete Gomes, de 38 anos, soube através da imprensa que a Câmara Municipal de Guimarães “ia começar com um projecto novo, o Orçamento Participativo”, decidiu desafiar os colegas do Grupo de Jovens Nova Luz de São Faustino a apresentarem uma candidatura para a criação de uma loja social que ajudasse a população carenciada de nove freguesias do concelho.
Não só apresentaram, como mobilizaram toda a gente, de forma a conseguir os votos necessários para a aprovação… E foram contemplados com 20 mil euros, sob a forma de obras de renovação do rés-do-chão da sede de freguesia de São Faustino, onde funciona a loja social com o mesmo nome, que fornece vestuário, calçado e alimentos a famílias com carências económicas. Mas o apoio prestado por Elisabete Gomes “vai muito além disso”. Ajuda os cidadãos a interpretarem e a preencherem “documentos que não percebem”, a efectuarem candidaturas, mas acima de tudo dá-lhes apoio e até afeto.
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