Denúncias de violência infantil abalam marca de chocolates Läderach
A fabricante suíça de chocolate Läderach entrou no modo redução de danos após emergirem denúncias de maus-tratos contra crianças que estudavam em uma escola religiosa co-fundada pelo ex-diretor da empresa. Qual a seriedade do caso?
Jürg Läderach, 72 anos, que dirigiu o negócio da família até 2018, foi co-fundador da escola evangélica “Domino Servite” (Servir ao Senhor) em Kaltbrunn, no cantão de St Gallen, em 1995. Um documentário lançado em setembro pela televisão pública suíça, SRFLink externo, reúne denúncias de ex-alunos que relatam terem sido agredidos com cintos – inclusive pelo próprio Läderach – e viverem em um clima de medo na escola.
Dois dias depois, o Festival de Cinema de Zurique anunciou que encerrou sua parceria com a Läderach. O documentário da SRF “abalou todo mundo”, afirmou o festival de cinema em um comunicado. Após uma “conversa aberta”, o festival e a empresa de chocolate “decidiram em conjunto encerrar a parceria”.
Jürg Läderach, que nega as acusações, há cinco anos entregou a gestão da empresa de chocolate ao seu filho mais velho, Johannes, que também frequentava a escola, agora denominada Christliche Schule Linth, e onde seus próprios filhos estudam atualmente. Uma investigação externa encomendada pela escola há dois anos, em decorrência de questionamentos iniciais da SRF, confirmou a má conduta de antigos professores e membros da comunidade religiosa.
Na quinta-feira, Johannes Läderach enviou uma carta aos parceiros de negócios, acessada pela SWI swissinfo.ch, sublinhando que a atual geração que dirige a empresa “não tinha qualquer vínculo com a igreja” e que os seus pais já não estavam envolvidos na empresa. “Pedimos gentilmente que julguem a empresa pelo desempenho da geração atual e dos 1.800 funcionários de agora”, disse ele.
Em entrevista no domingo ao SonntagsZeitung , Johannes Läderach disse condenar totalmente o que aconteceu na escola. “Isso vai contra tudo em que acredito e tudo que é importante para mim”, disse ele.
Essa foi a melhor coisa que ele poderia ter feito na situação, de acordo com o especialista de marca Stefan Vogler, que disse que Johannes Läderach se distanciou do abuso de forma credível. “Isso é emocionalmente difícil, especialmente quando envolve o seu pai”, disse Vogler ao jornal 20 Minuten na segunda-feira.
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‘Combinação tóxica’
No entanto, as coisas não parecem boas, segundo o especialista em reputação Bernhard Bauhofer.
“A marca Läderach foi gravemente abalada e está intimamente associada ao nome da família. Essa é uma combinação tóxica”, disse ele ao jornal Blick.
Como destacou o Festival de Cinema de Zurique, “embora não haja acusações contra a atual gestão do Läderach, o sofrimento das supostas vítimas está, no entanto, associado ao nome da família e da empresa. Com esta decisão, gostaríamos de garantir que o festival se concentre exclusivamente na alegria do cinema”.
O problema, calculou Blick, era que os Läderach já tinham sido foco de um escândalo em 2020, quando a companhia aérea nacional SWISS não renovou o contrato com a Läderach após dez anos de cooperação, citando a importância de um “ajuste de marca”. Na altura, a mídia tinha noticiado as opiniões fundamentalistas cristãs de Jürg e Johannes Läderach, especialmente a sua oposição ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e ao direito da mulher ao aborto.
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‘Tempestade perfeita’
Bauhofer acredita que existe o perigo, pelo menos na Suíça, de os consumidores evitarem a marca. “Läderach está no meio de uma tempestade perfeita”, disse ele. “As finanças já não estão boas, a inflação está atormentando muitas pessoas e agora há também este escândalo de reputação.”
No entanto, ele acha improvável que as vendas no exterior sejam prejudicadas. “A história não é interessante o suficiente para a mídia internacional”, disse ele. Segundo Blick , a questão é se a esperada queda nas vendas na Suíça será suficiente para que a empresa se distancie clara e explicitamente das opiniões e comportamentos da família.
Vogler, o especialista em marcas, concorda. Apesar dos danos à imagem da empresa, não haverá um impacto muito grande nas vendas, prevê. “No curto prazo, as vendas na Suíça deverão diminuir um pouco. Mas os turistas na Suíça não acessam as críticas da mídia nacional e continuarão a comprar chocolate”, afirmou.
Além disso, a Läderach é acima de tudo uma marca forte de exportação – dificilmente haverá uma queda nas vendas no exterior, acrescentou. “Teria sido pior para a empresa familiar se a mídia estrangeira também tivesse noticiado os incidentes, mas não parece ser o caso neste momento”, disse ele.
‘Presunção de inocência’
Por sua vez, Reiner Eichenberger, professor de economia na Universidade de Friburgo, considera errada a pressão sobre a empresa e sobre Johannes Läderach.
“A presunção de inocência se aplica”, disse ele ao 20Minuten. “Além disso, não se deve boicotar empresas por causa de pessoas que não estão mais ativas. Há também a questão do prazo de prescrição. Qualquer pessoa que boicote Läderach agora terá que boicotar muitas empresas, incluindo a igreja.”
Eichenberger também está incomodado pelo fato de Läderach já ter sido criticado pelos seus valores conservadores. “Afinal, a liberdade de religião e a liberdade de opinião ainda se aplicam”, disse ele.
Na segunda-feira, o porta-voz da Läderach, Matthias Goldbeck, disse à SWI swissinfo.ch por e-mail que Läderach empregava pessoas de mais de 50 países “com as mais diversas origens, opiniões e estilos de vida”.
“Na Läderach vivemos a diversidade, a abertura, o respeito, a liberdade de expressão e a tolerância”, escreveu. “Discriminação de qualquer tipo não tem lugar entre nós. Consagramos isto numa carta e criamos uma ouvidoria à qual as pessoas podem recorrer se considerarem que houve violação a esses princípios”.
Inquérito é anulado
Em 11 de outubro, o departamento de educação de St. Gallen decidiu que não prosseguirá com as investigações sobre as alegações de castigos corporais na escola religiosa co-fundada por Jürg Läderach. Em vez disso, será criado um ponto de contato.
O departamento de educação enfatizou que, na opinião do governo de St. Gallen, a inspeção escolar da época havia feito o suficiente para investigar casos suspeitos na escola pública.
O fato disso não ter sido bem-sucedido na época era explicável e uma nova investigação não era necessária. “Trata-se, em parte, de um testemunho contra um testemunho. E não temos novas descobertas que exijam outras medidas por parte do cantão”, declarou o diretor atual do departamento, Stefan Kölliker.
Para a inspetoria escolar, a investigação foi difícil há 25 anos porque, na comunidade religiosa, os pais dos alunos e a equipe da escola se protegiam mutuamente. Agora, o departamento de educação quer apoiar as supostas vítimas com um ponto de contato. Ainda não se sabe quais relatórios chegarão ao departamento e quais medidas o cantão tomará no caso de outras alegações.
O objetivo do ponto de contato é dar aos ex-alunos a oportunidade de se comunicarem uns com os outros. Além disso, as pessoas devem poder ser encaminhadas a centros independentes e profissionais de aconselhamento e apoio. Dentro da estrutura da revisão total da lei escolar, o departamento de educação anunciou que o grau de expansão da supervisão das escolas públicas também está sendo analisado.
(Fonte: Keystone-SDA)
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(Adaptação: Clarissa Levy)
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