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Pedir esmolas é um direito humano… ou não?

Mendigo estica a mão com copinho de moedas
Mendigos são uma presença comum nas ruas de Lausanne Keystone

Uma tentativa para proibir a mendicância no cantão de Vaud, agora emperrada nos tribunais, levanta a questão sobre uma possível ameaça de uma lei como essa aos direitos humanos.

A iniciativa lançada pelos representantes do partido conservador de direita, o Partido do Povo Suíço (SVP, na sigla em alemão; UDC em francês), foi aprovada pelo parlamento do cantão de Vaud em setembro do ano passado. Ela determina que a mendicância deve ser totalmente ilegal (tanto a mendicância “ativa”, quanto sentar-se no chão sem dizer nada).

A oposição tentou lançar um referendo para reverter a situação, mas não conseguiu coletar assinaturas suficientes. E um recurso no Tribunal Constitucional de Vaud foi rejeitado por quatro votos contra um. Um novo recurso foi enviado ao Tribunal Federal Suíço em Lausanne.

A controvérsia em curso sobre a lei no cantão de Vaud reflete um debate bem mais amplo.

Exploração?

“Estamos vendo que as regras atuais em Lausanne não são suficientes para a maioria da população”, diz Philippe Ducommun, membro do parlamento de Vaud pelo SVP e delegado de polícia em Lausanne, capital do cantão, “e nem para o nosso partido, porque achamos que a mendicância não deve ser tolerada em nosso país, e porque queremos lutar contra a exploração dessas pessoas que são marginalizadas e estão mendigando.” Ele acredita que mendigos da etnia roma são usados por redes organizadas que se aproveitam da “miséria humana”.

O advogado Xavier Rubli, morador de Lausanne, que está à frente do desafio no Tribunal Federal, diz que a lei é “injusta e escandalosa”. “Se proibirmos a mendicância, qual será a próxima proibição?”, questiona.

A lei, caso entre em vigor, prevê multas entre CHF 50 a CHF 100 para mendicância, e de CHF 500 a CHF 2000 para qualquer pessoa que organize áreas de mendicância ou use crianças para esse fim. Se as multas não forem pagas, a pena é de prisão.

“Contra os direitos fundamentais”

Rubli está representando doze clientes no recurso enviado ao Tribunal Federal. Entre eles estão não só os mendigos suíços e os ciganos roma, mas também cristãos e muçulmanos que querem defender o direito a dar esmolas como obrigação religiosa.

O recurso se apoia no argumento de que a nova lei discriminaria particularmente os roma e iria contra os direitos humanos fundamentais que, segundo o advogado Rubli, estão protegidos pela Constituição de Vaud, pela Constiuição Suíça, e pela Convenção Europeia de Direitos Humanos, da qual a Suíça é signatária.

Esses direitos incluem o respeito pela vida privada e dignidade humana, liberdade econômica e liberdade de opinião e expressão. “Mendigos sentados no chão transmitem uma mensagem”, diz Rubli. “Eles podem perturbar ou irritar os passantes, porém isso levanta uma questão, cria um debate.”

Proteção os mendigos

Segundo Ducommun, o motivo principal para tornar a mendicância ilegal é proteger aqueles que são obrigados a fazer isso. “Você pode ter o direito de dar a quem quiser, mas não são essas pessoas que vão receber o dinheiro”, disse ele à swissinfo.ch. “Quando o circo se forma na Place Bel-Air em Lausanne pela manhã, com todos esses mendigos chegando e se organizando, ninguém me convence de que esse dinheiro é para eles. É para as pessoas que os controlam e os exploram.”

Ele admite que há alguns mendigos suíços, mas que existem estruturas e auxílios sociais suficientes no país para ajudá-los.

O Tribunal Federal apoiou a proibição da mendicância ocorrida em Genebra em 2008, em parte com base nos argumentos de “proteção”. Rubli diz que nunca foi demonstrado que os mendigos roma são explorados por redes organizadas. Ele cita que um relatório de especialistas sobre a mendicância roma, publicado em 2012, concluiu que a “mendicância no cantão de Vaud não é bem organizada”.

Murrer arrumando uma barraca na floresta
Mirela arruma a barraca que monteu na floresta nos subúrbios de Lausanne, em 2014. Da série de fotos: “A busca incansável do paraíso”. Yves Leresche

O advogado Rubli afirma que outras decisões foram tomadas em tribunais constitucionais nos Estados Unidos e na Áustria por julgar a liberdade de expressão um direito fundamental, que é violado pela proibição total da mendicância.

Ele ressalta que os mendigos não são apenas roma, mas também cidadãos suíços. No entanto, em Lausanne e em outros lugares, a tendência indica que os mendigos mais visíveis são roma, a maioria de origem romena.

Perseguição aos roma?

Petru é um deles, entrevistado nessa matéria pela Rádio e Televisão Suíça, (SRF na sigla em alemão)

“Estou na Suíça há quatro anos, porque queria encontrar algum trabalho aqui”, diz Petru, “e na Romênia não há trabalho, não há esperança para nós lá.”

O fotógrafo suíço Yves Leresche conhece muitas famílias ciganas em Lausanne e esteve na Romênia muitas vezes para fotografar essas comunidades. Na Romênia, os roma são tradicionalmente artesãos e vendedores, diz ele, mas foram recrutados como os outros para trabalhar em fábricas durante o regime comunista.

Quando o regime comunista terminou, houve uma redistribuição de terra e os roma ficaram sem emprego e sem terra. Quando a Europa abriu as fronteiras, eles começaram a vir de outros países europeus, mas é difícil para eles encontrar e manter o trabalho lá, especialmente porque muitos são analfabetos e não falam bem a língua. Assim começaram a mendigar.

“A enorme diferença entre o padrão de vida da Romênia e da Suíça já vale a pena financeiramente para eles”, conta Leresche, mesmo com as multas que recebem (por dormir na rua, pedir esmola no lugar errado, ou usar o transporte público sem pagar.)

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Abordagem variada

Na Suíça, as leis e os regulamentos sobre mendicância variam, de acordo com o cantão ou município. Em alguns lugares, como Genebra e Zurique, pedir esmola já é proibido, mas não se sabe ao certo se a proibição formal funciona. Em Genebra, por exemplo, a proibição veio em 2008, mas centenas de mendigos roma ainda são vistos pelas ruas.

No cantão de Vaud, muitos municípios passaram a adotar regras para proibir a mendicância, mas até agora Lausanne preferiu regular a prática em vez de proibi-la. A cidade tem um mediador para as questões com a comunidade roma, o policial aposentado Gilbert Glassey.

As regras atuais estão no Artigo 87 bis do regulamento da polícia de Lausanne. Mendicância organizada e o uso de crianças para pedir esmola, pedidos insistentes ou que ponham em risco a ordem pública, são ilegais. Há possibilidade de multa quando a mendicância é feita dentro de uma determinada distância de lojas e locais onde ocorrem transações de dinheiro, como caixas automáticos. Glassey acredita que as regras atuais são respeitadas e que a comunidade roma local “entende e aceita” que crianças não podem pedir esmola.

Família de ciganos reunidas na Romêmia
Florin e Rita, depois de ter passado quatro meses em Lausanne, são recebidos de volta à sua aldeia na Romênia por 3 de seus 4 filhos. Citatea de Balta, Romênia, 2013, da série: “A busca incansável para o paraíso”. Yves Leresche

Contraproducente

Essa posição é apoiada pelas autoridades municipais de Lausanne, que escreveram ao presidente do parlamento de Vaud há um ano para informar que as regras sobre mendicância praticadas pela polícia, adotadas em 2012, estavam funcionando de maneira geral, e que o número de reclamações havia reduzido. A carta ainda diz que as autoridades municipais “sempre foram contra a proibição total da mendicância em Lausanne” e que tal prática resultaria, como em Genebra, em uma “administração cheia de reclamações sobre a mendicância, sem alcançar os objetivos, dada a pobreza dos infratores”.

Se a nova lei entrar em vigor será “complicado” aplicá-la, diz Glassey, e “pode ser que alguns não entendam”.

Para ele, a única maneira de fazer com que os roma parem de vir para a Suíça é ajudá-los no país de origem.

 “Resistência”

Independentemente da decisão do Tribunal Federal, nenhum dos lados mostra sinais de desistência. O advogado Rubli acredita que tem uma boa chance de vencer, mas caso isso não aconteça, ele afirma que vai recorrer ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos

Ducommun, do SVP, está determinado da mesma maneira. “Vamos até o fim”, disse ele à swissinfo.ch. “Temos as assinaturas que coletamos em 2013 e um voto parlamentar a favor. Não vamos desistir, mesmo que o Tribunal Federal decida contra nós.”

Não se sabe quanto tempo o tribunal levará para tomar a decisão. Enquanto isso, a aplicação da lei está suspensa e o debate continua.

Adaptação: Heloisa Broggiato

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