Economia ainda não fez revolução na Tunísia
“Trabalho, liberdade, dignidade”, é o que gritavam os tunisianos em praça pública para se livrarem do regime de Ben Ali. Dois anos depois da revolução, para muitos um emprego ainda é uma miragem. O alerta foi lançado pela cooperativa suíça.
“Operadores e operadoras, procuram-se”. Folheando os anúncios publicados na imprensa tunisiana, tem-se a sensação de que, para um jovem recém-diplomado e fluente em um idioma europeu, uma das poucas possibilidades de encontrar um emprego é em um dos muitos “call centers”. Eles proliferam como cogumelos e pagam um salário médio de 600 dinares (400 francos suíços).
Mais do que uma impressão é uma realidade, confirma Belgacem Ben Abdallah, da União dos Diplomados Desempregados (UDD), falando aos membros da delegação suíça presente em Túnis, durante o Fórum Social Mundial. A organização da qual faz parte está entre as que, em sua maioria, contribuíram para acender o pavio da revolução de dezembro de 2010. O slogan “Trabalho, liberdade e dignidade” nasceu das lutas da UDD.
Segundo estatísticas oficiais, no final de 2012, existiam 653 mil desempregados no país, 16,7% da população ativa. Muitos especialistas acham que os dados não refletem os números exatos. Eles seriam piores. A UDD, por exemplo, fala um milhão de pessoas sem trabalho. Cerca de um terço deste total é formado por jovens com diploma universitário.
A situação é ainda mais grave porque desenvolveu-se “uma economia informal na qual a sociedade tornou-se mais frágil devido à alta incrível dos preços”, explica Fathi Chamkhi, membro da Raid/Tunísia. Em 2012, a inflação foi de 5,6%, mas a organização local de proteção ao consumidor estima que ela oscilou, na verdade, entre 10 e 15%.
Depois das revoluções no norte da África, o governo suíço reforçou sua ajuda na região, “para criar as condições ideais para uma transição eficaz”.
A estratégia para a Tunísia, Egito e Líbia baseia-se em três pontos fundamentais:
O primeiro é o apoio à transição democrática e ao reforço dos direitos humanos. Neste campo, Berna ajuda uma estação de rádio, a Associação Tunisiana pela Integridade Democracia das eleições e aa comissão eleitoral tunisiana independente.
O segundo é o desenvolvimento da economia e a criação de vagas no mercado de trabalho. Além do programa de produção de energia renovável e o projeto I- SEMER, a cooperação suíça atua para melhorar a infraestrutura hídrica na região de Kasserine e projetos de formação profissional adequada às necessidades do mercado.
O terceiro campo de intervenção é nos setores da imigração e proteção. A Suíça e a Tunísia ratificaram três acordos de parceria em matéria de imigração e Berna já colocou em prática um programa de repatriação voluntária.
Entre outras coisas, a Suíça fornece também um apoio às autoridades para melhorar a administração das fronteiras e dos fluxos de imigração.
Falta visão econômica
“Ninguém sabe como absorver 800 mil desempregados, observa Hédi Sraib, economista e consultor do Banco Mundial, um dos palestrantes dos diferentes encontros organizados durante o Fórum Social Mundial, ocorrido no fim do mês de março. Mas a coisa mais grave é que esse sistema chegou ao fim da linha. A ascensão social através do diploma universitário, não existe mais.”
Até agora, a revolução não produziu os frutos desejados. “Nada mudou nas escolhas econômicas e sociais do regime de Ben Ali, elas continuam neoliberais”, ressalta Belgacem Ben Abdallah que, como dezenas de milhares de seus conterrâneos, tenta se virar com algumas aulas privadas, ao custo de quatro dinares por hora (2, 50 francos). O lançamento de um projeto por parte de um jovem é muito complicado. “Existe uma enorme burocracia e conseguir um crédito é muito difícil”, observa Belgacem Ben Abdallah, diplomado em Ciências Naturais.
Nos debates sobre o futuro do país, a questão econômica é a grande ausente, até o momento. “A cada semana Ennahda ( ndr: o partido islâmico que venceu as últimas eleições), lança uma provocação para que se fale dele: poligamia, mulher submissa ao homem e assim por diante. Não se fala nunca, porém, dos temas colocados na linha de frente durante a revolução. Nosso problema não o islã, como gostariam de nos enganar, mas, a pobreza e o desemprego”, nos diz a jornalista Sophie Hammami.
Sophia Hammami, jounalista
Nosso problema não o islã, como gostariam de nos enganar, mas, a pobreza e o desemprego.
Criar vagas
Um dos eixos principais da cooperação suíça na Tunísia é exatamente este: concentrar as ações na criação de empregos e na melhoria da competividade das empresas locais.
Depois da revolução, temendo uma onda de imigração, o governo helvético decidiu aumentar o apoio à Tunísia. Em 2013, o valor previsto para o financiamento de projetos no país é de mais de 17 milhões de francos. Cerca de dois terços desse total são destinados às iniciativas de cunho econômico.
A Suíça lançou, por exemplo, o projeto I-SEMER ( Iniciativa suíça para o emprego e para a micro e pequena empresa rural). O objetivo é a criação de dez mil empregos em quatro regiões relegadas a segundo plano. Duas delas foram estopins da revolução de dois anos atrás – Kasserine e de Sidi Bouzid – apenas para citar algumas.
O projeto funciona através do microcrédito, um sistema controvertido pelas altas taxas de juros (em torno dos 15%), mas que parece estar dando resultado. “Atualmente, foram concedidos cerca de 1.800 microcréditos. Para cada um desses projetos foram criados 2,5 empregos, em média”, explica Danielle Meuwly, da Direção de Desenvolvimento e Cooperação (DDC).
Superfície: 163.610 km2
População: 10.549 milhões
Crescimento demográfico anual (desde 1990): 1%
Expectativa de vida para mulheres e homens: 76,7 / 72,6 anos
Taxa de analfabetismo entre mulheres e homens : 29 / 13,6%
Renda nacional bruta “ per capita”: 4.198 dólares americanos
Produção limpa.
Em colaboração com a ONUDI, a agência da ONU para o desenvolvimento industrial, e o Citet, Centro Internacional de Tecnologias Ambientais de Túnis, a Suíça financia ainda um projeto para aumentar a competitividade das empresas tunisianas. Os instrumentos para alcançar este objetivo são a melhoria da administração dos recursos e o uso de tecnologia em energias renováveis. O plano prevê a formação profissional de mais de 200 especialistas em painéis solares e na produção de energia renovável.
“O objetivo é convencer que o setor do meio ambiente pode ser rentável”, observa Alban Bitz, da Sofies de Genebra, empresa especializada em ecologia industrial que colabora com a cooperação suíça. “Por exemplo, num grande hotel conseguimos reduzir o consumo de água de 3 mil a 700 litros por pernoite, em particular através de uma série de intervenções no ciclo de renovação da água da piscina”, explica.
Economizar para investir
A Vacpa, mais importante empresa produtora de damasco na Tunísia, que emprega 1.200 empregados, principalmente mulheres, é uma das 75 empresas que poderão ter acesso a essa consultoria. “Consumimos muita energia para a refrigeração e muita água para a lavagem e conservação dos damasco”, explica Afef Ftouchi, engenheira da Vacpa.
“Nosso objetivo era de reduzir em 5% o consumo de energia e graças a uma série de medidas conseguimos alcançá-lo. Isso representa uma economia de cerca de 30.000 euros. Vamos continuar nesse caminho de economia de energia. Assim, podemos liberar recursos para outros investimentos”, acrescenta a engenheira.
Adaptação: Guilherme Aquino
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