Jovem empresa traz café sustentável da Etiópia
Tomar um café em casa na Europa e pensar na colheita de café nas matas de Agaro, Etiópia. Um casal na Basileia tenta agora juntar aproximar esses dois mundos estranhos.
Dizem que a Etiópia é o berço do Coffea arabica, uma espécie de café natural da Arábia ou da Etiópia, supostamente uma das primeiras espécies de café a ser cultivada pela mão humana. Em Jimma e Kaffa, regiões ocidentais do país, o café não é somente a primeira fonte de renda dos agricultores, mas também de inspiração para mitos e lendas e centro da cultura e tradições locais.
Esse apreço pela produção e consumo do café atraiu os pequenos empresários Michaël e Marie Tuil às florestas etíopes há alguns anos. Os dois são fundadores da Direct CoffeeLink externo, uma jovem empresa voltada a um principal objetivo: garantir café sustentável e de alta qualidade conhecendo melhor as pessoas que o produzem.
“Queríamos abrir a caixa preta do comércio do café. Não apenas é importante para os amantes da bebida entender de onde o produto vem”, ressalta Michaël Tuil. “Os agricultores também nos perguntavam quem eram as pessoas que bebiam o café colhido por eles. Há uma grande ignorância nessa questão.”
A vontade de responder à questão levou os jornalistas Conradin Zellweger e Marco Frauchiger a participar da colheita do café na Etiópia em novembro de 2018. Anualmente, a Direct Coffee organiza uma viagem para amantes da bebida. No programa estão previstos encontros com agricultores, “provas cegas” da bebida e uma mostra de como é complexo levar o café das florestas até a xícara dos consumidores na Europa.
O artigo é baseado em entrevistas e observações feitas pelos jornalistas Conradin Zellweger e Marco Frauchiger durante a reportagem na Etiópia. Entrevistas adicionais foram realizadas por swissinfo.ch na Suíça. O artigo original foi publicado na revista “Surprise”.
Cor da paixão
As frutas vermelhas do café se escondem entre o verde escuro da floresta de Kottaa. “Quando vejo esse brilho vermelho tenho até uma reação emocional”, afirma Jacques Prodolliet.
Prodolliet trabalhou como responsável de qualidade para a multinacional alimentar Nestlé por trinta anos antes de se aposentar. Sua profissão se tornou uma paixão, que o leva a buscar o melhor café do mundo e comercializá-lo a preços justos para os agricultores.
O que mais impressionou Prodolliet durante sua viagem à Etiópia foi descobrir a complexidade do processo de produção do café. “Há muitas coisas que podem dar errado”, diz. Cada passo é meticuloso, desde o cuidado com as árvores e a colheita das frutas quando está madura, lavagem e o cuidadoso processo de secagem após a retirada dos caroços.
+ A maior parte do café que você bebe tem um pouco de Suíça
Tuil explica que o café arábico cresce selvagem no seu ambiente natural na Etiópia, que é rica em biodiversidade e sombra oferecida pelas árvores, o que torna possível evitar o uso de pesticidas. No entanto, os agricultores sofrem a pressão constante devido às mudanças climáticas e escasseamento da água, que é utilizada intensivamente na produção.
“Graças às mudanças climáticas e ao desflorestamento, a chamada Coffee berry disease (Colletotrichum kahawae, uma doença fúngica que ataca o café em lavouras africanas) se tornou um problema crescente para a produção de café na Etiópia”, explica um pesquisador etíope.
Uma gota no mar
Apesar de Direct Coffee ser apenas uma pequena empresa no mercado, ela faz parte de uma nova tendência de ir além de certificações como “Fairtrade” e “Organic” para tomar decisões de compras eticamente corretas.
Os selos de qualidade são críticados por serem demasiadamente caros para produtores em pequena escala e não trazer benefícios suficientes para os pequenos agricultores, responsáveis pela grande parte do valor criado na cadeia de abastecimento. Algumas grandes empresas como Nestlé e Starbucks vão além das certificações de terceiros, dando preferência a padrões de sustentabilidade próprios, controlados por auditorias.
Os consumidores também são hoje informados sobre os problemas sistêmicos ligados à comercialização do café, dentre eles as fortes oscilações dos preços da matéria-prima na bolsa de mercadorias de Nova Iorque.
Essas flutuações se tornaram um grande problema para os agricultores: no início do ano os preços caíram fortemente. Tuil explica que a Direct Coffee negocia o café diretamente com as associações de produtores (formados por inúmeras cooperativas) e no ano passado pagava três francos por libra (0,45 gramas) pelo café verde (antes da torrefação), enquanto o preço na bolsa era de apenas um franco.
A Suíça é o centro mundial do comércio de café. Não apenas é o terceiro maior exportador do produtoLink externo depois da União Europeia e Estados Unidos, mas também o lugar onde 50% do café mundial é negociado.Link externo
A Suíça também é o país onde estão instalados os seis maiores comerciantes de commodities do mundo. Porém raramente essas grandes empresas têm contatos com os próprios produtores. “Muito dos importadores de café comercializam centenas de toneladas de café, mas não gastam o seu tempo para conhecer os agricultores e seus problemas”, critica Tuil.
Esse comércio global do café funciona no que Tuil define como “caixa preta”: trata-se de um negócio que envolve milhares de intermediários e cuja rastreabilidade é bastante limitada até a fonte original.
Direct Coffee tenta mostra que existem outros caminhos ao utilizar a tecnologia. Ela detecta cada container e permite os consumidores acompanhem a jornada do café da cooperativa de agricultores na Etiópia até o Djibouti. Depois o transporte de navio até o porto da Antuérpia e, finalmente, a chegada no torrefador em Genebra. A empresa também mostra qual o valor que pagou a cada pessoa ou grupo para determinar o preço final.
À medida que a cultura do café se expande nas grandes cidades como Zurique ou São Francisco, aumenta a demanda por esse tipo de informação.
Tuil acredita que sua nova proposta de comercializar o café pode fazer escola. Grandes empresas como a Nestlé também lançaram programas de controle total da cadeia de produção: “Farmer ConnectLink externo” ajuda e compra diretamente de pequenos produtores.
Por enquanto, os fundadores da Direct Coffee descartam vender a empresa a uma grande multinacional. “Esperamos poder inspirar outras empresas, mostrando o que é possível e, talvez até, ajudando a mudar o comércio de café no mundo.
Adaptação: Alexander Thoele
Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!
Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.