Eleições no Brasil podem dar um novo impulso ao livre comércio
Enquanto os acordos de livre comércio com países europeus enfrentam atrasos, a América Latina se abre à Ásia. Porque as próximas eleições presidenciais no Brasil são cruciais para a Suíça e sua intenção de ratificar um acordo de livre comércio.
Em um debate televisionado, o presidente Jair Bolsonaro acusou seu oponente, o ex-chefe de estado Luiz Inácio Lula da Silva, de ter liderado o governo mais corrupto da história do Brasil. Este último contra-atacou afirmando que “Este país que governei é um país que o atual presidente está destruindo”.
A campanha eleitoral está a pleno vapor. Para a Suíça, o resultado das eleições brasileiras de outubro é importante. Quem quer que seja o próximo presidente do Brasil, ele influenciará se a Suíça ganhará acesso ao mercado latino-americano.
Atrasos no Acordo de Livre Comércio
Juntamente com os demais estados da EFTA (European Free Trade Association), Noruega, Liechtenstein e Islândia, a Suíça negociou um acordo de livre comércio com os estados do Mercosul: Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Entretanto, ainda não está claro quando o acordo poderá ser ratificado.
Arquivo de mídia. Echo der Zeit de 24.08.2019: A EFTA e o Mercosul acordam um acordo de livre comércio.
Segundo a Secretaria de Estado para Assuntos Econômicos (Seco), os atrasos se devem à mudança de governo na Argentina e à pandemia de Corona. Além disso, ainda há diferentes interpretações sobre o conteúdo do acordo que precisam ser esclarecidas.
Segundo Manfred Elsig, diretor de pesquisa do Instituto Mundial do Comércio da Universidade de Berna, o acordo estaria pronto para ratificação pela Suíça de um ponto de vista puramente econômico. As preocupações da agricultura suíça com relação à liberalização, por exemplo, poderiam ter sido amplamente dissipadas. “Um pouco mais difícil é o fato de que o atual presidente brasileiro e sua política amazônica têm provocado muitas críticas na Suíça. Organizações não-governamentais veem um acordo comercial como uma forma de enviar um sinal errado”.
De fato, tem havido protestos tanto na América Latina quanto na Suíça contra o tratado, que é descrito ora como “neocolonialista” ora como “disparate de política ambiental”.
Nesse contexto, as ONGs não ficariam descontentes se o acordo de livre comércio desaparecesse em uma gaveta, como foi confirmado por um inquérito na Alliance Sud, uma associação de organizações não governamentais suíças de cooperação internacional.
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Proteção ambiental versus livre comércio
Também na União Europeia (UE), o desmatamento da floresta tropical no Brasil é um dos obstáculos para a ratificação do acordo de livre comércio; acordo este que a própria UE negociou com o Mercosul durante décadas. O Parlamento Europeu está insistindo em melhorias na área ambiental.
A UE espera atualmenteLink externo que, com a ajuda do Brasil, esses acordos adicionais sejam assinados e selados até o final do ano, e que as eleições no Brasil favoreçam o acordo com o Mercosul.
Isso também seria conveniente para a Suíça, pois a disputa comercial entre a UE e o Mercosul está contribuindo para a prolongada ratificação do acordo com o EFTA. “Nós basicamente compartilhamos a preocupação da UE com a situação ambiental e estamos em contato com a Comissão Europeia”, escreve a Seco, mas ao mesmo tempo aponta que a situação com o acordo UE-Mercosul é diferente. Isto levaria a novos fluxos comerciais de produtos ambientalmente sensíveis, enquanto o acordo EFTA-Mercosul não teria impacto significativo sobre o meio ambiente, de acordo com um estudo da Universidade de BernaLink externo. Segundo os cálculos do modelo, o acordo de livre comércio aumentaria o desmatamento nos países do Mercosul em 0,02%, no pior dos casos, em 0,1%. No entanto, os autores projetam um efeito menor ou mesmo inexistente.
A Suíça não tem necessariamente que esperar que a UE conclua suas negociações com o Mercosul, acredita a Elsig. O vento de proa na UE parece ser maior do que na Suíça.
Lula ou Bolsonaro?
Bolsonaro está atualmente atrás nas urnas, e a UE tem grandes esperanças com Lula. Ele prometeu à ReutersLink externo que revisaria o acordo com a UE e acrescentaria cláusulas de direitos humanos e proteção ambiental para que ele ainda pudesse ser ratificado. “Presumimos que o governo sob Lula também tem interesse em finalizar o acordo”, diz também a SECO.
Mas no final das contas, seria isto apenas uma promessa de campanha eleitoral? Philippe G. Nell, embaixador honorário da Câmara de Comércio Suíço-Latino-Americana, diz: Durante suas duas primeiras presidências, Lula não se concentrou no livre comércio no âmbito do Mercosul, mas no progresso no setor social (abonos de família, saúde, acesso à educação, infraestrutura, eliminação da fome, aumento do salário-mínimo e fortalecimento dos direitos dos trabalhadores). Para um possível novo mandato, Lula planeja se concentrar no fortalecimento da cooperação Sul-Sul com a África e a América Latina.
“Lula e seu partido tentarão então fortalecer o Brasil como um local de negócios dentro da América Latina sem expô-lo a mais concorrência através de acordos de livre comércio com países desenvolvidos”. Isto significa, disse ele, que a perspectiva de concluir um acordo de livre comércio tanto para os países da UE quanto para os países da EFTA provavelmente se tornará uma perspectiva distante no caso de uma nova presidência Lula.
O senador brasileiro Nelsinho Trad é presidente do Grupo Parlamentar Brasil-Suíça, que foi fundado em abril de 2022Link externo. Ele ressalta que enquanto o presidente desempenhará um papel importante ao estabelecer sua política de comércio exterior, é o Congresso, ou seja, o parlamento, que ratifica os acordos internacionais. “O Congresso ainda não teve a oportunidade de discutir a ratificação do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a EFTA”. Entretanto, ele está convencido de que o parlamento aprovaria este acordo, de que o grupo parlamentar Brasil-Suíça é um instrumento de intercâmbio entre os parlamentos e que este poderia contribuir para a discussão no Senado.
Mercado Comum do Sul
O cônsul honorário Philippe G. Nell também afirma que a crise em curso na vizinha Argentina, com uma das maiores taxas de inflação do mundo e sérios problemas de balança de pagamentos, não levará o governo a abrir ainda mais sua economia à concorrência internacional.
O recém-eleito Presidente da Argentina, Fernandez, está exigindo mais concessões de mercado do regime de importação da UE e, portanto, também da EFTA. “Haveria um impulso semelhante se Lula fosse eleito no Brasil”, diz Elsig. Embora Lula fosse mais solidário com a proteção ambiental, ele certamente gostaria de conseguir melhor acesso ao mercado para sua própria indústria e agronegócio.
“Por outro lado, é importante para o Mercosul como união aduaneira demonstrar mais uma vez sua capacidade de ação, que os tratados podem ser negociados com sucesso como um grupo”, diz Elsig. Trata-se também do projeto de integração do Mercosul e de um posicionamento unificado dos Estados membros em matéria comercial. “Os esforços do Uruguai para negociar um acordo comercial separado com a China já provocaram tensões internas consideráveis”.
Ásia ao invés da Europa
Existem sinais crescentes de que o Mercosul poderia se abrir principalmente para a Ásia e apenas secundariamente para a Europa. O Mercosul concluiu recentemente as negociações com Cingapura sobre um acordo de livre comércio, e negociações similares também estão em andamento com a Coréia do Sul. O Brasil, entretanto, quer negociar com a Indonésia um acordo e o Uruguai quer prosseguir com o livre comércio com a China, mesmo por conta própria, se necessário.
A América do Sul tem matéria prima, produz alimentos e é um grande mercado. Isto torna a região um parceiro economicamente interessante, sobretudo tendo em vista os efeitos da guerra da Ucrânia.
A UE anunciou recentementeLink externo que definiu o acordo de livre comércio com o Mercosul como uma prioridade a fim de ganhar terreno em relação à China na América Latina.
A Suíça também quer aderir ao acordo: “Estamos empenhados em finalizar o acordo o mais rápido possível”, assegura a SECO. A melhoria do acesso aos mercados do Mercosul é de grande importância para a economia suíça. “Especialmente em tempos turbulentos como estes, condições estruturais estáveis são de importância central para nossa economia de exportação”. Segundo o governo, o acordo isentará cerca de 95% das exportações suíças para os países do Mercosul de direitos alfandegários a médio prazo.
“Ainda é muito cedo para engavetar o acordo”, diz Manuel Elsig do Instituto Mundial do Comércio da Universidade de Berna. Não seria necessário muito para que o acordo EFTA-Mercosul ganhasse apoio político suficiente de ambos os lados.
Neste caso, as ONGs terão apostado cedo demais em um fracasso deste tratado econômico transcontinental.
Edição: Balz Rigendinger
Adaptação: DvSperling
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