Um guia de carreira em tempos incertos
O italiano Paolo Gallo, diretor de recursos humanos do World Economic Forum, discute do que é feita uma carreira de sucesso e orienta quem quer se dar bem no mundo corporativo sem perder os valores essenciais, no livro A Bússola do Sucesso, em lançamento em língua portuguesa.
Paolo Gallo tem um interesse genuíno por gente. Com uma carreira de mais de 20 anos em recursos humanos, o italiano comanda desde 2014 o RH do Fórum Econômico Mundial (World Economic ForumLink externo), em Genebra. Durante dois anos, usou seu tempo de descanso, das 21 horas à meia noite, para escrever o livro A Bússola do Sucesso, em lançamento em português pela editora Benvirá.
O livro, publicado em setembro de 2016 em língua italiana e já com edições programadas em inglês e em mais outras quatro línguas, é um guia para gestão de carreira. Ao longo dos nove capítulos, Paolo, que também é coach, convida o leitor a refletir sobre como construir uma carreira bem-sucedida permanecendo fiel aos seus valores.
swissinfo.ch: Por que é tão difícil descobrir “o tesouro dentro de nós”, ou seja, aquilo que realmente amamos fazer, e ainda encontrar um trabalho que seja conectado a esse “tesouro”?
Paolo Gallo: O primeiro capítulo do livro se chama “O tesouro escondido” e ali retomo o fato de que os seres humanos estão o tempo todo correndo atrás da felicidade, sem entender que ela está dentro de cada um. A felicidade não está em ganhar na loteria, em dirigir uma Ferrari ou o que quer que seja no mundo exterior. Usei minha formação de coach na primeira parte do livro para oferecer algumas ferramentas para que as pessoas possam refletir, compreender e encontrar esse tesouro dentro delas. E é justamente por isso que comecei o capítulo citando Mark Twain: ‘Os dois dias mais importantes da sua vida são: o dia em que você nasce e o dia em que você descobre o porquê. ’ Uma carreira de sucesso começa a partir da compreensão do seu propósito, motivação, talento e habilidades.
Biografia
O italiano Paolo Gallo construiu uma carreira internacional. Depois de se graduar pela Universidade Luigi Bocconi em Milão, o executivo passou pelo Citibank, pela International Finance Corporation, em Washington, pelo European Bank, em Londres, e pelo Banco Mundial. Ingressou no World Economic Forum em abril de 2014 com a objetivo, entre outros, de buscar talentos que estejam alinhados à missão da instituição, que é melhorar as condições do mundo em que vivemos. Gallo também é coach, o que também o ajudou na preparação do livro. A Bússola do Sucesso traz questionamentos e dicas de como se preparar para o mercado de trabalho e buscar as empresas que estejam mais alinhadas aos valores de cada um.
swissinfo.ch: Alinhar o propósito e a paixão à realidade do mercado de trabalho nem sempre é uma missão simples…
P.G.: Não é. Não estou tentando justificar ou achar desculpas. Na Universidade Luigi Bocconi, onde me formei, por exemplo, se defendia que a melhor estratégia para o recém-graduado era buscar um trabalho num banco de investimento americano, como Goldman Sachs, JP Morgan ou Citibank. Ali o jovem teria chances de fazer muito dinheiro, talvez ir morar nos Estados Unidos e por aí vai. Neste contexto, a sociedade em que vivemos valida o sucesso da pessoa tendo como parâmetro a empresa na qual ela trabalha. Não estou dizendo que isso é ruim. O que estou ressaltando aqui é a importância de nos perguntarmos antes de tudo sobre o que queremos e para onde vamos antes de aceitar cegamente esse modelo de sucesso nos apresentado pela sociedade.
swissinfo.ch: Você poderia sugerir três atitudes que um candidato deve tomar para conhecer melhor a empresa ao participar de uma entrevista de trabalho?
P.G.: Ele deve fazer o dever de casa. Primeiramente, consultar a página web da empresa, checar as informações no LinkedIn, e, se for caso, contatar um ex-funcionário a fim de entender melhor a cultura da organização. Uma outra forma para entender a cultura da empresa é avaliar quem está no topo e tentar entender como essa pessoa chegou lá. Esse profissional chegou lá porque é competente, é qualificado, é especialista em sua área? Ou está no topo porque é amigo do CEO? Ou foi recomendado por um político? Ao fazer esse tipo de análise, o candidato poderá perceber se essa organização tem um modelo de gestão baseado na meritocracia, ou se usa outros mecanismos.
swissinfo.ch: O World Economic Forum conta com um time de 650 pessoas de 78 nacionalidades. Saber comunicar com pessoas provenientes de diversas culturas e com visões de mundo diferenciadas pode ser um desafio…
P.G.: Eu encaro isso de forma positiva. Primeiramente, pense num cenário oposto a esse: todo mundo é igual, vem da mesma cultura, pensa da mesma forma, e se estressa do mesmo jeito. Isso é a Coréia do Norte. Se você acredita que estamos numa situação ruim, então, o convido a fechar os seus olhos e imaginar estar na Coréia do Norte. Aí, compare.
Em segundo lugar, a diversidade é a direção para a qual o mundo está caminhando, mesmo que alguns políticos queiram colocar muros e parar o que geneticamente e demograficamente já ocorre. A Suíça, inclusive, é um exemplo claro da apreciação da diversidade: 26 cantões, com diferentes perspectivas, 4 línguas, com um país unido como pano de fundo.
swissinfo.ch: Então como lidar com tudo isso?
P.G.: Para mim, é mais do que aprender uma língua, o que é um componente desse contexto, mas entender que as pessoas veem a vida de forma diferente, respeitando seus pontos de vista, e compreendendo que ninguém é dono da verdade. Sabemos para onde o radicalismo de quem pensa deter a verdade pode nos levar. A capacidade de operar através das diferentes culturas é um componente fundamental não apenas de um profissional bem-sucedido, mas de um ser humano bem-sucedido.
swissinfo.ch: Sabemos que a tecnologia avança em todas as frentes. Qual é a melhor maneira de encarar a rápida mudança das habilidades demandadas pelo mercado de trabalho?
P.G.: Por um lado, é verdade, temos acesso a toneladas de informação diariamente. Eu, por exemplo, tenho 4 contas de e-mail, além das contas de Twitter e LinkedIn. Recebo em média, por dia, de 300 a 400 mensagens. Ao checar essas contas e navegar pela internet, pensamos que estamos sempre atualizados. No entanto, o fato é que estamos constantemente distraídos.
Nesse caso, minha sugestão é: certifique-se de que você tem momentos diários livres desse excesso de tecnologia. Use esse tempo para refletir, ler, conversar com as pessoas que são importantes para você sem ter um telefone celular à sua frente. Estimule seu pensamento crítico. Abrace a tecnologia, mas permaneça humano ao manter espaço para reflexão. Nada substitui o contato humano.
swissinfo.ch: De acordo com a pesquisa de satisfação feita pela empresa norte-americana Gallup, apenas 13% dos funcionários mundo afora se sentem comprometidos com o trabalho que fazem. O que acontece?
P.G.: A pesquisa do Gallup é feita todo mês nos Estados Unidos. Uma das questões apresentadas é: você está ativamente procurando um emprego? E cerca de 1/3 dos respondentes diz que está ativamente procurando um emprego. Na maior parte dos casos, acredito que haja uma insatisfação profunda com a atividade que a pessoa está desenvolvendo, ou com a empresa em que trabalha, ou na atitude do chefe ou do time. Esse número realmente causa preocupação. Acho que as organizações e profissionais têm que refletir sobre isso.
No nível individual, um aspecto relevante é que em qualquer atividade que faça, se não conseguir se conectar com aquilo que o motiva, com aquilo que é um valor para você, provavelmente será apenas um coelho correndo loucamente. Não será um ser humano. É preciso estar minimamente alinhado com os seus valores e os da organização. É por isso que organizações têm uma missão. Normalmente, as pessoas mais satisfeitas são aquelas cujos valores estão mais alinhados aos da organização. A capacidade da organização em conectar as atividades dos colaboradores a um propósito que seja significativo para eles faz toda a diferença. E se cortar o cordão umbilical entre seu propósito e o da empresa, você será uma máquina, talvez uma máquina bem paga. Mas apenas uma máquina.
swissinfo.ch: Ao participar do encontro anual do World Economic Forum em Davos, você tem se deparado com políticos, executivos e artistas renomados. O que você tem aprendido com eles?
P.G.: Tenho uma filha de 11 anos. Imaginemos por um segundo que eu possa ter influência sobre suas escolhas profissionais, o que, na prática, não é uma boa ideia porque ela é quem tem que decidir. Nesse caso, eu iria, sem dúvida, sugerir que ela se tornasse uma cientista – não uma CEO, nem uma figura política. O que percebi, inclusive em trabalho anterior, é que esses cientistas têm um amor genuíno a um tema (física, química, psicologia, matemática etc.), e nunca param de aprender. Encontro prêmios Nobel que continuam estudando aos 70 anos. Agora, quando você olha para CEOs e políticos, geralmente, essas pessoas vivem aterrorizadas em perder seus empregos ou eleições.
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