WEF em Davos ocorre em ano de descontentamento
Ameaças de convulsões sociais testam a coragem das elites políticas e empresariais quando ocorre o Fórum Econômico Mundial (WEF), o início de um ano inquietante e imprevisível.
O custo elevado dos combustíveis e alimentos contribuiu para protestos em vários países em 2022. O descontentamento popular levou a mudanças políticas no Sri Lanka, Grã-Bretanha, Peru e Brasil, este chegando até a viver uma invasão violenta de prédios governamentais na sua capital no início de janeiro. Foram cenas que lembraram a invasão do Capitólio nos Estados Unidos em 2021.
“As pessoas estão ficando insatisfeitas com a sociedade e questionando seu papel na sociedade”, avalia Morris Pearl, presidente do “Milionários Patriotas”, um grupo de pessoas abastadas dos Estados Unidos que luta paradoxalmente por aumento de impostos em prol do combate às desigualdades. “Essa insatisfação popular é fundamentada. Muitos acreditam que o sistema está contra elas. E se os ricos não mudarem voluntariamente, podemos viver uma situação que os pobres irão insurgir.”
Os economistas preveem que os problemas irão aumentar, aumentando a pressão sobre lares em todas as partes do globo. O Fundo Monetário Internacional (FMI) adverte que um terço da economia mundial poderá entrar em recessão a partir de 2023. A inflação deixará de crescer, mas ainda atingirá 6,5% globalmente (em comparação à previsão de 8,8% de inflação em 2022). “Para a maior parte da economia mundial, será um ano mais difícil do que 2022. Por quê? Porque as três grandes economias, EUA, UE e China, estão desacelerando simultaneamente”, disse em entrevista ao canal de televisão CBS.
Pior está por vir
Os 2.500 participantes que costumam participar do encontro realizado anualmente na estação de esqui de Davos, uma comuna da Suíça, no Cantão Grisões, com cerca de 11.166 habitantes, já discutiram várias crises globais. Porém desta vez é mais difícil saber como cumprir a intenção declarada do WEF de “melhorar a situação do mundo”.
Os países ainda estão pagando a conta de dois anos de restrições impostas para combater a pandemia de Covid-19 em meio à preocupação de que o vírus possa voltar a se disseminar quando a China reabrir suas fronteiras.
O derramamento de sangue infligido pela invasão russa da Ucrânia não mostra sinais de abrandamento. O aumento do custo da energia e de muitos alimentos básicos contribuem à inflação de bens de consumo, que coloca mais pessoas em dificuldades financeiras.
A Oxfam Internacional, uma confederação de 19 ongs atuante em mais de 90 países, alertou durante o encontro do WEF do ano passado que a pandemia, a inflação e a guerra da Ucrânia poderiam empurrar 263 milhões de pessoas à pobreza.
A Oxfam teme que a ruptura social seja aberta pela crescente desigualdade, porque os grupos de baixa renda sofrem mais com a inflação. “O aumento do custo de vida segue a crise do Covid-19. A comunidade global e os governos falham em evitar o maior aumento da pobreza extrema em 20 anos”, declarou a ONG.
Mesmo um país tão próspero como a Suíça não se salva das dificuldades. A valorização do franco contribuiu para manter a inflação abaixo dos 2,8% no ano passado, mas esta é ainda uma alta de 30 anos.
As últimas estatísticas oficiais afirmam que 735 mil habitantes (população total: 8,5 milhões), ou 8,7%, viviam na pobreza em 2019. Caritas, organização humanitária da Igreja Católica, acredita que a proporção de pobres aumentou após a pandemia e um ano de inflação.
Para um número crescente de pessoas “que já viviam dificuldades, agora simplesmente não há o suficiente no final do mês para cobrir as despesas correntes”, declara Livia Leykauf, porta-voz da Caritas.
Como tantas pessoas vivendo na base da linha da pobreza, um aumento ínfimo no custo de vida já pode dobrar as taxas de pobreza na Suíça, concluiu um estudo da Caritas de 2022. “Presumimos que a situação vai se deteriorar ainda mais nos próximos meses e que mais pessoas serão afetadas pela pobreza”.
Ajuda do WEF
O Fórum Econômico Mundial de Davos vai ocorrer entre os dias 16 e 20 de janeiro sob o lema: ‘Cooperação em um mundo fragmentado’. O WEF teme que o mundo esteja enfrentando uma “década de incerteza e fragilidade” diante da guerra da Ucrânia, aumentando as tensões entre a China e o Ocidente, a escassez de alimentos em muitos países e a questão não resolvida de como enfrentar a mudança climática.
Os entrevistados no Relatório Anual de Riscos Globais do WEF classificam a “Crise do Custo de Vida” como a principal ameaça de curto prazo à estabilidade, pois permite levar ao “aumento da pobreza, fome, protestos violentos, instabilidade política e até mesmo ao colapso do Estado”.
“A agitação social e a instabilidade política associadas não serão contidas aos mercados emergentes, já que as pressões econômicas continuam a deteriorar a renda média da população”, o que poderia colocar “desafios existenciais aos sistemas políticos em todo o mundo”, escreve o relatório.
O risco de “Erosão da Coesão Social e Polarização Societal” passa do sétimo lugar no Relatório Global de Risco de 2022 para a quinta causa mais provável de instabilidade.
O WEF se vê como parte da solução para os problemas do mundo, reunindo pessoas e grupos influentes, dispostos a enfrentar as questões mais urgentes.
Mas outros não estão tão certos. Os “Milionários Patriotas” fizeram uma crítica ferina no ano passado. “A verdade é que Davos não merece a confiança do mundo neste momento. Por todas as incontáveis horas passadas falando em fazer do mundo um lugar melhor, a conferência produziu pouco valor tangível em meio a uma torrente de autocongratulações.”
E Morris Pearl não vê nenhuma mudança um ano depois. “O WEF simboliza a desigualdade. Eles ganham uma enorme quantia com as taxas pagas pelos participantes. Não vi nenhuma evidência sólida de que as pessoas que dirigem a conferência – ou os participantes – estejam planejando mudar o curso desta crescente desigualdade”, criticou.
Adaptação: Alexander Thoele
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