Suíça das grandes tabaqueiras acolhe evento mundial da luta antifumo
Genebra foi durante duas semanas capital mundial da luta antitabagismo com um paradoxo em pano de fundo: país hóspede de dois eventos maiores articulados sob a égide da Organização Mundial da Saúde (OMS), a Suíça continua a jogar fortemente no campo oposto.
A Suíça não só esteve ausente destes eventos, pois o parlamento nunca ratificou a convenção assinada em 25 de junho de 2004, mas é também um dos principais quartéis-generais e porto seguro da poderosa indústria do tabaco.
“Foi dado um passo importante rumo à introdução, até 2023, de um sistema mundial de rastreamento dos produtos de tabaco que permitirá conhecer o percurso desde a fábrica ao ponto de venda,” disse à swissinfo.ch em Genebra a Chefe do Secretariado da Convenção-Quadro da OMS para o Controle do TabacoLink externo (CQCT, na sigla inglesa FCTC – Framework Convention on Tobacco Control), a brasileira Vera Luiza da Costa e Silva. Um grupo de trabalho apresentará dentro de dois anos um relatório sobre a implementação nos diversos países. Um avanço que acontece apesar dos esforços desenvolvidos pela indústria do tabaco para contrariar as intenções da OMSLink externo.
Delegações de mais de 137 países trabalharam na sede da OMS para definir prioridades no sentido implementar globalmente o controle do tabaco, numa série de sessões que precederam a primeira Reunião das Partes do Protocolo para Eliminar o Comércio Ilícito de Produtos de Tabaco, que entrou recentemente em vigor.
A 8ª sessão da Conferência das PartesLink externo (COP), a instância deliberativa da Convenção-Quadro da OMS para o Controlo do Tabaco, que garante a boa implementação do tratado, contou com a participação de mais de 1500 delegados e peritos da prevenção do tabagismo. Após o encerramento da sessão da COP, reuniram as Partes do Protocolo para Eliminar o Comércio Ilícito de Produtos de Tabaco.
Suíça: porto seguro da indústria
Em território da Suíça francófona estão instalados três gigantes do setor tabaqueiro. A Japan Tobacco International (JTI) está em Genebra, a Philip Morris International (PMI) em Lausanne, Cantão de Vaud, e a British American Tobacco (BAT) entre Lausanne e Boncourt, no Jura. Empregadoras de um total de mais de quatro mil pessoas, estas multinacionais mantêm na Suíça muito mais do que simples atividades administrativas, implantadas com importantes unidades fabris consagradas à produção do tabaco: a PMI em Neuchâtel, desde 1957, a BAT em Boncourt há dois séculos e a JTI no Cantão de Lucerna desde 1970.
“A entrada em vigor do Protocolo, no dia 25 de setembro, constitui um marco na história do controle do tabaco e da luta contra o tabagismo, pois o Protocolo contém uma gama completa de medidas muito específicas consagradas ao combate contra o comércio ilícito, distribuídas em três categorias: prevenção do comércio ilícito, promoção da aplicação da lei e fornecimento da base legal para a cooperação internacional”, sublinhou a Dra. Vera Luiza da Costa e Silva.
Contrabando de cigarro
Uma grande parte do total de cigarros consumidos no mundo provém do comércio ilícito: um em cada dez. Para além dos cigarros, o contrabando inclui uma enorme quantidade adicional de outros produtos do tabaco, como tabaco para narguilé, tabaco para cachimbo, charuto ou kretek, o cigarro-de-cravo. “Mas o público em geral raramente está consciente de que o contrabando de produtos de tabaco segue aproximadamente as mesmas linhas de mercado que servem ao contrabando de drogas ilícitas e de armas e é gerido por grandes redes criminosas com ligações ao terrorismo e outras atividades ilegais”, sublinha a responsável da OMS.
Com a ratificação pelo Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, no dia 28 de junho, foi alcançado o número necessário de Partes do Protocolo para que este primeiro instrumento juridicamente vinculativo pudesse entrar em vigor, o que aconteceu em 25 de setembro.
Vera Costa e Silva ressalva que o comércio ilícito não diz apenas respeito ao produto contrabandeado: é igualmente o produto falsificado, produzido dentro do país sem ser submetido aos procedimentos legais de regularização. Implica uma perda de receitas por parte dos governos, pois subtraídos à estrutura legal formal de venda, os produtos do tabaco são vendidos a preços mais baixos porque não são taxados. Escapam também às medidas políticas do controlo do tabagismo, como por exemplo as advertências sanitárias colocadas nos pacotes e maços.
“As consequências nefastas de um acesso facilitado atingem principalmente a população de baixo nível socioeconómico, que é a faixa populacional que geralmente fuma mais, e adolescentes e crianças, porque estes produtos de tabaco são vendidos avulso, no mercado informal, nas ruas, indiscriminadamente vendidos a menores”, acrescenta a Chefe do Secretariado da CQCT. As redes criminosas que operam o contrabando dos produtos de tabaco são as mesmas que controlam o tráfico de drogas, álcool, armas, medicamentos falsificados, etc.
Importância de acordo
Tudo isto mostrou aos países que era necessário um tratado internacional que lidasse com as questões envolvidas nesta disponibilização, comercialização e consumo de produtos de tabaco ilícitos e que pudesse traduzir-se em acordos entre governos, bilaterais ou multilaterais, que permitissem enfrentar este procedimento criminoso.
O Protocolo requer o estabelecimento de um regime mundial de rastreamento que permita aos governos acompanhar efetivamente os produtos de tabaco desde seu ponto de produção até o primeiro ponto de venda. Prevê também a cooperação internacional intensiva em diversas áreas, desde a partilha de informações, assistência na aplicação técnica e legal, cooperação na assistência jurídica e administrativa mútua e na extradição.
Vera Luiza da Costa e Silva
A brasileira Vera Luiza da Costa e SilvaLink externo assumiu em 20 de junho de 2014 a chefia do Secretariado da Convenção-Quadro da OMS para o Controle do Tabaco (CQCT), para um mandato de quatro anos, na sede da OMS em Genebra, na Suíça, substituindo o Dr. Haik Nikogosian.
A Dra. Vera Luiza da Costa e Silva tem um doutoramento em Ciências da Saúde pela Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). Participou ativamente nas negociações para a CQCT da OMS e ocupou cargos importantes na OMS. Antes de ingressar no Secretariado da Convenção, foi coordenadora do Núcleo de Estudos em Fumo e Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ).
O Protocolo prevê, da mesma forma que o Tratado, que os países estabeleçam medidas que previnam a interferência da indústria do tabaco na implementação do protocolo. Isto porque tem sido provado que a indústria do tabaco faz parte deste processo do comércio ilícito, colhendo lucros maiores quando o produto escapa aos impostos e também usando o mercado negro para introduzir produtos que quer testar antes de os lançar oficialmente. A indústria do tabaco declara-se pronta a trabalhar contra o comércio ilícito, mas a única preocupação do sector é a falsificação dentro dos países, que entra em competição com o lucro das grandes tabaqueiras. “A verdade é que beneficia do comércio ilícito, pois todos os produtos do tabaco contrabandeados são manufaturados com base nos produtos que vêm da indústria do tabaco,” esclarece a responsável da OMS.
Indústria do fumo no Brasil e Suíça
“O caso do Brasil é emblemático. O Brasil é o segundo maior produtor e o maior exportador de tabaco do mundo. A indústria compra a matéria-prima aos plantadores, que mantém numa dependência de quase-escravatura, e exporta-o para os países vizinhos, especialmente o Paraguai,” explica a Chefe do Secretariado da CQCT. “O Paraguai importa uma quantidade de tabaco muito superior à que é consumida pela sua população. Na zona próxima da fronteira com o Brasil existem numerosas fábricas de cigarros cuja produção entra no Brasil como contrabando. Este tabaco é exportado sem taxação, o imposto sobre o tabaco no Paraguai é insignificante, inferior a 10%, e a produção volta para o Brasil. Todo este ciclo foge aos impostos, o que catapulta enormemente o lucro envolvido, e é a indústria que beneficia.”
Segundo Vera Costa e Silva, a indústria do tabaco cria grupos de fachada contra o comércio ilícito para entrar na discussão das políticas de implementação com um discurso que procura responsabilizar a taxação do tabaco pelo aumento do contrabando, fazendo um lobby intenso para defender este argumento junto dos governos para que não aumentem os impostos e os preços.
“Um argumento falso,” sublinha, “pois o aumento de impostos e preços aumenta a entrada de dinheiro nos cofres públicos e não tem impacto sobre o nível de contrabando. A luta contra o contrabando exige outras formas de abordagem: através do controlo do produto, do controlo de fronteiras, do combate à corrupção e à criminalidade. Este é aliás o argumento a que a indústria do tabaco recorre para atacar a política das embalagens sem imagens de marca, a proibição de fumar em ambientes fechados.”
A Chefe do Secretariado da CQCT deixa um apelo à Suíça: é tempo de as autoridades helvéticas darem o passo em frente e aderirem ao Tratado: “Seria bom que a Suíça se tornasse finalmente parte deste acordo, que não continue à margem do tratado.”
Produção de tabaco no mundo
Brasil
A produção de tabaco no Brasil envolve mais de 150 mil famílias em cerca 700 municípios principalmente dos Estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina.
União Europeia
A partir de maio de 2019 todos os maços de tabaco terão no território da União Europeia um código que será gerado por uma entidade externa que não os fabricantes e que permitirá o rastreamento do maço desde a fábrica ao ponto de venda. É consequência de uma normativa europeia que será implementada nos 28 estados membros e que é uma das principais novidades nas medidas comunitárias que estão a ser tomadas contra o contrabando de tabaco.
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