Teletrabalho deve continuar após a Covid-19, mas sem grandes revoluções
Na Suíça, a pandemia de Covid-19 levou mais pessoas a trabalharem em casa, dando um impulso à produtividade e à qualidade de vida. Mas a tendência pode não continuar da mesma forma uma vez que a crise tenha terminado.
A pandemia da Covid-19, sem dúvida, abalou o mundo do trabalho. Na Suíça, muitos empregadores expandiram o trabalho remoto, ou mesmo o introduziram pela primeira vez, depois que o governo impôs medidas de isolamento, em meados de março.
O trabalho a partir de casa já vinha ganhando popularidade nos últimos anos. Em 2019, quase um quartoLink externo da população economicamente ativa suíça trabalhava a partir de casa, pelo menos ocasionalmente. Esta proporção dobrou no auge da crise da Covid-19, segundo um estudo da empresa de consultoria Deloitte Switzerland.
As empresas devem cobrir parte dos custos do teletrabalho?
De acordo com uma recente decisão do Tribunal Federal noticiada pelo jornal SonntagsZeitung, as empresas suíças devem cobrir parte do aluguel dos funcionários que trabalham em casa. O caso foi trazido por um funcionário de uma empresa de Zurique antes da pandemia de Covid-19. Mas especialistas discordam sobre a aplicabilidade desta decisão à onda de teletrabalho observada durante a crise.
À medida que as autoridades levantam gradualmente as restrições da Covid-19, a questão é o que restará desse experimento de trabalho-de-casa em larga escala. Um efeito já é claro: ele permitiu às empresas ver que a maioria dos funcionários trabalha mais – e não menos – quando de casa.
A produtividade aumenta
A maioria dos entrevistados da pesquisa Deloitte disse que trabalhar em casa não teve um impacto negativo em sua produtividade. Mais de quatro em cada dez pessoas sentiram até mesmo que tinham se tornado mais eficientes.
De acordo com a gerente de crise Elena Debbaut, o efeito do teletrabalho sobre a produtividade geral é variável. Os funcionários que trabalham em setores que dependem da presença física (suporte administrativo, vendas, etc.) podem sair perdendo.
Entretanto, o aumento da produtividade é muito claro em certas profissões, e as relacionadas às tecnologias de informação e comunicação são as maiores vencedoras, segundo Debbaut. “Com o teletrabalho, não há mais interrupções desnecessárias, não há mais a pressão social das dinâmicas presenciais ou ‘jogo de aparências’. Só o que conta são os resultados”, disse ela à swissinfo.ch.
Em um estudoLink externo publicado em 2017, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho (Eurofound) fizeram a mesma observação e recomendaram o aumento do trabalho doméstico.
O estudo também destacou a possibilidade de alcançar um melhor equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, além de reduzir a necessidade de deslocamento. E para as empresas, apontam os autores, teletrabalho significa ter mais funcionários motivados e uma significativa economia de custos com a redução da necessidade de espaço no escritório.
Os obstáculos permanecem
Nos últimos dois meses, muitos trabalhadores tiveram a oportunidade de experimentar esses benefícios, e a Deloitte prevê ser improvável que o número de pessoas trabalhando remotamente volte aos níveis pré-crise. Isso significa que a política de trabalho de casa se tornará generalizada na Suíça?
A Deloitte duvida. “Nada revolucionário vai acontecer nos 18 a 24 meses após a crise”, aponta a consultoria. Ainda há muitos obstáculos.
As barreiras culturais serão difíceis de serem superadas. Ainda há resistência, apesar das mudanças de atitude em decorrência da pandemia, aponta.
Outro obstáculo são os investimentos necessários, especialmente em tecnologia da informação, segurança cibernética e seguros.
“É preciso garantir não apenas um único local, mas uma série de locais […] Trabalhar em casa ainda é mais caro e arriscado do que trabalhar nas instalações da empresa. E o funcionário não vê isso”, disse Debbaut.
Por enquanto, também não há um quadro legal claro.
“A lei trabalhista terá que ser completamente revista para incluir o teletrabalho, e isso levará pelo menos alguns anos”, observou Debbaut.
Uma tendência, cenários diferentes
No entanto, há uma clara tendência global para trabalhar a partir de casa. Vários cenários são possíveis para a Suíça a longo prazo. Para Debbaut, o mais plausível se encaixaria no quadro existente. O trabalho remoto aumentaria caso a caso, mas sem que isso se generalizasse.
O melhor cenário seria aquele em que os funcionários permanecessem na Suíça e o teletrabalho aliviaria a pressão sobre a habitação e a infra-estrutura nos centros econômicos. Mas há também o pior cenário envolvendo o risco de abuso dessa política e a chamada “uberização do teletrabalhador”: algumas empresas poderiam ser tentadas a repassar parte dos custos operacionais para os teletrabalhadores ou mesmo deslocar a força de trabalho para fora da Suíça.
A Suíça não é pioneira
O Instituto Federal de Estatística inclui até teletrabalho muito ocasional em seus dados de trabalho em casa. Dos quase 25% dos funcionários que trabalham em casa na Suíça, apenas 3% o fazem regularmente, ou seja, mais da metade do tempo. Os especialistas contatados pela swissinfo.ch observaram que muitas empresas suíças ainda estão atrasadas nesta política, principalmente por razões culturais.
Em outros países, os números variam muito. O último estudo globalLink externo sobre o tema na União Européia data de 2015. A média na UE então era de cerca de 17%, mas variava de 8% na Itália a 38% na Dinamarca. Nos Estados Unidos, a proporção da população ativa que trabalhava quase 100% remotamente antes da crise era ligeiramente superior a 3%, e estima-se que essa proporção tenha mais que dobrado em abril, de acordo com o Brookings InstituteLink externo.
swissinfo.ch/ets
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