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Ciência e tecnologia mais perto da população

Vista aérea do Instituto de Física (IF) em 2007, no Campus da Capital (Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira), em São Paulo. Jorge Maruta / Jornal da USP

Em um momento em que o Brasil necessita com urgência de soluções científicas e tecnológicas para lidar com tantos problemas sociais e ambientais, como a epidemia da dengue e a crise energética, pelo menos uma instituição em São Paulo tem isso como direcionamento real. 

É que o posicionamento faz parte do plano de gestão do novo presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o professor, físico e político José Goldemberg.

Desde agosto à frente da entidade, considerada uma das mais respeitadas instituições de fomento à ciência e à pesquisa de São Paulo, Goldemberg conhece de perto os problemas e as oportunidades que requerem mais investigação científica e parcerias nacionais ou internacionais para transferência de conhecimento e tecnologia. Parcerias feitas, inclusive com entidades suíças, como o Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETHZ) e o Instituto Ludwig (ver box).

Membro da Academia Brasileira de Ciência, Goldemberg já foi reitor da Universidade de São Paulo, Presidente da Sociedade Brasileira de Física, Secretário da Ciência e Tecnologia do Governo Federal, Ministro da Educação e Secretário do Meio Ambiente, sendo uma referência quando se discute qualquer um desses assuntos. Na Suíça, ele foi membro da Academia Internacional do Meio Ambiente, estabelecida em Genebra logo após a conferência do meio ambiente no Rio de Janeiro, em 1992.

Na entrevista a seguir, Goldemberg fala sobre a diferença de conscientização ambiental entre a população dos dois países, seus planos para a Fapesp, a situação do segmento acadêmico no Brasil e o descompasso entre as soluções já existentes para questões ambientais diante de entraves políticos e equívocos de gestão.

swissinfo.ch: Como foi o seu trabalho de pesquisa na Suíça?

José Goldemberg: Fui pesquisador visitante de um instituto criado em Genebra logo após a Conferência do Rio de 1992, a Academia Internacional do Meio Ambiente, que se destinava a continuar os trabalhos decorrentes da conferência que adotou a convenção do clima e da biodiversidade. A academia começou a funcionar bastante bem, mas depois, com o passar dos anos, o cantão de Genebra achou que estava gastando demais e o governo da Suíça não assumiu o investimento, o que fez a academia encerrar as atividades.

swissinfo.ch: Como foi a experiência ao longo desses anos?

JG: A academia durou uns oito anos. Eu passei um ano lá. Escrevi um livro durante esse período, “Energia, Meio Ambiente e Desenvolvimento”, publicado originalmente na Inglaterra e traduzido para o Português. Inclusive é o livro que uso no curso que dou na universidade (Universidade de São Paulo / USP).

swissinfo.ch: O que o senhor considera ter sido mais importante na criação da academia e por que o seu fim?

JG: A ideia da criação da academia era ter um centro que continuasse a trabalhar nos temas em torno do qual girou a conferência de 1992 e na qual compareceram as autoridades da Suíça e chefes de estados de mais de 120 países. Como diz o próprio nome, a academia é um lugar onde pesquisadores, cientistas, estudiosos se reúnem e preparam estudos e análises referentes a um dado tema. Acho que isso a academia fez bem durante os anos em que existiu. Ela não era vinculada à universidade de Genebra. Acho que o natural teria sido essa incorporação, o que não ocorreu.

swissinfo.ch: O senhor tinha outras relações com a Suíça?

JG: Como naquela época a academia era um dos lugares onde se discutia mudanças climáticas e o que o governo suíço deveria fazer, então participava dessas discussões. Os planos energéticos que foram feitos na Suíça, que foram bastante positivos, como os de redução das emissões de carbono, tiveram a participação de pesquisadores da academia. A Suíça é um país em que existe uma maior consciência ecológica, e não no sentido poético da palavra, até porque a questão do meio ambiente não é mais uma ocupação apenas das pessoas que amam pássaros e abraçam árvores. De fato, se você não cuida do meio ambiente, você fica doente, prejudica sua própria qualidade de vida. Quem está descobrindo isso agora, embora um pouco tardiamente, são os chineses. Veja os altos índices a que chegou a poluição na China.

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swissinfo.ch: Em São Paulo também, não?

JG: Sim. Já na Suíça, os lagos são limpos, a água é limpa, o ar é limpo. Por que? Porque as pessoas, de fato, se esforçam para isso. Quer ver uma coisa que realmente impressiona a qualquer um que vai à Suíça? A maior parte do sistema de transporte de longa distância usa trem. Aqui no Brasil não há isso. Eu me lembro que antigamente íamos de São Paulo para o Rio de Janeiro de trem. Não tem mais. Qual a última vez que você andou de trem em São Paulo? Você anda de metrô na cidade. Na Suíça, os trens são importantes. E qual a importância disso? Não poluem.

swissinfo.ch: Sobre a academia, como o senhor vê a situação e a participação dela hoje?

JG: Como a gente diz, a academia acabou ficando muito acadêmica, voltada para si mesma. Na televisão suíça, vemos aqueles debates maravilhosos, de altíssimo nível. Aqui temos alguma coisa na Globonews, na TV Cultura, mas lá é parte integrante da formulação de políticas. Quando se faz um debate sobre Aids ou sobre discriminação contra as mulheres, quem vão falar nesses programas são os ministros. Aqui no Brasil, quem fala são jornalistas, comentaristas, acadêmicos também, mas logo se vê que os agentes públicos são espectadores, o que me chamou muita atenção. Na Suíça, esses agentes é que vão aos debates. A academia brasileira conta com pessoas brilhantes, mas estão lá, enfurnadas nas universidades. Os órgãos públicos não têm envolvimento direto com a academia.

swissinfo.ch: Há ainda um problema da própria formação desses agentes, não? Até outro dia um jornalista/advogado era Ministro das Minas e Energia (Edison Lobão); e um outro Ministro da Ciência Tecnologia e Inovação (Aldo Rebelo).

JG: Varia muito aqui no Brasil. Eu fui ministro da Ciência e Tecnologia. Mas era um ponto fora da curva. É raro. Frequentemente são políticos. Não é a melhor situação possível. Certamente, na Suíça, as pessoas prestam mais atenção para isso. E por boas razões: porque os problemas da sociedade moderna não se resolve só com vontade política. Há problemas que se não houver a tecnologia correta, o conhecimento, não podem ser resolvidos.

swissinfo.ch: O senhor assumiu a direção da Fapesp, uma organização importante para o fomento à ciência, inovação e tecnologia. Quais são seus planos?

JG: A Fapesp funciona há 53 anos, está bem estabelecida, é uma organização exemplar no que faz rotineiramente: bolsas de estudos, auxílios, parcerias etc. O que ela precisa é expandir essas atividades de modo a se dirigir mais diretamente aos problemas da sociedade. As pessoas nos cobram isso. Por exemplo, estamos estudando os micróbios porque temos curiosidade ou por que queremos resolver o problema da dengue?

swissinfo.ch: Ou, agora, da chikungunya (doença parecida com a dengue, transmitida pela picada do mosquito Aedes aegypti contaminado pelo vírus).

JG: Pois é. Então, há uma orientação de que as atividades da Fapesp, sem prejuízo do que ela já esta fazendo, se voltem para problemas evidentes da comunidade. Problemas de meio ambiente, por exemplo. O Brasil está comprometido com a redução de emissão de CO2. Como vai fazer isso? Não é que nem o problema da água, que é como abrir e fechar a torneira. É preciso mudar o processo industrial. É preciso tecnologia para isso. Nisso a Fapesp pode ajudar.

swissinfo.ch: Essa ajuda seria para o desenvolvimento da tecnologia ou de que outra forma? As parcerias com empresas, principalmente estrangeiras, exigem tanta burocracia e custos altos, importação, por exemplo.

JG: A Fapesp tem condição de estimular parcerias no avanço da tecnologia ou da adaptação das tecnologias, mas sobre resolver problemas, como de importação e licenças, está fora. Isso é algo que o Brasil precisa, mas outros terão de resolver, pois não é papel da Fapesp. Agora em cooperação tecnológica seguramente. Nós temos cooperação tecnológica com várias empresas.

swissinfo.ch: Quais as principais parcerias?

JG: Fomos procurados por um grupo da Austrália, por exemplo. Há um cientista lá que desenvolveu células fotovoltaicas mais eficientes do que as células fotovoltaicas que os chineses vendem. É um produto de tecnologia avançada e ele quer vir para o Brasil. Esse é o tipo de cooperação que pode ser estabelecida efetivamente. Podemos nos associar a grupos de vanguarda, como também da Suíça, e ajudar a produzir tecnologia aqui. Essa é uma das coisas que pretendo fazer: aproximar um pouco mais a Fapesp dos problemas da sociedade.

swissinfo.ch: O senhor tem uma longa trajetória no campo da ciência. É possível fazer um comparativo em que estágio o Brasil se encontra hoje, em relação aos países conhecidos pela inovação e tecnologia, como Alemanha, Finlândia, Coreia, Japão, Noruega e a própria Suíça?

JG: No que se refere à pesquisa acadêmica, o Brasil não está mal. As nossas universidades são boas. Se você fizer uma lista das 200 melhores universidades do mundo, a USP está dentro dela. Mas você diz, bom, entre 200! Mas existem no mundo 10 mil universidades, ou seja, a USP está entre os 2% que está lá no topo, no nível das universidades da Suíça. Claro, se você pegar o Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETHZ), é um dos melhores institutos de tecnologia do mundo, comparado ao MIT. Nesse caso, o ETHZ é melhor. Mas, globalmente, o nosso nível, falando de universidades como USP, Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e Unesp (Universidade Estadual Paulista), é comparável às universidades suíças, exceto aquelas que se destacam extraordinariamente.

swissinfo.ch: Mas isso falando das universidades de São Paulo apenas.

JG: Sim. Realmente, no Brasil, o sistema universitário tem sofrido muito nos últimos anos, devido as complicações políticas que o País tem e, digamos, um pouco de corporativismo. Vejamos a Universidade Federal do Rio de Janeiro, que está em greve há três meses!

swissinfo.ch: Talvez por isso ainda nos surpreendemos quando alguém é premiado como aconteceu com o pesquisador Artur Ávila, que ganhou o maior prêmio de matemática concedido pela União Internacional de Matemáticos (IMU). Quando isso poderá ser normal no País?

JG: Não há dúvida que há muita gente talentosa no Brasil. São centenas de jovens. Veja a quantidade dos que querem entrar em um curso disputado como o de Medicina. E eles entram. O Brasil ainda tem muita pobreza. É um país muito grande. Mas além desse que ganhou esse prêmio de Matemática haverá outros. Pode crer.

swissinfo.ch: Por que é tão difícil os gestores públicos brasileiros entenderem que ciência e tecnologia são tão importantes para o desenvolvimento?

JG: Na época das colônias, não havia tecnologia nenhuma, justamente porque os países que tinham colônia queriam apenas extrair os produtos primários e exportar o resto todo. Veja o Uruguai. Fui lá há alguns anos. O Uruguai é um país rico. Ficou rico exportando lã de ovelha de alta qualidade, porque o País se presta muito a criação de ovelhas. Era basicamente uma colônia inglesa. Montevidéu é uma cidade linda, parece Paris. Acontece que tudo que você usa é importado. Até a louça do hotel era importada. É um caso extremo. O Brasil está no meio. O Brasil já se industrializou um pouco. Até há muitos produtos feitos aqui mesmo, e produtos bons! Agora, nos últimos anos, com a crise econômica, estamos regredindo um pouco. Veja o que está acontecendo com a indústria. Mas, ainda assim, há setores industriais no Brasil que são muito bons. O setor de alumínio é muito bom, o setor de papel de celulose. O Brasil é um País líder em papel de celulose. Mas não é líder em aço. De modo que estamos em uma situação intermediária. Justamente o que é uma oportunidade, porque a ciência e a tecnologia fariam esses setores andarem mais depressa.

swissinfo.ch: Mas se esses gestores não percebem isso…

JG: Não, eles são mais sensíveis a movimentos populares. É difícil isso. Em São Paulo menos, porque temos governos razoáveis, mas na área federal é difícil.

swissinfo.ch: Mas ainda assim temos problemas graves. A maior capital do País, São Paulo, centro econômico do Brasil, está sem água.

JG: É incrível mesmo. Isso foi falta de planejamento. Mas temos solução. A equipe que está cuidando disso agora é de altíssimo nível. Essa equipe entende o que é inovação, e eu acho que está resolvendo os problemas.

swissinfo.ch: Em relação as pesquisas, frequentemente sai na imprensa que uma ou outra estava errada. Há algum tempo foi divulgado que um estudo de impacto ambiental para construção da hidrelétrica do Tapajós apresentava uma série de fragilidades: metodologia inadequada ou obsoleta, omissão de informações importantes para avaliar os impactos, programas ambientais insuficientes como ações mitigadoras ou compensatórias sem fundamentação científica. Como acreditar em pesquisa no Brasil?

JG: Mas isso não foi pesquisa. Isso deve ter sido os empreiteiros e os problemas de sempre. Veja Itaipu. É uma das melhores hidrelétricas do mundo. Ou seja, nós sabemos fazer. Sabe-se lá o que aconteceu em Tapajós, mas deve ter sido uma equipe ruim, mas não é um retrato dessa tecnologia no Brasil.

Prof. José Goldemberg, em agosto de 2015. www.leandronegro.com.br

swissinfo.ch: Mas a tecnologia para o uso da água não parece muito eficiente, como em Petrolina que está irrigando todas aquelas plantações e ao mesmo tempo matando o Rio São Francisco.

JG: Aí é política. Aí é o aproveitamento irracional da água.

swissinfo.ch: Mas essa tecnologia é plausível, pode ser comparada com o que é usado de melhor no mundo na produção agrícola?

JG: Sem dúvida. É por isso que o Brasil se tornou o maior produtor de soja do mundo. Há 20 anos, o Brasil praticamente não exportava soja. Agora passou os Estados Unidos. Esse desenvolvimento agrícola se deve em parte à Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária vinculada ao Ministério da Agricultura) e à Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (USP).  

swissinfo.ch: É possível comparar essa evolução tecnológica com outras áreas, como a Medicina?

JG: A Medicina é avançada no Brasil. Transplantes, por exemplo, são bem feitos há anos. Agora, saúde pública, não. A saúde pública é o SUS. Olha essas filas, pessoas morrem nas filas. SUS é uma questão política. Há outras áreas que não são avançadas, como produção de aço. O Brasil é um grande exportador de minério de ferro, mas não de aço. A maioria dos produtos eletrônicos ainda é importado. Essas são áreas que ainda podem ser exploradas.

swissinfo.ch: Há questões ainda maiores que dizem que a tecnologia já poderia resolver, como a limpeza de um rio como o Tietê. Isso é concreto?

JG: Isso é custo e prioridades políticas, mas do ponto de vista da técnica, sim, é possível.

swissinfo.ch: O senhor esteve na conferência do Rio de 1992. Como vê a preocupação agora dos atletas olímpicos com a poluição da Baia de Guanabara?

JG: Na Rio-92 já se falava da poluição da Baía. A eliminação dessa poluição é um problema administrativo e político. Há 23 anos, já havia um plano de tratar os esgotos antes de serem lançados na baía…

O que é:

A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) é uma instituição ligada à Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado de São Paulo, como autonomia garantida por lei. Fundada em 1962, a fundação conta um orçamento anual correspondente a 1% do total da receita tributária do Estado, para apoiar a pesquisa e financiar a investigação, o intercâmbio e a divulgação da ciência e da tecnologia produzida em São Paulo.

Atualmente, a Fapesp mantém acordos com organizações suíças, como o Instituto Ludwig (http://www.fapesp.br/528Link externo) e o Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, o ETHZ (http://www.fapesp.br/7086Link externo).

As bolsa e auxílios a pesquisa atendem a todas as áreas do conhecimento, entre as quais Ciências Biológicas, Ciências da Saúde, Ciências Exatas e da Terra Engenharias, Ciências  Agrárias e Ciências Sociais Aplicadas. O apoio se dá por diversas modalidades de financiamento: a chamada Linha Regular, Programas Especiais e Programas de Pesquisa para Inovação Tecnológica, todas facilitando o intercâmbio e o estabelecimento de parcerias nacionais e internacionais para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e a expansão do conhecimento.

Fonte: Fapesp – http://www.fapesp.br/2Link externo

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