Jovens lutam contra assédio sexual nas universidades suíças
As campanhas de conscientização pública não têm contido o assédio sexual nas universidades suíças. Uma nova geração de mulheres resolve atacar o problema com suas próprias mãos.
O assédio sexual persiste na academia, apesar da crescente conscientização do movimento #metoo. Uma nova geração de mulheres determinadas a obter resultados enfrenta a questão de frente. Elas estão lançando campanhas de conscientização, criando linhas diretas telefônicas e plataformas on-line para vítimas em potencial, além de oferecer oficinas sobre técnicas interpessoais e se tornarem atores na discussão política para campi mais inclusivos.
Nos encontramos com três mulheres suíças que estão querendo fazer a diferença dentro de suas instituições de ensino.
Empoderando mulheres através das artes marciais
Livia BoscardinLink externo, 36 anos, quebrou sua primeira tábua de madeira quando tinha 11 anos. Foi o ponto alto de um curso de defesa pessoal que ela estava fazendo. A partir daquele dia, ela mostrava a peça quebrada de madeira na cara do irmão toda vez que ele queria irritá-la ou provocá-la. “Esse curso teve um efeito duradouro em mim e me ensinou a me defender”, diz.
Anos mais tarde, como bacharel, mestre e depois como doutoranda em sociologia na Universidade de Basileia, ela foi confrontada com outras formas mais sérias de aborrecimentos. “Cientistas seniores comentavam constantemente sobre meu corpo, roupas, sorriso e esmalte; um professor me convidou várias vezes para ir à casa dele. Isso não é um comportamento adequado se a pessoa não está no seu nível hierárquico”, diz.
Ficou cada vez mais insatisfeita com o ambiente conservador na universidade e com a forma como era tratada. Ela decidiu abandonar a carreira acadêmica logo após receber o doutorado. Ela tomou as coisas em suas próprias mãos e decidiu empoderar outras mulheres.
Boscardin fez cursos aprofundados em violência doméstica, saúde sexual e direitos sexuais, e se tornou treinadora em Wen-Do, a mesma arte marcial que ela praticava aos onze anos. Ela agora oferece aulas para estudantes, funcionárias e pesquisadoras da Universidade de Basileia, bem como para pessoas que sofreram algum tipo de assédio de fora da universidade. As participantes são exclusivamente mulheres: vítimas de assédio sexual, estudantes que querem saber como reagir em situações ameaçadoras, mulheres imigrantes e meninas de até oito anos.
As aulas de Boscardin são sobre ensinar empoderamento e prevenir a violência. Ela informa os participantes sobre as definições de assédio sexual, o que é apropriado e o que não é, e as estruturas de apoio disponíveis na universidade. Os encontros também incluem momentos em que os participantes compartilham suas experiências dentro do grupo.
“Muitas pessoas choram ao contar suas histórias dolorosas”. Por fim, Boscardin ensina estratégias sobre como analisar a linguagem corporal de um agressor, como reagir verbal e fisicamente e como informar os colegas e sensibilizá-los para o assédio sexual. “Às vezes, também incluímos a autodefesa física, só porque é divertido”, diz.
Os resultados, segundo ela, são impressionantes. “As mulheres chegam tímidas e assustadas e depois brilham. Partem como indivíduos transformados”. As participantes são capazes de deixar parceiros violentos e ambientes de trabalho tóxicos para trás, falar sobre suas experiências de assédio e mudar suas vidas. Mas o trabalho também afeta Boscardin. Sua estratégia de enfrentamento é praticar boxe tailandês três vezes por semana e ler um livro enquanto toma sol.
Boscardin também pede uma nova aliança entre homens e mulheres, já que “os homens são fundamentais para combater o machismo e a violência”. É por isso que ela se juntou a um colega homem que agora oferece um curso semelhante para homens: “Muitas pessoas não estão genuinamente cientes de que estão ultrapassando limites”, diz ela.
Começando pela prevenção
Simona MaterniLink externo, 39 anos, acredita no poder da prevenção. Como gerente de projetos na Universidade de Lucerna, ela foi a força motriz por trás do primeiro Dia Nacional de Conscientização sobre Assédio Sexual, que aconteceu em 23 de março.
Materni se juntou a colegas de todo o sistema educacional suíço para apresentar um programa cheio para o dia. Os coorganizadores incluíram as Escolas Politécnicas Federais de Lausanne (EPFL) e Zurique (ETH), juntamente com outras nove universidades e 15 instituições de ensino superior. A campanha de conscientização sobre assédio sexual começou online com vídeos dedicados e panfletos informativos. Os eventos ocorreram na forma de mesas redondas, conferências e teatro interativo, tanto online quanto em instituições locais.
Antes de ingressar na Universidade de Lucerna, Materni foi gerente de projetos da Prevenção ao Crime na SuíçaLink externo, um serviço intercantonal especializado na prevenção do crime e na promoção da segurança. O trabalho envolveu a criação de redes com as forças policiais cantonais, o monitoramento da atividade criminosa e o desenvolvimento de estratégias de comunicação para prevenção.
Materni sempre se interessou por que ações moralmente erradas provêm de pessoas aparentemente normais. “Por isso, estudei filosofia prática e fiz cursos de direito e criminologia”, conta. Mas quando ajudou mulheres vítimas de violência doméstica em abrigos, ela percebeu quanta dor e dinheiro nossa sociedade poderia poupar se os crimes não fossem apenas estudados, mas também prevenidos.
“A prevenção é um trabalho árduo, é difícil ir além da bolha de pessoas que já estão convencidas e se envolvem com as outras”, diz ela. O Dia da Consciência Sexual teve resultados mistos: “O teatro interativo da Universidade de Lucerna foi bastante bem-sucedido, mas sabemos que em algumas universidades poucas pessoas compareceram aos eventos”, admite.O autor deste artigo foi a uma mesa redonda organizada pela Universidade de Genebra, onde muito poucas pessoas, com menos de 30 anos, incluindo dois homens, estavam presentes.
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Universidades suíças enfrentam o assédio sexual
Materni defende uma estratégia de conscientização sobre assédio sexual que seja menos focada em emoções negativas e histórias tristes e mais em mensagens positivas. “Se quisermos alcançar um público mais amplo, incluindo homens, precisamos comunicar a esperança e os resultados positivos que existem para todos”, diz ela. Ela está convencida de que um mundo mais igualitário pode levar a melhores ambientes de trabalho, onde todas as pessoas possam falar sobre suas inseguranças, onde a discriminação seja abordada e tratada adequadamente, e onde haja uma cultura de aceitação e diálogo.
Mas convencer os tomadores de decisão e líderes a adotarem medidas adequadas é tão importante como uma boa campanha de comunicação: “Quase todos os reitores que contactámos para a mensagem de vídeo da campanha participaram com entusiasmo, mas agora precisamos de responsabiliza-los”, diz. A mensagem pressionava por um ambiente acadêmico mais seguro e pelo fim do assédio sexual. Para isso, são necessários mais ativismo, lobby e networking.
Mudança pela transparência
Valentina GasserLink externo, 30 anos, é uma jovem cientista de ascendência suíça, peruana e italiana. Como estudante de doutorado em química na ETH, ela foi até recentemente vice-presidente da Sociedade de Mulheres em Ciências Naturais (WiNSLink externo, na sigla em inglês), uma associação de mulheres na ciência do instituto que apoia o desenvolvimento pessoal e a carreira das mulheres
A ciência sempre foi a vocação de Gasser: mesmo sem ter um modelo ao seu redor, quando criança ela fantasiava sobre a descoberta de novas drogas e remédios.
Ao longo do caminho, ela não esperava que o assédio sexual pudesse se tornar um obstáculo em sua carreira. Gasser foi assediada várias vezes por um cientista mais graduado enquanto cursava seu doutorado, tanto no local de trabalho quanto em eventos sociais relacionados. Tentando rebater piadas e alusões machistas, ela confrontou o agressor, “mas ele não quis ouvir e eu me senti abandonada pelos meus colegas”, lembra. Na esperança de encontrar conforto e ser ouvida, ela se juntou à WiNS, uma associação que ela valoriza como aberta e respeitosa.
A WiNS foi criada em 2014 e reúne cientistas dos departamentos de química, biologia, matemática e física. A associação oferece eventos de carreira e networking que, inicialmente, eram acessíveis apenas a mulheres. Recentemente, os eventos foram abertos a todos, e Gasser foi um dos agentes de mudança.
“Dessa forma, os homens também podem ter a oportunidade de aprender o que as mulheres e outras minorias que fazem ciência passam”, diz. O que a preocupa neste momento é a dificuldade que muitas vítimas enfrentam para denunciar casos: “Não há recompensa por falar, a coisa geralmente estoura”. Gasser acha que uma razão para isso está nos sistemas de notificação defeituosos e caóticos, outro problema é a falta de consequências para os perpetradores. “Devemos mudar a conversa de culpar a vítima para apontar a culpa do agressor”, acrescenta.
Em janeiro passado, mais de 50 estudantes de doutorado, incluindo Gasser, se reuniram com membros do conselho executivo da ETH para expressar os desafios que enfrentam em suas atividades diárias e recomendar medidas para prevenir, monitorar e responsabilizar indivíduos por comportamento inadequado e desrespeitoso no instituto. Eles defendem denúncias anônimas, cotas de gênero para professores e pesquisas para monitorar a questão do assédio sexual. “Seja transparente, faça as perguntas certas, ouse olhar para o problema; é isso que pedimos”, diz Gasser.
Gasser espera que o instituto ouça esses pedidos. Por enquanto, no entanto, ela decidiu deixar a linha de frente para se concentrar em sua pesquisa: “Não quero que esse tema seja a única coisa na minha vida”, diz.
Edição: Virginie Mangin
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