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“Estava completamente despreparado para o que veio”

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Vladislav Donchenko, fotografado em Berna: "Eu só sabia que tinha que sair para a rua e manifestar". swissinfo.ch

O anúncio da convocação militar de reservistas na Rússia foi um divisor de águas na vida da população. Um russo que fugiu de Moscou para a Suíça explica como tudo mudou no dia em que o presidente Vladimir Putin declarou a mobilização nacional de homens para lutar na Ucrânia.

A convocação de reservistas militares para servir na linha de frente virou um ponto sem volta para muitos russos. Após o início da invasão da Ucrânia, uma espécie de contrato social tácito prevaleceu na Rússia: a “operação militar especial” para “desnazificar e desmilitarizar” a Ucrânia seria conduzida por militares profissionais, enquanto o resto da população assistiria seu desenrolar na televisão. Em setembro passado, no entanto, tudo mudou.

A perspectiva de voltar para casa do trabalho como de costume uma noite e acabar numa zona de conflito perto de Kherson ou Bachmut dois dias depois tornou-se um cenário altamente realista – embora difícil de aceitar – para muitos russos. Entre eles está Vladislav Donchenko, que hoje vive em um asilo de refugiados na Suíça. Homens mal treinados e desmotivados que estão sendo recrutados à força têm poucas chances de sobreviver às operações de combate. Ser convocado na Rússia hoje equivale a uma sentença de morte, diz.

Segundo estimativas, cerca de 700 mil homens fugiram do país desde o anúncio da mobilização parcial em 21 de setembro. Destes, cerca de 200 mil foram para o vizinho Cazaquistão, segundo a edição russa da revista Forbes. Outros, como Donchenko, chegaram à Europa Ocidental. SWI swissinfo.ch conversou com ele em um pequeno café em frente ao prédio do parlamento federal em Berna.

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O pai de Donchenko é ucraniano e sua mãe é russa. Seus pais se divorciaram quando ele tinha quatro anos. Donchenko mudou-se com sua mãe para Yaroslavl, uma pequena cidade ao norte de Moscou. Ele passou os verões de sua infância na região de Poltava, na Ucrânia, e mais tarde estudou em Moscou. Ele se recusa a especificar se é russo ou ucraniano.

“Tenho sangue cossaco em mim, mas me formei na Universidade Técnica Estadual de Moscou, com graduação em design de motores de combustão interna”, diz ele. “Basicamente, vivi toda a minha vida adulta em Moscou.”

O primeiro choque – e o segundo

“Quando a guerra começou em 24 de fevereiro, eu simplesmente não conseguia acreditar”, lembra ele. “Meu psicológico estava completamente despreparado para o que estava acontecendo. Achei que terminaria como em 2021, quando as tropas russas avançaram até a fronteira com a Ucrânia, mas depois só fizeram um exercício militar. Eu tinha certeza absoluta de que a mesma coisa aconteceria novamente. Escrevi para minha tia em Kyiv para perguntar como ela estava e ela me disse que tinha sido acordada naquela manhã pelo som de explosões.”

“Eu estava completamente fora de mim. Não consegui trabalhar o dia todo, apenas fiquei sentado no escritório grudado nas notícias. Eu sabia que tinha que sair às ruas e protestar, tinha certeza de que muitos outros fariam o mesmo – como os comícios em apoio a [figura da oposição presa] Alexei Navalny”. Para sua decepção, porém, não foi esse o caso. Pequenos grupos de pessoas se reuniram em torno do monumento a Pushkin em uma praça popular no centro de Moscou, mas isso foi tudo. Essa passividade pública foi um “segundo choque” para ele.

“Se você considerar que existem mais de 15 milhões de pessoas vivendo em Moscou, aqueles que estavam nas ruas protestando contra o lançamento de mísseis de cruzeiro sobre a Ucrânia eram claramente apenas uma gota no oceano”, diz ele.

Ele tentou explicar a si mesmo por que isso acontecia? “Claro”, ele responde. Os motivos eram os de sempre – medo de ser preso pela menor insubordinação à polícia. “É o aparato repressivo que foi criado na Rússia”, acrescenta. “Todo mundo tem medo. Percebi que também era um alvo. Mas nem pensei nisso na época, porque minha realidade era insignificante em comparação com os horrores que se desenrolavam na Ucrânia”.

Recrutamento de manifestantes

Donchenko explica que participou de três protestos contra a guerra naquelas primeiras semanas, até que finalmente entendeu que isso só o levaria à prisão. Enquanto isso, ele viu outros moscovitas passeando calmamente, tomando café e almoçando em restaurantes – mesmo enquanto civis em Mariupol morriam sob as bombas russas. Donchenko deixou a Rússia no início de março e viajou via Istambul para a Suíça, onde ficou com a irmã por dois meses. Ele voltou para a Rússia em julho.

Ele reluta em falar sobre isso, mas diz que meio que se acostumou com a situação e, acima de tudo, sentiu a necessidade de seguir com sua vida – especialmente porque não pôde trabalhar na Suíça. Mas aí começou a mobilização de reservistas.

“Saí para protestar novamente, em Yaroslavl”, diz ele. “Quatro dias depois, viajei para Moscou para participar de um protesto lá, mas havia ainda menos pessoas do que no dia em que a guerra começou. Vi mais policiais e ainda mais prisões.”

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Donchenko não se descreve como alguém que, como Navalny, está pronto para ir para a prisão por suas ideias. Ele é uma pessoa normal, um representante da classe média que seria um pilar da sociedade em qualquer outro país, incluindo a Suíça – em qualquer outro lugar que não seja na Rússia. Ele soube então que quem era preso em manifestações antiguerra era convocado pelos escritórios de recrutamento do exército. “Eu também tinha medo de receber uma convocação, mas também era impensável que eu parasse de me manifestar”, explica ele.

“Além disso, após receber uma convocação, você não pode mais sair legalmente do país”. Isto é o que realmente desencadeou minha decisão de partir. Consegui comprar uma passagem de ônibus para Helsinque e de lá voei para minha irmã na Suíça. No dia seguinte, soube que uma estação de mobilização do Ministério da Defesa havia sido montada no posto de fronteira onde eu havia deixado o país. Ainda me lembro da sensação de alívio no momento em que atravessei a fronteira”.

Culpa da propaganda 

O povo russo realmente apóia a guerra? De acordo com a mídia, pelo menos 50% da população russa é a favor da guerra. Ou as pessoas acabaram se acostumando a não assumir a responsabilidade política? No círculo social de Donchenko, formado por jovens de 20 e poucos anos, os que apoiam a guerra podem ser contados com os dedos de uma mão. Entretanto, a maioria das pessoas prefere minimizar seus riscos pessoais, diz ele.

As pessoas não vêem sentido em demonstrar se isso não tem nenhum efeito político e é provável que lhes seja imposta uma sentença de prisão, acrescenta ele. Mas será que os russos estão cientes de que seu país, como a Alemanha não faz muito tempo, está se sobrecarregando com uma culpa histórica pela qual terá que expiar durante décadas? A resposta de Donchenko é rápida e clara: “Não, eles não estão! O principal culpado, diz ele, é a propaganda – uma arma não menos letal do que os mísseis e drones que a Rússia está usando para destruir as cidades ucranianas de hoje.

Três francos suíços por dia

Após chegar à Suíça no final de setembro, Donchenko dirigiu-se diretamente ao centro federal de asilo em Zurique. Como ele fala inglês, conseguiu se comunicar diretamente com as autoridades de migração. “Quando fui ao centro para solicitar o visto de refugiado, não esperava ser mantido lá durante a noite”, diz ele. “Entretanto, isto não foi uma detenção. É óbvio que quando se está solicitando o visto de refugiado, é preciso aceitar certas obrigações”.

Os funcionários da imigração primeiro levaram todos os documentos que ele trouxe consigo, logo devolvendo tudo, exceto seu passaporte e seus documentos de identidade russos. Com base nestes documentos, ele recebeu um certificado oficial identificando-o como requerente de asilo. Como o centro de asilo de Zurique estava superlotado, ele foi transferido para o cantão de Berna.

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“Basicamente, hoje a parte estável de minha rotina se resume a estar no meu alojamento entre as 21h00 e as 9h00. No mais, terei que chegar pontualmente em minha entrevista com as autoridades quando enfim ela for marcada”, explica. “Essas são minhas duas principais obrigações do momento.” Vivendo no centro de asilo, ele recebe três refeições por dia. Ele receberia roupas se não tivesse nenhuma. Os requerentes de asilo em Berna recebem itens de higiene pessoal mais CHF 3 (US$ 3) por dia para gastar. Donchenko não sabe exatamente quando será a sua entrevista com as autoridades, mas tem de estar contatável todas as noites, pois o dia e a hora da entrevista são normalmente comunicados apenas na noite anterior.

Ele está surpreso por ninguém ainda ter perguntado a ele oficialmente por que ele realmente teve que deixar a Rússia e por que está pedindo asilo na Suíça. Ele sabe que as autoridades suíças de migração geralmente tratam os candidatos de maneira justa. Ele mesmo já passou por isso, no início da pandemia de Covid, quando passou por dificuldades após visitar a irmã na Suíça e todos os voos foram cancelados e seu visto caducado. Donchenko espera que o resultado de seu caso seja positivo.

Adaptação: Clarissa Levy & Fernando Hirschy

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