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“Não é não”: Suíça atualiza definição de estupro

women protesting sexual violence
© Keystone / Martial Trezzini

O governo suíço anunciou que o país vai começar a implementar a nova lei que define crimes sexuais a partir de 1° de julho de 2024. A tão esperada legislação inclui uma revisão da atual definição, bastante restritiva, de coerção sexual e estupro.

A Suíça foi criticada pela Convenção do Conselho da Europa no que diz respeito à prevenção e ao combate à violência contra a mulher e à violência doméstica (Convenção de Istambul), da qual é signatária, por exigir a necessidade de ameaças, força ou pressão psicológica como condição prévia para que um crime seja classificado como coerção sexual ou estupro.

A nova lei não exigirá mais que a força seja uma condição prévia e qualquer penetração não consensual, seja oral, vaginal ou anal, de um homem ou de uma mulher, será considerada estupro. “A revisão legal na definição de crimes sexuais na Suíça é um marco muito importante em comparação com a legislação desatualizada, que definia o crime de estupro de forma muito restrita e infligia regularmente injustiça às vítimas de violência sexual”, afirmou à swissinfo.ch por e-mail Cyrielle Huguenot, ativista dos direitos das mulheres na seção suíça da Anistia Internacional.

Consentimento: questão delicada

Um aspecto da nova lei que dividiu o Parlamento suíço foi a questão do consentimento. O Conselho Nacional (Câmara dos Deputados) foi a favor de uma abordagem afirmativa, também conhecida como “só sim significa sim”. Isso significa que o fator determinante é o consentimento baseado no livre arbítrio. De acordo com esse modelo, a passividade, o silêncio, a falta de consentimento ou a resistência não podem ser considerados consentimento. Um total de 14 países da União Europeia (UE) adotou esse modelo com graus variados de entendimento do que é consentimento. A Suécia e a Irlanda vão além, considerando também as circunstâncias nas quais o consentimento foi dado, enquanto Portugal e Chipre ainda exigem alguns elementos de coerção.

O Conselho dos Estados (Senado), por outro lado, defendia que o consentimento fosse baseado na expressão estrita de recusa ou em uma abordagem “não significa não”. De acordo com esse modelo, as vítimas precisam expressar sua oposição verbalmente ou através de ações. Os países vizinhos Alemanha e Áustria optaram por esse modelo que criminaliza os atos sexuais que ocorrem contra a vontade de uma pessoa.

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“O modelo ‘só sim significa sim’, também chamado de ‘modelo afirmativo’, provou ser o que melhor protege os princípios de direitos humanos da autonomia sexual e da integridade corporal”, diz Irene Rosales, Diretora de Políticas e Campanhas do Lobby Europeu das Mulheres, organização guarda-chuva de ONGs de mulheres na Europa.

No final, a solução “não significa não” prevaleceu na Suíça. Entretanto, no tradicional espírito suíço de compromisso político, a nova lei levará em consideração o estado de choque da vítima. Se a vítima estiver petrificada de medo e for incapaz de expressar sua recusa ou se defender, o agressor terá que responder por estupro ou agressão sexual e coerção.

De acordo com Huguenot, da Anistia Internacional, esse compromisso pode ficar aquém do modelo “só sim significa sim”, mas ainda assim chega bem perto, especialmente no que diz respeito à jurisprudência. “Provavelmente haverá pouca diferença nos tribunais em comparação com a solução ‘só sim significa sim’. No entanto, para o trabalho de prevenção, essa é evidentemente uma oportunidade perdida. O sexo sempre exige um ‘sim’ de todos os envolvidos, e isso precisa ser incutido na mente das pessoas”, completa Huguenot. 

O enigma do estupro na União Europeia

A Suíça não é o único país na região a ser forçado a encontrar um consenso. A definição de estupro voltou à tona quando a Comissão Europeia propôs, em março último (no Dia Internacional dos Direitos da Mulher), a unificação das regras em toda a UE para uma série de crimes sexuais, inclusive estupro. No entanto, as negociações trilaterais entre o Parlamento Europeu, a Comissão Europeia e o Conselho Europeu em dezembro falharam na tentativa de selar um acordo.

Tanto o Parlamento Europeu quanto a Comissão Europeia defendiam a definição de estupro “só sim significa sim”. A fonte de discordância veio do Conselho Europeu, com a Bélgica, a Itália e a Espanha a favor e 17 países contra, incluindo a Hungria e a Polônia, mas também a França e a Alemanha.

Edição: Virginie Mangin

Adaptação: Soraia Vilela

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