Fundações “cofrinhos” de moedas digitais proliferam em Zug
Cerca de um quarto dos US$1,5 bilhões (CHF1,45 bilhões) levantados este ano por empreendimentos de crowdfunding em moeda digital foram remetidos para fundações suíças. Muitas pessoas nas redes sociais estão chiando, mas haveria algo de sinistro por trás do meio bilhão de dólares destinados para essas instituições nos últimos anos?
Este conteúdo foi publicado em
9 minutos
Quando não cobre fintech, criptomoedas, blockchain, bancos e comércio, o editor de negócios da swissinfo.ch pode ser encontrado jogando críquete em vários locais na Suíça, inclusive na região de St. Moritz.
Novos projetos de criptomoeda têm se deparado este ano com uma rica fonte de capital de semente – o crowdfunding. Isto tem ajudado as ideias emergentes a decolar, passando por cima dos prudentes investidores de risco e explorando um crescente entusiasmo popular pela moeda digital.
A ideia não é exatamente nova, mas o chamado modelo de oferta inicial de moedas – ou Initial Coin Offering (ICO) – explodiu em 2017. Em todo o ano de 2016, cerca de US$222 milhões foram levantados desta forma. No primeiro semestre de 2017, o volume de recursos captados já ultrapassou US$1,5 bilhões.
Como exemplo, a Tezos arrecadou US$232 milhões em alguns dias, superando os US$150 milhões acumulados pelo Bancor ICO algumas semanas antes.
O que isto tem a ver com a Suíça?
Estas startups, obviamente, precisam de um lugar para abrigar seus fundos recém-adquiridos enquanto eles efetivamente produzem as inovações que prometeram. Por que não uma conta bancária? Por se considerarem sem fins lucrativos, empreendimentos de código aberto estão trabalhando para o bem público. Alguns até emitiram chaves de segurança para pessoas que contribuíram com o aumento do crowdfunding.
A Suíça, e especialmente o cantão de Zug, forjaram uma reputação crescente como um centro global de criptomoedas. A Bitcoin Suisse, empresa de consultoria em moeda digital sediada em Zug, esteve envolvida em várias ICOs e estima que um quarto do capital global captado se assenta neste momento em fundações suíças – mais de meio bilhão de dólares nos últimos dois anos.
A Suíça tem um modelo de fundação estabelecido que apoia ONGs, instituições de caridade e outras entidades. As fundações separam os fundos das pessoas que dirigem as organizações, uma maneira de garantir que as doações não sejam escoadas nos bolsos errados. Oficiais independentes administram os fundos de acordo com o estatuto da organização e não à revelia dos seus indivíduos.
A firma de advocacia MME diz que ajudou até agora 13 fundações de criptomoedas a se estabelecerem na Suíça, e está aconselhando por volta de mais 10 entidades desse tipo.
Desde o início deste fenômeno, quando da criação da Fundação Ethereum de Zug em 2014, as publicações das redes sociais vêm contestando a motivação de se criarem fundações como “cofrinhos” para empreendimentos de moedas digitais.
Algumas postagens questionam a necessidade de se levantar fundos tão grandes – em casos extremos, centenas de milhões de dólares. Há também o incômodo de que algumas fundações tenham a tarefa de distribuir grandes pilhas de chaves de segurança aos fundadores do projeto, como é o caso da Tezos.
Em geral, os críticos temem algum vilão de capa e espada por trás do acúmulo de fundos em uma fundação, por conta da famosa e secreta jurisdição suíça. Uma postagem comum poderia ser: “A Suíça está reinventando o segredo bancário com as criptomoedas”.
Além das mídias sociais, alguns profissionais do ramo estão preocupados com as possíveis falhas comerciais ou mesmo fraudes.
Qual é a resposta das startups de criptomoedas?
“A arrecadação de recursos para o Ethereum, que lhe ajudou a florescer como um projeto de sucesso com uma comunidade vibrante, foi depreciada como ‘inconcebível’ por muitos ativistas de sofá”, diz a fundação Tezos em um comunicado. “Os fundadores da Tezos não compartilham da cultura desta minoria, nem pedimos que aqueles que a adotam tomem parte da captação da Tezos. Sugerimos, em vez disso, que eles encontrem e contribuam para um projeto que compartilhe os seus valores”.
A Tezos, ao lado de outras fundações, tem respondido às críticas prometendo altos níveis de transparência. Juntamente com uma explicação detalhada de quais recompensas vão para os fundadores, dizem que darão atualizações regulares em desenvolvimento de projetos e gastos. A startup suíça de finanças e tecnologia Lykke, por exemplo, publicou recentemente uma auditoria independente sobre a sua fundação.
O que os órgãos reguladores suíços têm a dizer?
Para a FINMA (Autoridade de Supervisão do Mercado Financeiro Federal Suíço), que fiscaliza instituições garantindo que sua cartilha seja seguida corretamente, “negócios são negócios”. A agência não difere as empresas digitais e seu novo modelo de negócios. Na prática, todas as empresas podem gerar e distribuir lucros.
No final de 2016, a Suíça admitiu mais de 13 mil empresas digitais. Em 2015, elas controlavam em conjunto CHF70 bilhões, de acordo com o periódico Neue Zürcher Zeitung. É de responsabilidade de cada cantão verificar a legitimidade destas fundações antes de permitir que elas se instalem. A fiscalização de suas atividades é então submetida às autoridades cantonais ou federais.
O que os profissionais do ramo comentam?
Oliver Bussmann, presidente do Crypto Valley de Zug, acredita que a indústria deva elaborar um código de conduta auto-regulatório para proteger os investidores do rápido crescimento da ICO. “Criar uma fundação é quase como abrir uma instituição de caridade para arrecadar doações. A maioria dos investidores não entende que estão doando fundos para uma organização sem fins lucrativos e que tem interesse limitado em aumentar o valor das chaves de segurança. Alguns investidores podem se desiludir se não lerem atentamente as letras miúdas”, disse para swissinfo.ch.
“Os investidores têm que fazer a sua lição de casa. As ICOs são investimentos de alto risco e as pessoas não deveriam entrar a menos que entendam do negócio. Há vinte anos atrás, 80% das startups digitais não sobreviveriam”.
Bussmann também deseja que estas fundações criem mais empregos na Suíça. “Elas estão alavancando o setor legal suíço para emitir chaves de segurança, mas o seu desenvolvimento não é aqui. Criam inúmeras oportunidades para advogados e consultores, mas queremos o desenvolvimento de pesquisas e modelos de negócios sustentáveis que possam operar em todo país, gerando empregos”.
David Siegel, fundador da plataforma de moeda digital Pillar Project, criará em breve a sua fundação após angariar US$21 milhões em ICO no mês de julho. “O código aberto, por definição, não tem fins lucrativos”, contou para swissinfo.ch. “Os empreendimentos que operam sob esse modelo são elegíveis para isenção de imposto. Não temos acionistas ou beneficiários, e não existe o modelo para o lucro. Queremos mudar o mundo e estamos comprometidos com a propriedade pública. Nós somos o mesmo tipo de organização que a Cruz Vermelha”.
Ele ainda não sabe onde a fundação terá sua sede, mas acredita que as autoridades suíças supervisionarão esses empreendimentos bem de perto.
“Existem inúmeras regulamentações para monitorar fundações suíças. É necessário esclarecer tudo aos órgãos reguladores, que praticamente se sentam ao seu lado na mesa. Este cerco serve para impedir que as fundações sirvam apenas para esconder dinheiro ou pagar US$2 milhões ao ano para os seus executivos”.
Siegel acrescentou que o modelo de crowdfunding para ICO irá transformar tanto a forma como as startups levantam o capital inicial bem como desenvolvem os seus negócios.
“Órgãos reguladores deveriam realmente abrir os olhos para esta nova tecnologia. Estas instituições precisam se concentrar na elaboração de novas regras ao invés de tentar encaixar este novo modelo de empreendimento na estrutura antiga, atrasando o processo em 20 ou 30 anos”.
“Os anarquistas digitais chegaram para ficar. Se alguma jurisdição vier a aplicar regras excessivas, podemos nos afastar e criar a nossa moeda em outro lugar. Há um milhão de maneiras de burlar as regras”.
Adaptação: Renata Bitar
Mais lidos
Mostrar mais
Política exterior
Homens ucranianos enfrentam dilemas diários na Suíça
Como evitar que a inteligência artificial seja monopolizada?
Como evitar o monopólio da IA? Com o potencial de resolver grandes problemas globais, há risco de países ricos e gigantes da tecnologia concentrarem esses benefícios. Democratizar o acesso é possível?
Você já utilizou ferramentas de inteligência artificial no trabalhho? Elas o ajudaram ou, ao contrário, causaram mais estresse, aumentaram a carga de trabalho ou até mesmo resultaram na perda do emprego?
Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.
Consulte Mais informação
Mostrar mais
Suíços super-ricos querem uma fatia do boom da criptomoeda
Este conteúdo foi publicado em
“Existe apenas um tipo de investidor em moeda digital (criptomoeda): o que quer que os outros comprem cada vez mais”, diz Niklas Nikolajsen, fundador da Bitcoin Suisse para swissinfo.ch. Casas de câmbio da cidade de Zug, corretoras e serviços de consultoria estabelecidos desde 2013 viram a demanda explodir nos últimos 12 meses. “A maioria dos…
Este conteúdo foi publicado em
A moeda virtual bitcoin pode ter sido vítima da volatilidade, mas a Suíça tornou-se um terreno fértil para companhias startup que apostam em um futuro digital e diferente para a moeda. As atividades recentes do franco suíço apenas acrescentaram mais lenha à fogueira.
Quando o Banco Nacional Suíço (SNB) decidiu abandonar a taxa de câmbio fixa sobre o franco suíço, provocando uma forte valorização da moeda, os fãs do bitcoin declararam na internet já ter alertado para o perigo dessa flutuação. Enquanto a mídia tradicional declarou a morte da moeda virtual após a queda de 400% do seu valor depois do pico em novembro de 2013 e destacado uma série de escândalos envolvendo a tecnologia, a comunidade que apoia a moeda digital - ou "criptomoeda" - viu a decisão do SNB como a confirmação da crença que um sistema monetário decentralizado é o caminho ao futuro.
O sul-africano Johann Gevers criou na Suíça, onde reside hoje, uma empresa que batizou com o nome "Monetas". Ele declara ter ficado "muito feliz" ao acompanhar a decisão do SNB para enfrentar uma situação vista por ele como insustentável. Ela exporia as falhas de um sistema em que poucas pessoas ditam as regras em um banco central, "uma grande contradição" à filosofia do seu próprio negócio, ou seja, dar aos cidadãos o controle sobre suas vidas financeiras.
Monetas, em poucas palavras, é um sistema global de pagamento que permite a transferência de qualquer moeda ou commodity para qualquer parte do mundo através um aplicativo de celular, sem uma autoridade central para controlar a transação. Para fazê-lo, o empresário apoia-se na tecnologia de base do bitcoin para transações. Seu principal objetivo é o que Gevers denomina como "democratização das finanças" além das fronteiras e moedas.
Ao longo dos últimos anos, Gevers tem trabalhado para trazer pessoas que compartilham suas ideias à Zug, cantão ao sul de Zurique. Objetivo: estabelecer uma plataforma intitulada por ele de "Vale Cripto" para agregar pequenas empresas especializadas em lidar com a criptomoeda. Uma das empresas já instaladas é a Ethereum, que lançou a sua própria criptomoeda chamada "ether", uma plataforma para engenheiros de software dispostos a construir sistemas de apoio e também a Bitcoin Suisse, um provedor de caixas eletrônicos para bitcoins.
"Hoje são quinze companhias a fazer parte da associação de fiabilidade financeira digital que fundei no ano passado com o objetivo de criar um quadro jurídico favorável ao financiamento digital", declara.
Do outro lado da Suíça, na cidade francófona de Neuchâtel, Adrien Treccani também trabalha duro em três empresas relacionadas ao bitcoin na Bitcoin Factory, outra plataforma de criptomoeda para ser lançada em breve. Doutorando em matemática financeira no Instituto Suíço de Finanças, Treccani tem o pé nos dois mundos: a cultura de alto risco das empresas startup relacionadas à criptomoeda e o mundo financeiro tradicional da Suíça. Quando a taxa fixa de câmbio foi removida, ele também acreditava que a política do SNB tinha uma data de expiração e apoiou a sua decisão. Todavia percebeu diferentes reações segundo o ambiente que frequentava.
"Era a favor do abandono da taxa fixa de câmbio e vi que muitas pessoas na comunidade bitcoin também pensavam da mesma maneira. Mas não foram muitas as pessoas (do mundo financeiro convencional) que concordavam", diz, baseando a diferença de opinião dos fãs da criptomoeda na antipatia que tem à "forma como os bancos centrais manipulam as moedas."
Gevers gostaria de ir mais longe e trabalhar diretamente com os bancos centrais "para mostrá-los que o curso que têm seguido até agora é simplesmente insustentável e muito perigoso para o tecido social". Para os empresários de startups, um dos seus principais objetivos é de falar com os bancos centrais sobre a utilização do sistema Monetas e da tecnologia de criptomoedas por trás com o objetivo de tornar mais sustentável a emissão de moedas.
Todavia, o ex-chefe historiador do UBS, Robert Vogler, colocou a ideia na categoria de "aspirações" e o SNB não comentou sobre sua vontade de acalentar tal conceito. Para Vogler, a moda atual de investimento em criptomoedas encontra paralelos em outras situações históricas de crises financeiras. Ele aponta as teorias de Silvio Gesell sobre a emissão de moeda a um valor constante na esteira de uma depressão na Argentina no final dos anos 1800 ou do "WIR", o sistema monetário independente criado pela Suíça nos anos 1930 e que hoje também funciona como uma moeda eletrônica. Para ele não é uma surpresa que ideias de novas moedas sempre surjam acompanhando crises financeiras e econômicas.
"Essas aspirações de se afastar da realidade se tornaram um pouco sintomáticas. Acreditar que você pode evitar alguns riscos do sistema atual", acredita Vogler.
E ele, assim como outros céticos das criptomoedas, ressalta a volatilidade do bitcoin como o maior problema para o seu sucesso futuro. "Se você olha para a gigantesca volatilidade comparada com o dólar ou o franco, para mim isso se resume a uma espécie de aspiração. A ideia é admirável, mas de alguma forma não será a solução para os problemas."
O professor de finanças da Universidade de Boston, Zvi Bodie, declarou ao programa de televisão PBS NewsHour, que uma parte do problema com o bitcoin é que este é uma moeda sem garantias de nenhum governo, terceiros (como uma empresa de cartão de créditos) ou entidade física, independente ou válida (como o ouro). "Bitcoins parecem não ter nenhuma fonte independente de valor além de um grupo de informáticos que concordaram em aceitá-la", afirma Bodie.
Moeda versos conceito
Ninguém nega que o bitcoin é volátil ou ser visto como um investimento de risco elevado, diz Treccani. Essa é um das três principais razões, acredita, que freiam sua popularização. As outras duas seriam acessibilidade e segurança.
Agora mesmo, quando comparado o uso de outras formas de pagamento como cartões de crédito, os bitcoins continuam sendo um nicho no mercado. De acordo com a revista Financial Times, o sistema processa aproximadamente 100 mil transações por dia, enquanto que no caso do Visa, seriam 150 milhões.
Mas Treccani ressalta que a própria criptomoeda e o sistema por trás dela seriam duas coisas diferentes. "Você tem que separar a moeda bitcoin da tecnologia bitcoin", diz. "Então você vê o valor real nessa inovação estrutural."
É a inovação que impulsiona empresas startups abrigadas nas plataformas Crypto Valley e Bitcoin Factory. E Treccani vê mais colegas seus no setor financeiro se acostumando à tecnologia. "Eles podem ainda desconhecer a sua utilidade ou diferenças do atual sistema, mas eles veem que o bitcoin é um passo credível na inovação financeira", afirma. Recentemente, o sinal mais seguro do interesse crescente do mundo tradicional das finanças na criptomoeda possa ter sido o investimento de 75 milhões de dólares da Bolsa de Valores de Nova Iorque e outros parceiros na Coinbase, um mercado online primário de negociação e estocagem de bitcoins.
Gevers, Treccani e outros que trabalham no desenvolvimento do setor suíço de empresas startup ligadas a criptomoedas argumentariam que a Suíça é vista como um país atraente para o lançamento de novas empresas.
Por enquanto, o governo suíço e o Banco Nacional Suíço divulgaram um relatório no ano passado sobre a regulação do mercado de bitcoins. Nele, as autoridades definem a criptomoeda como uma forma de pagamento como outra qualquer, delineando diretrizes para negociantes e operadores.
Isso equivale a um ambiente regulatório mais claro para a criptomoeda na Suíça, argumenta Treccani, comparado com certo grau de incerteza em países vizinhos ou nos Estados Unidos.
Criptomoeda: pequeno dicionário
Bitcoin: o tipo mais utilizado de moeda digital. Ela teria sido inventada em 2008 por uma pessoa com o pseudônimo de Santoshi Nakamoto. Ela é aceita por centenas de empresas eletrônicas no mundo como Amazon e Virgin.
Criptomoeda: uma forma de moeda que utiliza criptografia para controlar sua criação e gestão.
Blockchain: Transações são transmitidas a outros nós em poucos segundos, mas não se tornam oficiais imediatamente, isso acontece apenas depois que a transação é reconhecida na lista de todas as transações conhecidas com marcas temporais mantida coletivamente, conhecida como block-chain ("cadeia de blocos" em inglês). Esse reconhecimento se baseia num sistema de prova-de-trabalho para prevenir gastos duplos e falsificação.
Não foi possível salvar sua assinatura. Por favor, tente novamente.
Quase terminado… Nós precisamos confirmar o seu endereço e-mail. Para finalizar o processo de inscrição, clique por favor no link do e-mail enviado por nós há pouco
Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!
Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.