No Canadá, uma professora suíça combate a insegurança alimentar
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Em meio à pandemia, Pamela Farrell, uma suíça residente no Canadá, criou uma instituição de caridade que fornece alimentos saudáveis para quem precisa, na região das Cataratas do Niágara. Após o sucesso da iniciativa, trabalha agora para replicar o modelo em outras localidades do Canadá.
Pamela Farrell guarda uma memória de infância marcante. Se lembra com clareza dos dias em que esperava junto com a mãe a chegada dos ‘ônibus MigrosLink externo‘ – veículos da rede de supermercados suíça que entregavam alimentos em todo o país, até 2007.
“A comida vinha até nós e podíamos comprar mantimentos frescos”, relembra à SWI swissinfo.ch. No atual país de Farrell, no entanto, em algumas regiões ainda é impensável conseguir produtos frescos com facilidade. Em grande parte do Canadá, encontrar comida fresca, saudável e perto de casa muitas vezes não é uma opção.
Na América do Norte existem muitos “desertos alimentares” – áreas onde as pessoas têm acesso limitado a alimentos nutritivos e baratos – espalhados pelo continente. De acordo com uma definição do termo, “deserto alimentar” é um lugar onde o supermercado mais próximo fica a dois quilômetros de distância (para áreas urbanas ou suburbanas) e a mais de 15 quilômetros de distância (para áreas rurais).
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Essas regiões geralmente não atraem grandes redes de supermercados, já que boa parte dos habitantes têm baixa renda e mobilidade limitada. Nessas localidades, a população têm acesso principalmente a produtos ultra processados e industrializados. A dificuldade em acessar uma gama variada de produtos frescos e saudáveis é apontada como um dos motivos do aumento das taxas de obesidade nos Estados Unidos e no Canadá.
“Mas, paradoxalmente, esses desertos alimentares costumam coincidir com áreas agrícolas onde, na verdade, não há escassez de alimentos frescos”, diz Farrell. Foi a partir dessa contradição que ela começou a lutar pela criação de um centro comunitário de educação alimentar, até enfim abrir as portas do centro “GrowLink externo” – “cultivar” em tradução livre – em 2020.
“Pamela está fazendo uma grande diferença para os mais pobres em meio à pandemia. Ela é um exemplo para todos nós e uma excelente embaixadora da Suíça “, diz John Turner, que é voluntário no Grow. Turner ficou tão impressionado com o compromisso dessa suíça que mora no exterior que entrou em contato com a swissinfo.ch para contar sobre o projeto.
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Pobreza latente
Farrell nasceu em Zurique, em 1977, onde também cresceu. Em 2001, se mudou para o Canadá e agora, depois de 20 anos morando no continente americano, está se aproximando de um momento decisivo: “em breve terei vivido mais tempo aqui do que na Suíça”, disse. A senhora de 44 anos preferiu dar a entrevista ao swssinfo.ch em inglês.
Pamela contou que depois de estudar economia na Suíça, no final da década de 1990 conheceu em Londres o canadense que viraria seu marido. A relação, que começou como um caso de verão, se tornou séria e ela se mudou para Toronto, no Canadá. Lá, trabalhou para um empregador suíço e frequentou vários cursos universitários. “Quanto mais eu aprendia, mais percebia o quão pouco eu sabia”, contou. Agora, Farrell é professora, mora perto das Cataratas do Niágara e está prestes a concluir um doutorado na área de educação.
Mesmo depois de duas décadas no exterior, a expatriada suíça ainda se impressiona com o quanto a pobreza é mais visível na América do Norte do que na Suíça. “Na América do Norte, os beneficiários da previdência social têm direito apenas a um pequeno pagamento mensal, que geralmente dá conta de cobrir somente o aluguel”, diz ela. “Na Suíça, as políticas de bem-estar social são estruturadas de tal forma que você recebe auxílios mais amplos e suficientes”.
No Canadá, diz ela, como consequência da insuficiência dos auxílios, as pessoas de baixa renda raramente podem comprar alimentos saudáveis. É simplesmente muito caro. Em paralelo, as deficiências da rede de transporte público também tornam mais difícil conseguir um emprego. “Não se pode chegar longe aqui sem um carro.” É um círculo vicioso, diz.
Quilômetros sem comida fresca
Tudo isso levou Farrell a questionar pessoas-chave da cidade onde vive, no entorno das Cataratas do Niágara. O que a região precisa? Como podemos ajudar os trabalhadores pobres, que inclusive aumentaram em número, devido às consequências da pandemia para o setor turístico da região?
A questão da comida logo surgiu. As Cataratas do Niágara são um deserto alimentar. “A uma distância curta é possível achar uma loja de bebidas, uma cervejaria e três dispensários de maconha, mas nenhum lugar para comprar alimentos frescos”, diz Turner.
Ao contrário dos bancos de alimentos, que distribuem principalmente alimentos enlatados e fast food para pessoas necessitadas, Farrell sonhava em criar um oásis que além de fornecer alimentos frescos, também ajudasse a fortalecer a comunidade.
Segundo Farrell, o que a motiva é o desejo de justiça social. “Como professora, vejo as desigualdades sociais que existem em nossas diferentes escolas e bairros diariamente”, desabafa.
Fila do pão
A ideia do centro de alfabetização alimentar logo encontrou um solo fértil. Depois de muito trabalho e graças a uma grande equipe de voluntários, o centro Grow abriu suas portas em 2020. Farrell recebeu verbas do governo e muitas doações para o projeto.
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Agora, ela passa cerca de 20 horas por semana no projeto – principalmente quando seus filhos estão dormindo – e tudo de forma voluntária. “A gestão do tempo é um dos meus pontos fortes”, diz ela. Turner confirma isso: “Pamela é tão bem organizada. Ela funciona como um relógio suíço”, diz ele.
No Grow, as pessoas podem comprar comida, frequentar aulas de culinária e – quando a pandemia permitir – simplesmente passar algum tempo juntas. Em média, 150 compradores vêm ao Grow todos os dias. “A fila se estende ao redor do quarteirão frequentemente”, diz Turner. Existe apenas um pré-requisito para fazer compras lá: “é necessário provar que se tem uma renda baixa”, acrescenta Farrell.
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“O fato de ter crescido na Suíça me dá coragem para lutar por mudanças e defender os outros”, diz a emigrante suíça, acrescentando que seu projeto tem “planos ambiciosos”. Comer, cozinhar e reunir pessoas é só o começo. Com o tempo, também almeja estimular as pessoas a se mobilizarem na busca por direitos na participação política através do voto.
Farrell também espera expandir o projeto e criar mais centros de educação alimentar na região. “A chave é tornar nosso projeto atraente para outras comunidades e, assim, abandonar os programas alimentares de emergência”. Ela está convencida de que encontrou um modelo sustentável e viável para fazer isso.
Adaptação: Clarissa Levy
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