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Quando o espírito deve sair da torre de marfim

Servan Grüninger

Pesquisadores suíços fazem parte da elite científica há muito tempo, mas no que respeita à espiritualidade continuam a ser "agricultores". É o que escreve Servan Grüninger.

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A Suíça não é um país do espírito. Não porque a Suíça não produza realizações intelectuais de alto nível. Não, a Suíça não é um país espiritual porque não celebra o espírito.

O que institui a sua identidade não são os voos intelectuais, mas sim coisas tangíveis como montanhas, agricultores e bancos.

Os suíços querem estar próximos da natureza e ser modestos, mas também empreendedores. Não se importam de deixar as ideias grandiosas e as invenções malucas para os outros.

No entanto, a Suíça está entre as principais nações de pesquisa no mundo e foi e é sempre um paraíso para pensadores ousados. Einstein desenvolveu a teoria da relatividade em Berna e o CERN deu à luz a internet em Genebra.

Três ideias de renome mundial, mas também três ideias que conquistaram fama lá fora, no mundo. O espírito é, de fato, livre na Suíça, mas primeiro libera suas energias em outros lugares – e depois volta quando tiver provado a sua utilidade.

De relógios, chocolates e máquinas de café a medicamentos, seguros e ferrovias: a Suíça é boa em aperfeiçoar o que já teve sucesso em outros lugares.

Com olhos atentos aos detalhes, mas sobretudo com um olhar para os negócios. É por isso que a Suíça não é apenas uma nação de vontade, mas também uma nação de conhecimento: o que cria conhecimento muitas vezes também cria empregos.

A relação da Suíça com as realizações intelectuais é, portanto, pragmática: o foco não está no ideal, mas na aplicação. Foi assim que a tecnologia suíça perfurou o túnel de São Gotardo, voou até a Lua e levou as pessoas ao ponto mais profundo dos oceanos.

O comprovado como base, o futuro como objetivo

Há ainda uma segunda razão pela qual ciência e Suíça se encaixam tão bem. É a constante tensão entre o tradicional e o novo.

Quem quiser fazer algo acontecer na Suíça precisa de paciência e força de vontade, pois o país valoriza o que é sólido e confiável, fiel ao lema: o que o suíço não conhece, ele não consome.

Novas ideias, portanto, têm dificuldade em vingar, mas uma vez estabelecidas, tendem a perdurar no tempo.

O mesmo ocorre nas ciências: novas teorias têm de se afirmar contra o que já existe. O que o cientista não conhece, ele pesquisa primeiro a fundo. E, em caso de dúvida, confia no que já foi comprovado pelas ciências.

O consenso de hoje é muitas vezes o pomo de discórdia de ontem – e o consenso só se torna o que pode ser empiricamente comprovado e teoricamente explicado ao longo dos anos. Por esta razão, os grandes prêmios científicos – sobretudo os prêmios Nobel – são geralmente atribuídos a descobertas feitas décadas atrás.

Consideremos, por exemplo, a história da geneticista Barbara McClintock, que descobriu no século passado que nem todos os genes têm um lugar fixo no genoma, podendo às vezes saltar espontaneamente de um lado para o outro.

A comunidade científica reagiu com desconfiança, pois as teorias de McClintock estavam muito distantes da opinião maioritária da época.

No entanto, ela estava certa – e foi distinguida com o Prêmio Nobel décadas mais tarde. Não é à toa que o sociólogo americano Robert Merton descreveu o “ceticismo organizado” como uma pedra angular do trabalho científico.

E esse ceticismo não é de modo algum ruim. Porque há demasiadas pessoas que se julgam o próximo Galileu Galilei e acreditam que nadar contra a corrente é, por si só, uma distinção.

No entanto, ater-se exclusivamente ao que já foi experimentado e testado não é suficiente para criar conhecimentos. Nem é suficiente para moldar um país. Em vez disso, a máxima deveria ser: “O comprovado como base, o futuro como objetivo” – tanto para as ciências quanto para a política. É assim que podemos aproveitar as oportunidades de hoje e superar os desafios de amanhã – e fazer isso juntos.

Deixar o espírito sair da torre de marfim

Quer se trate de mudanças climáticas, envelhecimento ou digitalização: a política precisa da ciência, mas sobretudo a ciência precisa da política para enfrentar os grandes desafios de nosso tempo.

Afinal, a ciência não é um concerto de desejos nem um oráculo, mas um modo de compreender o mundo: questionando, pesquisando, certificando-se.

Isso obriga-nos a ser modestos, mas também traz alívio: a ciência não carrega a responsabilidade de resolver problemas sociais. Essa responsabilidade cabe à política e, em uma democracia, em última análise, a todos nós.

Todavia, as ciências podem contribuir para vencer os desafios sociais, fazendo o que sabem fazer de melhor: criar e transmitir novos conhecimentos. Para isso, os pesquisadores precisam de liberdade para explorar o que ainda não tem um benefício discernível.

Infelizmente, nos últimos tempos, tem-se observado uma impaciência doentia no tratamento da pesquisa científica: a pressão para que o valor social da ciência se manifeste de maneira cada vez mais rápida e imediata.

A visão pragmática para a criação intelectual conduz a um fetichismo de aplicação míope, em que só conta o que traz retorno.

A ciência que almeja a todo custo ser útil, que se orienta apenas para o que é economicamente rentável ou politicamente desejável, mina o que a torna socialmente valiosa: a capacidade de pensar coisas que não podem ser pensadas dentro do estreito espartilho das restrições políticas e econômicas e, assim, desenvolver soluções novas e criativas para problemas conhecidos.

O espírito na torre de marfim deve ser capaz de se libertar, a fim de criar valor excedente a longo prazo. Por conseguinte, olhar para os problemas imediatos de hoje não deve obstruir a visão do potencial de amanhã.

Desde a origem do universo e da humanidade ao desenvolvimento da tecnologia de edição genética, passando pela revolução digital e pela inteligência artificial: a base de muito do que hoje determina a vida cotidiana foi concebida há anos ou até décadas na torre de marfim, sem se saber exatamente para que serviria.

É claro que isso não significa que todas as ideias e todos os resultados de pesquisa trarão, em algum momento, benefícios sociais. Pelo contrário: muito conhecimento nunca sairá da torre de marfim.

Mas isso não é de todo ruim. Afinal, o objetivo das ciências deve ser o de fornecer um reservatório de ideias, conhecimentos e métodos do qual outras partes da sociedade possam servir-se.

O que, por fim, é aplicado não é determinado apenas pela ciência, mas pela sociedade como um todo.

No entanto, se ela tiver a coragem de deixar o espírito sair da torre de marfim, ela poderá não somente administrar o presente, mas também moldar o futuro.

Este texto é uma versão adaptada do discurso de abertura do concurso de ideias Reatch “1848 → 2023 → 2198: Para soluções eficazes, mesmo em 175 anosLink externo”.

Servan GrüningerLink externo é cofundador e presidente da Reatch. Ele iniciou seus estudos em Ciência Política e Direito e se formou em Bioestatística e Ciência da Computação. Atualmente, ele faz seu doutorado em Bioestatística no Instituto de Matemática da Universidade de Zurique.

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