O mundo precisa de tecnologias que possam conter desastres
Os ataques terroristas de 11 de setembro revelaram a necessidade de uma tecnologia robótica mais avançada, que possa nos ajudar a prevenir e mitigar desastres - como por exemplo, robôs que possam realizar missões de busca e resgate. Porém, 20 anos depois, a baixa demanda do mercado e a dificuldade de implantar soluções no campo tornam o progresso uma luta, diz um importante pesquisador suíço.
Marco HutterLink externo , professor de sistemas robóticos do Instituto Federal de Tecnologia ETH Zurich, falou com a SWI swissinfo.ch sobre como a Suíça está tentando acelerar o desenvolvimento de robôs para trabalhar ao lado de humanos em situações de emergência.
SWI: Que impacto os ataques de 11 de setembro tiveram na robótica de busca e resgate, sua área de especialidade?
Marco Hutter: Acho que depois de 11 de setembro, houve uma percepção de como é difícil trabalhar com robôs de busca e resgate, que é provavelmente um dos campos mais difíceis e não estruturados da robótica.
Vinte anos atrás, quando houve o ataque às Torres Gêmeas e ao Pentágono, nenhuma solução robótica estava pronta para uso. Hoje, a tecnologia avançou, mas ainda há um longo caminho a percorrer. Você pode enviar drones para realizar avaliações. Mas ainda não chegamos ao ponto em que podemos realmente implantar um robô que entraria em locais danificados e realizaria ações significativas em um curto espaço de tempo. Vai demorar muito para termos uma tecnologia madura para esse propósito.
SWI: Por que continua tão complicado fazer missões de busca e resgate de robôs, especialmente quando a necessidade deles é tão grande em meio a desastres ambientais e outros?
MH: No universo tecnológico, a mobilidade é uma questão extremamente desafiadora. Hoje, podemos voar drones em espaço aberto ou ter robôs operando em ambientes bem estruturados e conhecidos. Fazê-los operar em um prédio desabado reúne desafios de mobilidade, compreensão do ambiente ou comunicação de dados, para citar apenas alguns. Em segundo lugar, é importante que os robôs possam não apenas olhar e observar seus arredores, mas também interagir com eles de uma maneira útil. A capacidade de manipular é crucial, mas também extremamente difícil de implementar. Além disso, cada ação deve ser realizada rapidamente porque, em uma emergência, o tempo é crítico.
Esses são os principais desafios, além do fato de que cada situação é diferente e pode ser imprevisível. É intuitivo para nós tomar decisões instantâneas em certas circunstâncias, mas para um robô não é assim que funciona.
SWI: O que os robôs podem fazer, na prática, em casos de ataques terroristas como o de 11 de setembro?
MH: Existem dois tipos de intervenção possíveis: um diz respeito à contenção do problema antes que ele aconteça. Sob esse ponto de vista, a tecnologia passou por uma evolução significativa em termos de sistemas modernos de segurança em Tecnologia da Informação. A segunda intervenção é a que ocorre na fase pós-desastre, para mitigar as consequências.
Neste ponto, as soluções robóticas podem ajudar a avaliar a situação, seja por drones que captam imagens de cima ou também robôs terrestres controlados remotamente que podem ser enviados a alguma área para, por exemplo, inspecionar um prédio bombardeado ou até mesmo procurar sobreviventes.
SWI: Os ataques de 11 de setembro deram alguma visibilidade a essas dificuldades e aceleraram as pesquisas sobre robôs para situações emergenciais?
MH: Desastres como 11 de setembro ou Fukushima sempre tendem a acelerar a pesquisa em áreas como a robótica no início, mas depois o interesse diminui com o tempo. Globalmente, o desastre de Fukushima inspirou, por exemplo, o programa DARPA Robotics Challenge dos Estados Unidos que visa promover a inovação tecnológica em robótica supervisionada por humanos em operações de gerenciamento de desastres.
Na Suíça, estamos tentando melhorar a eficiência e eficácia dos robôs em desastres por meio do programa “ARCHE”, que significa “Capacidades Robóticas Avançadas para Ambientes Perigosos”. Este é um programa plurianual envolvendo cerca de 100 pesquisadores na Suíça, bem como diferentes partes interessadas, que visa testar e melhorar o suporte de robôs para atividades de mitigação de desastres.
No entanto, o mercado de robôs de busca e salvamento não é enorme, o que não torna a abertura de um negócio muito atraente. Portanto, temos que encontrar maneiras de fazer avançar o campo da robótica como um todo e redirecionar a tecnologia desenvolvida, por exemplo, para aplicações industriais.
SWI: Como as soluções são testadas na prática?
MH: Todo verão, em julho, vamos para um campo de exercícios em Wangen an der Aare (noroeste da Suíça) por uma semana, onde tropas de resgate, bombeiros e outras organizações também treinam e onde podemos simular operações dentro de prédios destruídos, queimados ou inundados. Dessa forma, tentamos entender o que é realisticamente possível com robôs. Por exemplo, simulamos o mapeamento de uma área e busca por fontes radioativas usando escavadeiras teleoperadas para remover entulhos ou enviando robôs com pernas para um prédio com objetivo de que eles façam uma primeira avaliação. O programa, co-organizado pela Armasuisse [Escritório Federal de Armamento], ETH e Unidade de Treinamento de Engenharia / Resgate / NBC, envolve estudantes e pesquisadores de todo o mundo, civis e militares. Gostaríamos de envolver mais e mais grupos de interesse neste projeto para testar a tecnologia em um cenário realista.
Também existem programas semelhantes na Áustria e na Alemanha, mas o suíço é realmente um projeto guarda-chuva que reúne toda a pesquisa nesta área em todo o país.
Para os envolvidos na pesquisa, essas simulações são importantes para a compreensão de problemas reais. É fácil se perder na teoria e então talvez desenvolver soluções que não são realmente úteis na prática. Abordar os problemas práticos nos ajuda a identificar as questões subjacentes que precisam ser respondidas.
SWI: Se outro ataque como o 11 de setembro acontecesse, que tecnologia poderia ser usada para fins de busca e resgate?
MH: Em primeiro lugar, os drones se tornaram uma ferramenta padrão e certamente seriam usados para uma avaliação rápida do ar. Além disso, nos últimos anos, também vimos um enorme progresso na mobilidade de robôs terrestres não tripulados, graças à aplicação de pernas robóticas. Estou me referindo a robôs quadrúpedes semelhantes a animais que estão sendo implantados em alguns dos ambientes mais desafiadores que existem. Estamos falando, por exemplo, sobre minas, esgotos e florestas.
Com meu grupo na ETH Zurich e a startup ANYbotics, por exemplo, desenvolvemos o robô quadrúpede “ANYmal”. Graças às suas quatro pernas, este robô pode atravessar terrenos acidentados. Isso é muito útil para realizar explorações em ambientes diferentes ou difíceis de alcançar que são perigosos para os humanos.
SWI: Um robô como o ANYmal também facilitaria os resgates em montanhas, por exemplo, nos Alpes suíços?
MH: Cobrir longas distâncias em pouco tempo e com pouca energia ainda é um desafio para os sistemas de pernas. Podemos fazê-lo percorrer vários quilômetros, mas para atividades de pesquisa em grande escala nas montanhas, isso provavelmente não seria suficiente. Nesses casos, pode ser muito mais útil utilizar drones de asa fixa – que geram sustentação com suas asas e são, portanto, mais eficientes – que podem apoiar as atividades de busca.
SWI: Apesar desses avanços, você afirma que não há mercado para esses robôs. Por quê?
MH: A questão é: quem vai comprar esses robôs? Polícia, bombeiros e tropas de resgate são notoriamente sub financiados, com exceção de alguns corpos militares. Além disso, eles não podem comprar protótipos de pesquisa. Eles precisam ter sistemas robustos e funcionais, e isso cria uma grande lacuna entre a pesquisa e a implementação em campo das soluções desenvolvidas. Como mencionei anteriormente, temos que encontrar maneiras de comercializar sistemas robóticos para mercados menos desafiadores e mais escalonáveis antes que eles se estabeleçam como produtos robustos para busca e resgate. Infelizmente, isso leva tempo. É por isso que o progresso nesta área da robótica é tão lento. No entanto, nos dias de hoje, o mundo precisa de tecnologias que possam conter desastres.
Adaptação: Clarissa Levy
Adaptação: Clarissa Levy
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