O que muda com a troca automática de informações financeiras
A troca automática de informações entre os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) já é uma realidade. No entanto, as dúvidas dos imigrantes brasileiros na Suíça sobre as implicações de tal prática ainda são muitas. A seguir, o advogado brasileiro Marcelo Righi de Andrade e a secretária para migração do sindicato Unia Marília Mendes respondem as questões mais frequentes.
A partir de 2019, Brasil e Suíça passarão a trocar as informações financeiras de seus cidadãos dentro de um padrão comum e de forma automática. É a chamada troca automática de informações financeiras. No entanto, desde o início deste ano a coleta de informações já vem ocorrendo, por meio das instituições bancárias desses países.
Tal prática é resultado de uma série de medidas e compromissos adotados nos últimos anos por diversos países no âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a fim de fortalecer a cooperação internacional para prevenção e combate à evasão tributária, à ocultação de ativos e à lavagem de dinheiro. Cerca de 100 países já se comprometeram a aderir à iniciativa. Uma parte deles já iniciou a troca de informações em 2017.
Mesmo com o avanço do processo, dúvidas não faltam aos imigrantes brasileiros residentes na Suíça. Com o objetivo de esclarecê-las, o advogado Marcelo Righi de Andrade e a secretária para migração do Sindicato Unia Marília Mendes realizaram nos últimos meses eventos informativos em Berna, Zurique e Solothurn. A seguir, eles respondem as dúvidas mais recorrentes. E recomendam que casos específicos sejam encaminhados a um especialista, neste caso, um advogado tributarista.
swissinfo.ch: Que tipo de informação será objeto de troca automática entre Brasil e Suíça?
Marcelo Righi: As entidades financeiras atuantes nos países signatários da Convenção sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Tributária da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) têm o dever de relatar toda e qualquer movimentação financeira de seus clientes à autoridade fiscal do país onde sediadas. Pode-se dizer que essa obrigação engloba dados sobre contas bancárias, aplicações, seguros resgatáveis, previdência privada, planos de capitalização e outras movimentações de cunho financeiro. As informações coletadas nesse âmbito pelas autoridades fiscais brasileiras e suíças serão objeto da troca automática entre os dois países.
swissinfo.ch: Por que é necessário declarar ao fisco suíço os rendimentos e patrimônio situados no Brasil?
M.R.: Isso decorre da legislação tributária não só da Suíça. O Brasil também exige de seu contribuinte a declaração global de seus rendimentos e patrimônio. Trata-se de norma legal e soberana dos países, de relevância para definir a carga tributária do contribuinte (há influência direta, por exemplo, na alíquota de tributação a ser usada como base de cálculo do imposto devido). O que define a obrigatoriedade em apresentar a declaração de ajuste anual de imposto de renda é a residência fiscal da pessoa em questão. Quem estiver obrigado, mas não fizer a declaração global de suas rendas e patrimônio, pode, talvez, incorrer em sonegação fiscal.
swissinfo.ch: Por que é importante declarar a saída definitiva do Brasil (uma vez que o cidadão ou cidadã fixe residência em outro país)?
M.R.: Ao formalizar a saída definitiva do Brasil, mediante a entrega da declaração de saída definitiva do país à Receita Federal do Brasil, o cidadão passa a ter tratamento fiscal como não residente. Por um lado, essa condição (de não residente) desobriga o cidadão a realizar a declaração de ajuste anual de imposto de renda à Receita Federal do Brasil. Por outro lado, ela gera a tributação na fonte, baseada em alíquotas mais elevadas daquelas aplicáveis ao residente (um dos exemplos mais drásticos: rendimentos da aposentadoria recebidos pelo não residente são tributados em 25%). Outra situação relevante é que no caso do ganho de capital, o não residente não tem direito à isenção aplicável ao residente e deve recolher o imposto na data da alienação do bem.
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Marcelo Righi: que mudanças traz o novo acordo
swissinfo.ch: E qual o impacto da mudança para quem pretende manter ou já vem, de fato, exercendo a residência fiscal tanto no Brasil quanto na Suíça?
M.R.: Primeiramente, é necessário observar que, ao manter a residência fiscal no Brasil, o que pode se configurar, dentre inúmeras outras hipóteses, perante a ausência de entrega da declaração de saída definitiva combinada com efetivo movimento financeiro no Brasil (por exemplo, movimentação de conta bancária com cadastro de residente no Brasil, junto a um banco sediado no Brasil) – o cidadão continua recebendo o tratamento tributário garantido ao residente no Brasil. Em outras palavras, ele se beneficia das isenções tributárias e das alíquotas aplicáveis ao residente no país. Em contrapartida, ao assumir essa condição, o cidadão, a princípio, está obrigado a apresentar declaração de ajuste anual de imposto de renda à Receita Federal do Brasil, incluindo todos os seus rendimentos e patrimônio, no âmbito global, ou seja, inclusive suas rendas, bens e direitos auferidos e situados no exterior, seja onde for.
A inovação consiste em que, com a troca automática de informações, as autoridades fiscais brasileiras e suíças terão à sua disposição os dados financeiros de seus contribuintes. Trata-se de um mecanismo de controle pelo qual as autoridades poderão averiguar se as declarações fiscais apresentadas pelos contribuintes são compatíveis com a movimentações financeiras realizadas em ambos os países.
swissinfo.ch: Os governos podem ir além e solicitar dados de contas bancárias retroativos ou só terão acesso aos dados disponíveis a partir de 2018?
M.R.: A coleta das informações financeiras no âmbito da relação Brasil-Suíça ocorre desde 1º de janeiro de 2018 e, para efeitos da troca automática não retroage a período anterior a essa data. Entretanto, a Convenção prevê que os países signatários podem estender a prestação de assistência administrativa para períodos anteriores. Em tese, portanto, é possível imaginar a colaboração mútua na apuração de mais dados financeiros relevantes, inclusive a períodos anteriores.
swissinfo.ch: Quais são os prazos de prescrição da cobrança de imposto nos diversos países signatários da Convenção?
M.R.: No Brasil o prazo de prescrição é de 5 anos e na Suíça é de 10 anos.
swissinfo.ch: Caso o cidadão se enquadre na condição de obrigatoriedade da apresentação de declarações de ajuste anual de rendas no Brasil e na Suíça, concomitantemente e de forma global, ou seja, incluindo nelas rendimentos e patrimônio situados em ambos os países, qual seria a consequência tributária?
M.R.: Há pouco havia o risco de ser obrigado a pagar impostos em ambos os países. No entanto, no dia 03 de maio (2018) foi assinado em Brasília um acordo bilateral entre o Brasil e a Suíça para evitar dupla tributação. Esse compromisso internacional, contudo, ainda precisa ser convertido em direito nacional, para só então entrar em vigor. No Brasil, por exemplo, é necessária a aprovação do acordo bilateral pelo congresso nacional e a sua ulterior ratificação e promulgação, por atos do poder executivo. Na Suíça o acordo também carece da aprovação do legislativo. Depois de concluído esse processo, o acordo bilateral passa a vigorar com força de lei e determinará os limites temporais e percentuais de incidência, isenção ou outro tratamento a ser observado por ambos os fiscos na tributação dos contribuintes que se depararem com deveres fiscais a cumprir simultaneamente no Brasil e na Suíça.
Na Suíça
swissinfo.ch: Como a troca de informações afeta a situação tributária do cidadão brasileiro residente na Suíça que declara ao fisco brasileiro somente rendimentos e bens situados no Brasil, e às autoridades suíças somente rendimentos e bens situados na Suíça?
Marília Mendes: De acordo com a lei fiscal suíça, o cidadão deve declarar seus rendimentos e patrimônio no âmbito global, ou seja, rendimentos e bens na Suíça assim como rendimentos e bens em outros países. O valor do patrimônio apenas incide sobre o cálculo da alíquota do imposto a pagar, enquanto que os rendimentos têm uma taxa específica. O cidadão com residência na Suíça que não declarar renda e bens existentes no exterior comete, perante a lei suíça, evasão fiscal. Caso as autoridades fiscais venham a descobrir tal violação, o contribuinte deverá pagar os impostos em falta relativamente a um período de 10 anos, mais os juros, bem como uma multa. A multa pode corresponder a um valor entre 1/3 e três vezes o valor de impostos em falta, conforme a gravidade do caso.
swissinfo.ch: Para aqueles que nunca declararam seus bens e rendimentos no exterior, o que é necessário fazer para regularizar a situação com as autoridades suíças?
M.M.: Desde de 2010, é possível informar as autoridades suíças espontaneamente sobre a existência de rendimentos e bens não declarados. Neste caso, o cidadão pagará retroativamente a diferença de impostos não pagos nos últimos 10 anos, além dos juros respectivos. O cidadão não deve ficar sujeito a processo penal, nem deve pagar a multa. As condições para realizar uma declaração espontânea sem penalização são as seguintes: é importante entender que esse tipo de declaração só é possível de ser realizado apenas uma vez na vida; as autoridades fiscais não podem ainda ter conhecimento da existência da evasão fiscal; a declaração deve ser voluntária e ser da iniciativa do contribuinte; tudo (patrimônio e renda) deve ser declarado; todas as pessoas envolvidas (agregado familiar) têm de fazer uma declaração espontânea ao mesmo tempo; o contribuinte compromete-se a colaborar com as autoridades fiscais.
Em função da implementação da troca automática de informações, é recomendado que os contribuintes residentes na Suíça decidam rapidamente se querem declarar espontaneamente renda e patrimônio no exterior. Quando as autoridades suíças já tiverem recebido as informações dos cidadãos, por meio do sistema de troca automática, será tarde para se fazer uma declaração espontânea sem estar sujeito à penalização. Como as práticas cantonais são diferentes, não é possível indicar uma data limite para tal ação. É aconselhável pedir essa informação às autoridades fiscais cantonais e agir o mais rápido possível.
swissinfo.ch: Como se deve proceder para realizar a declaração espontânea?
M.M.: Em quase todos os cantões, basta fazer uma declaração por escrito ou até oral. Em Genebra e Lausanne há um formulário que deve ser preenchido. Para efeitos de prova, recomendamos que o cidadão faça uma declaração por escrito. A declaração deve ser acompanhada de uma lista dos bens e rendimentos não declarados até aquele momento, além dos documentos comprovantes. Atenção: a simples indicação do patrimônio ou renda no exterior ¬– até então não declarados – na declaração anual de impostos não é considerada como sendo uma declaração espontânea.
swissinfo.ch: Os cidadãos que recebem ajuda social, e não declararam ao fisco nem à segurança social rendimentos ou bens no exterior, cometem uma infração?
M.M.: Com a entrada em vigor da Lei de Expulsão de Estrangeiros Criminosos, quem recebe ajuda social e possui rendimentos ou bens no estrangeiro não declarados à segurança social comete uma infração. Trata-se de um delito penal, denominado abuso da segurança social. Este delito é válido para todos e é passível de pena de multa ou de prisão. Para pessoas de nacionalidade estrangeira, este delito leva inclusive à expulsão do país. A troca automática de informações só será feita entre as autoridades fiscais dos países contratantes, as informações não serão automaticamente transmitidas à segurança social. Mas é previsível que, entre as autoridades fiscais e as de segurança social possa ocorrer uma troca de informações no âmbito de medidas para a prevenção de abusos. Ter bens não significa automaticamente não ter direito a prestações complementares. Há um valor mínimo de bens a que se tem direito. É conveniente que as pessoas nesta situação se informem devidamente.
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Imóveis no exterior: estrangeiros na Suíça preocupados
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