O “suíço” que foi presidente da Guatemala
De Andelfingen para a cadeira presidencial de uma república centro-americana: conheça a história de Jacobo Arbenz, que foi presidente da Guatemala de 1951 a 1954 e que, por promover políticas de reforma agrária, acumulou inimigos mundo afora.
Este artigo foi extraído do blog do Museu Nacional Suíço e publicado originalmenteLink externo em 9 de novembro de 2023.
Em 1950, a Guatemala tinha três milhões de habitantes, 60% dos quais descendiam dos maias. Nessa época, a população do país tinha acesso apenas 10% das suas terras, enquanto os 90% restantes eram dominados por um pequeno número de famílias de oligarcas ricos, na sua maioria de origem europeia.
Com a população indígena vivendo sob um sistema de trabalho forçado e servidão por dívida, a pobreza, o analfabetismo e a desnutrição eram generalizados. A situação política era também particularmente instável, com governos que começavam e acabavam rapidamente, muitas vezes marcados por uma sequência de revoltas.
A colônia suíça
Em 1950, a colônia suíça na Guatemala contava com 320 habitantes, a maioria dos quais pertencia a uma classe média, então bem pequena. Foi lá que Jacobo Arbenz nasceu em 1913. Seu pai, Hans Jacob, natural de Andelfingen, no cantão de Zurique, mudou-se para a Guatemala em 1899, aos 16 anos.
Lá trabalhou para seu tio Luis Gröbli, comerciante de Frauenfeld, depois abriu uma farmácia em Quetzaltenango, a pouco mais de 100 quilômetros da capital Guatemala. A condição social de Jacobo Arbenz, no entanto, deteriorou-se ao longo do tempo devido à depressão sofrida pelo seu pai, que acabou se suicidando em 1934.
Aos 17 anos, dificuldades financeiras obrigaram Jacobo a ingressar na escola politécnica militar da Guatemala. Embora nunca tenha falado o dialeto de Zurique, Jacobo tinha laços estreitos com a Suíça, tanto que seus colegas o apelidaram de El Suizo .
Arbenz El Suizo
O “suíço” revelou-se um oficial competente e foi nomeado instrutor em 1935. Quatro anos depois casou-se com Maria Vilanova Kreitz, natural do país vizinho El Salvador. Maria recebeu uma educação acadêmica e multilíngue graças ao seu pai, um rico proprietário de uma plantação de café na Baviera. A união despertou uma consciência política em Jacobo Arbenz. Apesar da carreira militar e de suas origens, Arbenz tinha um olhar diferente sobre a situação sociopolítica do seu país natal.
Em 20 de outubro de 1944, Jacobo Arbenz, então capitão, participou do golpe de estado que derrubou Juan Federico Ponce Vaides, sucessor de curta duração do ditador Jorge Ubico. Aos 31 anos, Arbenz tornou-se ministro no primeiro governo democraticamente eleito da Guatemala, trabalhando com o presidente Juan José Arévalo, depois de servir como membro de um triunvirato revolucionário, representando a sociedade civil e os militares, que implementou várias reformas democráticas. Em retrospectiva, foi uma tentativa da classe média, praticamente inexistente na época, de tomar o poder político e conter a influência do exército e da oligarquia local.
A eleição presidencial
Em 11 de novembro de 1950, Jacobo Arbenz, então com 37 anos, foi eleito democraticamente chefe do país. Com o seu plano para uma vasta reforma agrária e a sua intenção de expropriar grandes proprietários de terras em troca de compensação, para distribuir terras aos camponeses pobres, o presidente logo se tornou inimigo dos poderosos. O principal entre seus inimigos era a multinacional americana United Fruit Company (UFC), hoje conhecida como Chiquita.
A UFC era a maior proprietária de terras do país, controlando grandes áreas da infra-estrutura da Guatemala, incluindo ferrovias, redes elétricas e Puerto Barrios, o único porto do país na costa atlântica. A empresa lançou uma campanha contra o governo Arbenz, alegando que um regime comunista estava sendo estabelecido na Guatemala com a ajuda da União Soviética. No auge do período da luta fanática contra o comunismo, o envolvimento do governo americano na manobra da multinacional era evidente. No centro da estratégia haviam duas pessoas: os irmãos Dulles.
Quatro anos depois, o golpe
Os irmãos John Foster e Allen Dulles – que tinha, inclusive, dirigido o serviço de inteligência americano OSS em Berna durante a Segunda Guerra Mundial e organizado a Operação Link externoSunriseLink externo em 1945 em Ascona – estiveram intimamente envolvidos nos assuntos da UFC. John Foster Dulles representou a UFC e as ditaduras guatemaltecas através de seu escritório de advocacia na década de 1930, enquanto Allen Dulles, advogado do mesmo escritório, foi membro do conselho da multinacional de frutas na década de 1950. Ao assumir o cargo em janeiro de 1953, O presidente Eisenhower nomeou John Foster Dulles secretário de Estado, e fez de seu irmão mais novo, Allen, o primeiro diretor da CIA.
As ligações entre a UFC e o governo americano rapidamente deram frutos. Equipados e financiados pela CIA, apoiados pelas ditaduras vizinhas de Honduras e El Salvador, várias centenas de golpistas invadiram a Guatemala e derrubaram Jacobo Arbenz em 18 de janeiro de 1954. O presidente eleito democraticamente, induzido ao erro pela propaganda americana, também subestimou o poder do seu oponente.
Jacobo Arbenz e a sua família foram forçados a deixar o país em condições humilhantes. Para toda a família, começava ali uma longa odisseia. Os Arbenzes mudaram-se repetidamente, às vezes permanecendo apenas alguns meses num determinado local.
A partir de 1954, passaram pelo México, França, Zermatt, Tchecoslováquia, Rússia e Uruguai. Também passaram vários anos em Cuba, entre 1960 e 1966, onde estiveram na linha da frente da crise dos mísseis. Foi nesse período que sua filha mais velha, Arabella, cometeu suicídio em Bogotá, mergulhando Jacobo Arbenz em uma profunda depressão.
Sem passaporte suíço
Jacobo Arbenz nunca solicitou a nacionalidade suíça, porque temia perder a cidadania guatemalteca e, portanto, a possibilidade de um dia voltar à vida política do país. Por seu lado, a Suíça, que cedeu à pressão diplomática americana, nunca tentou conceder-lhe asilo político.
Arbenz passou seus últimos anos na solidão em Pully, perto de Lausanne, onde além de ser espionado pelas autoridades suíças, lutou contra a depressão e o alcoolismo. O seu casamento não sobreviveu a esta travessia de deserto. Em 1970, o ex-presidente da Guatemala trocou a Suíça pelo México, que acabou por lhe conceder asilo permanente. Foi lá que, em 27 de janeiro de 1971, Arbenz faleceu aos 57 anos, de parada cardíaca, segundo a versão oficial.
Em resumo, pode-se dizer que a presidência de Jacobo Arbenz foi crucial na história da Guatemala, dadas as suas tentativas corajosas de abordar as desigualdades sociais e econômicas do país através da reforma agrária e do desenvolvimento de infra-estruturas. Os seus esforços tiveram um impacto positivo no país, como o fortalecimento da classe camponesa, a instituição de uma imprensa de oposição livre e a modernização da sociedade. Apesar de tudo, a oposição de grupos poderosos, bem como a interferência dos Estados Unidos no contexto da Guerra Fria, encerraram abruptamente o seu mandato.
O golpe de Estado de 1954 teve consequências adversas na estabilidade política e na situação econômica da Guatemala e da América Latina como um todo nos anos que se seguiram. O completo oposto do que Jacobo Arbenz sonhou.
Adaptação: Clarissa Levy
swissinfo.ch reproduz regularmente artigos do blog do Museu Nacional SuíçoLink externo sobre temas históricos. Artigos são publicados semanalmente em alemão, francês e inglês.
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