ONU investiga importação de ouro na Suíça
A extração ilegal de ouro foi tema de muita discussão na última sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, realizada em Genebra. O papel dos países importadores, inclusive da Suíça, foi diretamente citado.
Na sessão realizada no final de setembro, um relator especial que investigou o uso de mercúrio na mineração de ouro em pequena escala e uma missão de investigação da ONU sobre a Venezuela apresentaram ao conselho relatórios individuais sobre o impacto da mineração de ouro em diversas comunidades e no meio ambiente, particularmente na Bacia Amazônica.
Os investigadores da ONU citaram várias violações dos direitos humanos – tais como exploração sexual de mulheres e crianças, contaminação por mercúrio e trabalho infantil – que afetam as comunidades onde ocorre a produção ilegal de ouro. Eles também apontaram a responsabilidade dos países que compram o metal.
Os relatórios afirmavam que os compradores internacionais, como a Suíça – através da qual cerca de dois terços do comércio mundial de ouro transitam –, precisam garantir que os direitos humanos sejam respeitados em todos os momentos da cadeia de abastecimento.
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Demanda insaciável e falta da devida diligência
“Esse é um problema grave”, declara Marcos Orellana à SWI swissinfo.ch. Orellana é o relator especial da ONU sobre substâncias tóxicas que investigou as violações dos direitos humanos na mineração em pequena escala. “Nos próximos meses e anos, podemos esperar que os mecanismos de direitos humanos monitorem mais intensamente o setor do ouro e os países onde as refinarias estão localizadas, incluindo a Suíça.”
A Suíça é o maior importador mundial de ouro, tendo adquirido CHF 90 bilhões (US$ 92,3 bilhões) do metal em 2021. Quatro das maiores refinarias do mundo estão localizadas na Suíça, duas das quais são de propriedade estrangeira.
Em 2020, a agência de notícias Reuters estimou que três dos principais refinadores do país – Valcambi, Argor-Heraeus e PAMP – refinavam cerca de 1.500 toneladas de ouro por ano.
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Orellana contou ao Conselho de Direitos Humanos como as mulheres grávidas de comunidades indígenas que vivem perto das minas de ouro na selva boliviana tinham altos níveis de mercúrio no sangue devido ao consumo de peixe contaminado. Ele também destacou que o abuso sexual e a violência prevalecem nas áreas de mineração. O relatórioLink externo descreve como até nas ilhas do Pacífico, a milhares de quilômetros de minas de ouro, foram encontrados níveis elevados de mercúrio nos habitantes, devido à contaminação global nos oceanos.
De acordo com a ONU, em 2017, cerca de 10 a 15 milhões de pessoas foram empregadas diretamente na mineração de ouro em pequena escala em todo o mundo, incluindo cerca de um milhão de crianças e 4,5 milhões de mulheres.
O mercúrio, que é usado para separar o ouro de outras substâncias, é um metal pesado altamente tóxico. Ele bioacumula nos seres vivos e pode causar danos permanentes nos seres humanos, incluindo problemas neurológicos, reprodutivos e a morte.
“A utilização do mercúrio é impulsionada pela demanda insaciável por ouro dos mercados financeiros e de joalheiros dos países mais ricos”, disse Orellana à assembleia do Conselho de Direitos Humanos. “As refinarias dos países industriais que compram o ouro não dispõem de mecanismos de devida diligência adequados para enfrentar as violações dos direitos humanos relacionadas ao mercúrio e à mineração de ouro em pequena escala.” O relatório destacou especificamente a Suíça e o Reino Unido, que em 2020 superou a nação alpina em termos de importação de ouro.
Falando com a SWI swissinfo.ch por telefone após sua apresentação, Orellana afirma que a Suíça precisa fazer mais.
“A Suíça não tem um sistema de rastreabilidade adequado que exija que as refinarias saibam de onde vem o ouro e como ele foi extraído”, explica Orellana. “O sistema de rastreabilidade da Suíça se encerra no país intermediário. Essa lacuna é explorada por organizações criminosas e cartéis de drogas que traficam mercúrio e ouro.”
“Enquanto a indústria do ouro lucra, os direitos humanos sofrem”, acrescentou ele.
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Reforma da indústria do ouro marcada por medos e denúncias
A SWI relatouLink externo anteriormente como na região de Madre de Dios, no sudeste do Peru, quase 1.000 quilômetros quadrados de floresta tropical foram destruídos devido à venda ilegal de ouro a compradores dispostos a fechar os olhos, entre eles, supostamente, a Suíça.
Depois da apresentação de Orellana ao conselho, mais de 40 países debateram sobre as medidas necessárias para reduzir as violações dos direitos humanos na mineração em pequena escala. A missão suíça não participou.
Após a publicação do relatório, a SWI swissinfo.ch pediu à porta-voz da missão suíça, Paola Ceresetti, que comentasse a situação. Em um e-mail, ela respondeu que: “na Suíça, o comércio do ouro é controlado por uma das legislações mais rigorosas do mundo. A lei sobre a regulamentação de metais preciosos e lavagem de dinheiro, em particular, visa assegurar que o ouro manipulado pelos refinadores não tenha origem em fontes fraudulentas.”
O abismo de ouro da Venezuela
De acordo com outro relatório apresentado ao Conselho de Direitos Humanos, a violência armada entre os grupos criminosos que controlam as minas, a exploração sexual e dos trabalhadores, e punições horríveis perpetuadas por uma justiça arbitrária estão presentes na região de mineração de ouro da Venezuela. À medida que a economia do país declinava, a área conhecida como Arco Minero foi criada especificamente para minerar os recursos e atrair investimentos estrangeiros. Tanto os habitantes quanto os mineiros são frequentemente “pegos no fogo cruzado da luta pelo controle do ouro”, explica Francisco Cox, membro da missão de investigação, aos jornalistas.
Cox disse que os atores não estatais que têm interesses financeiros nas operações de mineração, como grupos criminosos e autoridades – líderes militares e civis –, foram responsáveis por assassinatos, extorsões, castigos corporais e violências de gênero.
Embora os dados oficiais sejam escassos e pouco transparentes, vários relatórios estimam que entre 70-90% do ouro proveniente da região de mineração é produzido ilegalmente, disse Cox.
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Suíça avalia os riscos de operar com ouro venezuelano
O relatório sobre a Venezuela recomendava que os países importadores de ouro adotassem medidas para evitar a lavagem do ouro, bem como a lavagem do dinheiro proveniente do ouro obtido nas regiões de mineração da Venezuela.
Dados oficiais da Suíça mostram que o país deixou de importar ouro diretamente da Venezuela em 2016. Mas, desde então, tem havido a preocupação de que esse ouro possa acabar na Suíça depois de passar por outros países.
A missão venezuelana na ONU em Genebra não respondeu ao pedido da SWI para comentar as alegações de conivência e envolvimento das autoridades no comércio do ouro.
Transparência em teste
Devido a um aumento da pressão sobre os importadores de ouro para garantir um abastecimento mais limpo, as refinarias suíças se comprometeram recentemente a remover de suas cadeias de abastecimento todo o ouro originário de terras indígenas. Em 2020, a Metalor, uma empresa japonesa sediada em Neuchâtel, declarou que estava interrompendo as compras de ouro vindo de minas artesanais.
Os dados suíços, no entanto, mostram que grandes volumes de ouro são importados de países não produtores, principalmente do Oriente Médio e da Europa, levantando assim a questão da origem desse ouro.
Muitos estão pressionando por respostas
A Associação para os Povos Ameaçados, uma ONG com sede em Berna, solicitou em 2018 que a autoridade alfandegária federal publicasse os arquivos relativos à origem exata do ouro importado para o país. A ONG argumentou que a informação era de interesse público e está aguardando uma decisão da Suprema Corte nos próximos meses. A APA investiga há muito tempo a produção ilegal de ouro na Amazônia e suas ligações com refinarias suíças.
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O desafio do ouro “limpo”
Adaptação: Clarice Dominguez
(Edição: Fernando Hirschy)
Adaptação: Clarice Dominguez
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