Os robôs nos ajudarão a lidar com a Covid-19, mas não da maneira que pensamos
Brad Nelson, professor de robótica na Suíça, estava planejando instalar um sistema de cateter robótico em um dos maiores hospitais do mundo, na China, quando a crise da Covid-19 chegou.
Logo depois, Nelson e sua equipe do Instituto Federal de Tecnologia ETH perceberam que os cateteres robóticos, projetados para proteger os cirurgiões dos raios X durante operações cerebrais, teriam benefícios contra o novo coronavírus.
“Descobrimos que utilizar sistemas robóticos remotos que permitem que o cirurgião execute procedimentos de fora da sala de operação também poderiam impedir a transmissão da Covid-19”, disse Nelson para swissinfo.ch.
Os robôs cirúrgicos existem há décadas para realizar cirurgias menos invasivas, ajudando os pacientes a se recuperarem mais rapidamente. Da mesma forma, robôs industriais trabalham montando carros em fábricas há anos.
Em meio à pandemia, os robôs podem trazer de volta uma certa sensação de normalidade, fazendo tarefas essenciais que se tornaram muito arriscadas para os seres humanos e também nos aliviar de outras tarefas mais mundanas.
“Desde muito cedo ficou claro que a razão para colocar a robótica em primeiro lugar é exatamente por causa de situações como a Covid-19. Isso tem trazido ainda mais foco para os tipos de robôs e serviços que podemos fornecer”, disse o CEO da startup suíça ANYbotics, Peter Fankhauser, para swissinfo.ch.
Sua empresa é uma das muitas que atendem às novas necessidades humanas de ajuda robótica. O Robotic for Infectious DiseasesLink externo, um novo consórcio dedicado a enfrentar a Covid-19, encontrou relatos de mais de 150 maneirasLink externo em que os robôs estão sendo usados em situações conectadas com o coronavírus.
Em diferentes países, robôs com luzes UV têm sido utilizados para desinfetar corredores de hospitais e escolas. Robôs de quatro patas entregam pacotes em casas e cães robóticos têm sido avistados monitorando o distanciamento social em parques.
Além da moda
A pandemia chegou em uma época de enormes avanços no campo da robótica, com aumento da Inteligência Artificial e da aprendizagem das máquinas.
Na Suíça, esse campo está em franca expansão. Pesquisadores e startups como Sensars e MyoSwiss estão desenvolvendo roupas e próteses que funcionam com tecnologia robótica. Os drones, os robôs que voam, podem realizar missões de resgate. E os robôs educacionais estão ensinando pensamento e engenharia computacional.
Quando a pandemia se espalhou, Dario Floreano, que dirige o Centro Nacional de Competência em Pesquisa de Robótica, se reuniu com seus colegas para pensar como os pesquisadores suíços poderiam contribuir no enfrentamento do flagelo global.
“Poderíamos desenvolver muitas soluções tecnológicas, mas a última coisa que as pessoas precisam é descobrir uma nova tecnologia”, disse ele. “O que precisamos é descobrir como aplicar as tecnologias que temos. Não era o momento de enviar protótipos experimentais para o campo”.
Algumas das resistências para investir na robótica com força aparecem, em parte, devido a alguns equívocos sobre o uso dos robôs: onde eles podem realmente fazer a diferença e onde são meros artigos da moda.
No início deste ano, o Instituto de Pesquisa Idiap em Martigny, no Valais, exibiu em Las Vegas no evento Consumer Electronics Show um robô que faz queijo raclette.
O robô chamou a atenção, mas a intenção nunca foi substituir a pessoa que faz a raclette, disse Sylvain Calinon, o líder da equipe. “Começou como uma brincadeira. Vivendo no Valais, eu sei que um robô nunca pode substituir aquela interação especial que você tem com a pessoa que faz sua raclette”.
Mas o objetivo era iniciar uma conversa sobre a tecnologia do robô de uma forma que fosse fácil de entender para as pessoas. Como o queijo derrete e é raspado em uma placa, o robô precisa adaptar-se às mudanças de peso e formato do queijo. Essa máquina, por exemplo, é programada para aprender com a demonstração: ou uma pessoa a guia com a mão ou o robô observa os gestos de uma pessoa e então imita-os.
A tecnologia poderia ser aplicada em muitas áreas, como por exemplo, para ajudar uma pessoa a se vestir. A equipe Idiap tem trabalhado em um caso como esse no I-DressLink externo, um projeto que usa robôs assistentes para ajudar alguém a se vestir, inclusive profissionais de saúde que têm que limitar o contato físico com o vestuário para evitar a contaminação.
“O robô tem que se adaptar às necessidades de uma pessoa idosa, que são diferentes de um jovem que, por exemplo, se machucou em um acidente esportivo”, explicou Calinon durante uma visita no instituto de pesquisa.
Zonas de perigo
Robôs andantes de quatro patas da ANYbotics têm sido usados para inspeções de rotina e para resolver problemas de manutenção em indústrias como a de produção química, offshores e onshores de energia e locais em construção.
Desde o surto da Covid-19, a empresa que fabrica os robôs tem recebido pedidos para seus robôs desinfetarem espaços em edifícios públicos, tais como escolas e hospitais.
Ali, tarefas antes inofensivas acarretam sérios riscos à saúde. Isto torna os robôs autônomos, projetados para lugares muito perigosos para os seres humanos, mais confiáveis e com custo mais conveniente.
“A inspeção de rotina em ambientes industriais continua a ser nosso foco, mas o céu é o limite em termos de aplicações”, disse Fankhauser. A empresa também está trabalhando na utilização do robô para serviços de entrega de pacotes dos armazéns até a casa de clientes que vivem em áreas de difícil acesso.
A demanda por tais serviços recebeu um impulso com o aumento das teleconferências e da telepresença durante a pandemia. O ímpeto inicial para desenvolver a funcionalidade de tele operabilidade era manter cirurgiões a salvo e fora das zonas de guerra. Isso acabou levando à criação do sistema cirúrgico Da Vinci que é utilizado em mais de 60 países.
Cerca de dez anos atrás, houve algum esforço para desenvolver robôs de telepresença que fundamentalmente se mexem, monitorando os pacientes e permitindo que eles falem com sua família. No entanto, a ideia não havia realmente decolado até a chegada da Covid-19, disse Nelson.
Com a pandemia, isso mudou. Na Itália, robôs chamados Tommy têm feito rondas com enfermeirasLink externo para ajudar a tomar a pressão arterial dos pacientes e verificar os níveis de oxigenação.
Medo da obsolescência
Apesar do potencial, os especialistas advertem que desenvolver robôs exclusivamente com o objetivo de enfrentar a pandemia é uma abordagem errada. A indústria robótica aprendeu essa lição durante o surto de Ebola, quando o governo dos Estados Unidos e a Fundação Nacional de Ciência dos EUA discutiram como a robótica poderia ajudar a parar a transmissão.
“Com o declínio da pandemia, as ideias se tornaram menos interessantes e não obtiveram nenhuma aceitação”, disse Nelson. Mas a Covid-19 é diferente porque restringe muito mais as atividades diárias, abrindo a porta para os robôs.
Outro desafio é encontrar investidores para além dos governos. A retração econômica já complicou o financiamento para startups de robótica à medida em que os investidores se concentram em manter as empresas existentes funcionando.
Essa é uma das razões pelas quais a equipe da Calinon está priorizando a flexibilidade, tanto na programação como nas possibilidades de uso de seus robôs.
“Não queremos colocar todos os nossos esforços em uma aplicação específica”, disse ele. “Talvez amanhã exista outro problema, algo completamente diferente”.
O que é desafiador, segundo Calinon, é que existe uma necessidade imediata e generalizada. “Quando um projeto está na fase de pesquisa, geralmente é bastante complicado mandá-lo para campo na mesma semana ou no mesmo mês”.
Os robôs de limpeza a vácuo Roomba levaram cerca de 15 anos para entrar no mercado, por exemplo. Os prazos de desenvolvimento foram reduzidos para cinco a sete anos em muitos casos, mas os robôs ainda exigem testes demorados e inspeções de segurança antes de estarem prontos para uso, especialmente quando eles têm que interagir com humanos.
A robótica, talvez mais do que muitos outros campos, tem que lutar contra as imagens de máquinas fora de controle. Um mau funcionamento de um robô em um hospital ou escola pode ter consequências duradouras para a aceitação dos robôs por parte das pessoas.
“Para empresas iniciantes, os acidentes podem ser desastrosos do ponto de vista comercial”, disse Floreano. Eles estão apenas começando a expandir seus negócios, por isso pode ser difícil absorver um revés”.
Verificação da realidade
A indústria robótica também tem de se preocupar com tornar alguns trabalhos humanos obsoletos em um momento em que o desemprego está disparando em muitos países, incluindo a Suíça.
Em um editorial recente, J. Jesse Ramírez da Universidade de St. Gallen argumentou que os robôs não nos salvaram nesta pandemia porque eles não podem realmente substituir os trabalhos humanos essenciais.
A pandemia tem sublinhado a importância dos trabalhadores essenciais, muitos dos quais têm sido mal pagos e subvalorizados há muito tempo, disse. Ele desconfia da ideia de que nossos problemas precisam de uma correção técnica.
“Eu gostaria de ver as pessoas que fazem o trabalho liderando discussões sobre se e como seus trabalhos podem ou devem ser automatizados”, disse Ramírez.
Especialistas em robôs descartam o medo de desemprego em massa causado por robôs. Fankhauser disse que as pessoas frequentemente lhe perguntam quando verão robôs nas ruas ou entregando alimentos. Mas ele não pensa que essa é a forma para a qual a robótica evoluirá tão cedo.
“Acho que o que nós vamos ver, muito mais, será dez robôs trabalhando nos sistemas de esgoto de Zurique em vez de ter pessoas lá embaixo”, disse ele. “Eles vão estar fora de vista por muito tempo”.
Ele admite que também há mais apreensão sobre a vida cotidiana dos robôs na Suíça do que em países como o Japão. Ele tenta descrever os robôs mais como ferramentas inteligentes e busca ser transparente sobre o que eles podem e não podem fazer.
Mas algumas experiências e interações na vida são insubstituivelmente humanas. Usar robôs pode ter benefícios considerando a situação de uma doença infecciosa, mas os seres humanos precisam de contato.
“Precisamos de contato. Temos essa sensibilidade ao toque e ao sentimento, que nos diz como podemos esperar o comportamento de alguém”, disse Nelson. “Codificar isso em uma máquina é desafiador para os engenheiros”.
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Onde estavam os robôs?
Adaptação: Clarissa Levy
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