Sabor suíço na tradição brasileira
Uma tradição brasileira, o pão de queijo, adotou sabor suíço e está se popularizando no país. O segredo que fez o público local se encantar pela iguaria tropical foram simples adaptações da receita original: a adição de queijo Gruyère e batata.
Que a Suíça é conhecida pelo culinária baseada no queijo e na batata já é sabido. Pratos clássicos como o Fondue e o Raclett têm nesses ingredientes a essência da sua receita. A novidade é que agora os sabores alpinos estão ajudando a popularizar no país uma tradição brasileira, o pão de queijo.
A iguaria típica de Minas Gerais foi adaptada por um casal brasileiro ao gosto local e tem ganhando o paladar dos suíços. O produto já é distribuído em mais de 50 pontos de vendas e servido em restaurantes de renome na região de Genebra e Friburgo.
Jussara Gusmão e o esposo Alex estão surpresos com a rápida aceitação do mercado. Há cerca de um ano, o casal brasileiro resolveu empreender de forma séria e montou uma fábrica de pães de queijo em Nyon (oeste), almejando o mercado local.
A rápida expansão das encomendas e a popularização da iguaria surpreendeu positivamente o casal, que agora já sonha com a criação de uma linha completa com variações do produto.
“Como é algo que tem tudo a ver com a Suíça, já pensamos em fazer no futuro uma linha completa de pães de queijo suíços: Emmental, Raclett e até Motié-Motié, que é a combinação do Gruyère com o Vacherin de Friburgo. Vamos nos esbaldar nos queijos locais”, já planeja Jussara.
Mineira do interior, Jussara chegou à Suíça em 2003 e logo de princípio já colocou a “mão na massa”. Fazendo pãezinhos na cozinha de casa para vender aos conhecidos ela foi se aperfeiçoando nas artes culinárias. Em um primeiro momento, o público brasileiro se encantou com as receitas dela, mas logo, aos poucos, as variações do petisco preparado por ela foram ganhando adeptos locais.
“Desde o início o Alexandre disse que eu deveria usar o queijo Gruyère, que era justamente para dar o gosto regional”, explica ela. A mistura espontânea dos sabores das duas culturas acabou por democratizar o produto. “Quando nós percebemos, metade dos clientes já eram suíços, aí ficou claro que poderíamos expandir e nos profissionalizar”.
Investidor local
Com a ajuda financeira de um investidor local – um suíço que provou e se apaixonou pelo pão de queijo- o casal foi em busca dos melhores ingredientes, de uma estratégia empreendedora e da criação de uma marca ambiciosa, na esperança de conquistar o mercado nacional.
“Nós visitamos Bulle em Friburgo, que é o local típico do Gruyère e nos encontramos com os representantes da associação dos produtores. A eles pedimos que nos recomendassem fabricantes de queijo artesanais de altíssima qualidade. Então, conhecemos os fabricantes e gostamos muito da queijaria de CottensLink externo, que é muito conceituada nesse meio de produção”, relembra Alex.
Ele destaca que a preparação do queijo precisa ser muito cuidadosa para honrar os padrões altíssimos. “Até o que se dá para a vaquinha comer precisa ser respeitado, para que o queijo ganhe o selo de qualidade AOP”. Os produtos feitos com queijos que atendem essa certificação de controle ganham a permissão de estampar nas suas embalagens a marca Gruyére, distintivo de qualidade.
“O queijo é especial, envelhecido, de extrema qualidade. Ter essa distinção ajuda muito na comercialização, aceitação e confiabilidade do produto junto ao público suíço” estima Alex.
Satisfeitos com a matéria-prima, o casal se debruçou sobre a receita e estrategicamente adicionou ao original polvilho azedo a farinha de batata também. “A batata é por excelência um sabor suíço, então não poderia faltar”, argumenta Jussara.
Se o queijo local caiu muito bem entre os suíços, para alguns brasileiros a adição do tubérculo poderia soar como heresia. “Mas não é bem assim, mesmo no Brasil há receitas que levam batata. Lá depende da tradição de cada família”, defende Alex. “Minha mãe, por exemplo misturava polvilho doce e polvilho azedo. Já eu, só trabalho com o azedo. Existem receitas até com farinha de trigo. Depende de cada gosto”, reforça Jussara.
“Por ser um produto cultural, as pessoas lidam com muita paixão. Principalmente eu, que fazia tudo à mão, estava colocando ali as minhas emoções. Hoje é mais industrial, mas eu continuo passando o meu sentimento porque permanece ainda muito artesanal. É apaixonante, até pela certeza de que estou trazendo um pouco do Brasil para cá, estou construindo uma ponte”, diz Jussara.
Distinção Gourmet
O marketing focou em qualidade e distinção gourmet. Não somente pelo refinamento da receita e a seleção dos ingredientes, mas também pelo privilégio dos pontos de vendas. As “Épiceries”, ou mercadinhos de especiarias, são a ponta de distribuição do produto.
A embalagem ostenta não apenas a palavra “pão de queijo”, mas também a marca “Boule D´Or”, ou “Bola de Ouro”, nome que também reforça a ideia de que o produto é qualquer coisa menos popular. Os saquinhos com 20 unidades saem por cerca de15 francos suíços, um valor aproximado a 50 Reais.
“Tentamos entrar em grandes cadeias, como lojas de departamentos e sentimos resistência por parte de diretores mais antiquados. Mudamos nossa estratégia e agora só abordamos gerentes jovens de boutiques”, explica Jussara.
Além da distribuição em pontos de venda, o casal também fornece pãezinhos para restaurantes conhecidos. Um dos clientes diretos é o bistrô do chefe Guilles Dupont, o Lion D´Or, na elegante região de Cologny em Genebra. O cozinheiro que tem no currículo estrelas Michelin é um embaixador do produto e a filha Gabrielle, que cresceu entre as culturas brasileira e suíça, trabalha agora com a família Gusmão.
Que lições o casal Gusmão dá a outros brasileiros que também queiram empreender na Suíça? “Eu recomendo que tentem. Foi tranquilo, mas não foi barato. Custa um certo dinheiro ir no notário, abrir a empresa, montar a fábrica. Dá trabalho, mas corre tranquilamente”, resume Alexandre.
Consumo de queijo na Suíça
A julgar pelo consumo per capita de queijo dos suíços, o mercado explorado pela família Gusmão é promissor. No país com cerca de 8,4 milhões de habitantes, o consumo médio por pessoa, por ano, é de 21,49 kg, segundo dados de 2015. Desse montante, 70% são fabricados com leite local. Entre os tipos favoritos estão o raclett, o appenzeller, o vacherin, o emental e o gruyère AOP- que é o ingrediente “secreto” do pão de queijo. A tendência é de aumento do consumo, pois os dados de 2015 apresentaram um crescimento de 1,23% em relação ao ano anterior, conforme relatório da União Suíça de AgricultoresLink externo.
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