Trabalhadores estrangeiros ficam sem ajuda econômica na crise
A crise gerada pelo coronavírus atinge as famílias estrangeiras de forma particularmente dura. Algumas, por não terem direito à ajuda do Estado, são obrigadas a deixar o país.
Artigo publicado originalmente no jornal NZZLink externo, em 7 de abril de 2020, e tradução autorizada à SWI swissinfo.ch
Valter Santos* suspira e diz: “A situação é insustentável”. “Nossas reservas estão esgotadas.” Sua voz soa abafada no telefone. “Eu simplesmente não sei mais o que fazer.”
Em 27 de março, o Conselho Federal (Governo) decidiu flexibilizar as condições para o trabalho em tempo reduzido. Santos, que está empregado com um contrato temporário através de uma agência de empregos, teria teoricamente direito a uma compensação pelo seu tempo reduzido de trabalho, em linha com a flexibilização introduzida pelo Governo. Na prática, contudo, ele não recebe qualquer compensação.
Valter Santos veio de Portugal para a Suíça com sua família há cinco meses. Cabeleireiro de formação, trabalhou como auxiliar em um salão até encontrar uma vaga na construção civil através de uma agência de empregos. Sua esposa também trabalha como faxineira em um hotel via uma agência de empregos. Eles moram em um apartamento de três quartos com seus dois filhos.
As perspectivas pareciam inicialmente boas para a família Santos. Desde o início de março, o marido trabalhava temporariamente em um canteiro de obras no cantão de Vaud. Ele tinha a possibilidade de obter uma posição permanente. Seu salário era pago por hora, mas seu rendimento era mais ou menos regular. Mas com a chegada do novo coronavírus, veio a quarentena. Embora as empresas de construção civil sejam teoricamente autorizadas a continuar com o trabalho, quando os clientes ficam sem dinheiro, isso se torna difícil. Em 15 de março, a empresa de Santos fechou vários de seus canteiros de obras.
Foi aí que começou o problema de Santos. Seu contrato de trabalho vigora até ao final de maio, mas prevê apenas pagamento por trabalho realizado. Sem receber novas tarefas, Santos está efetivamente desempregado. Como já não recebia mais contratos antes da flexibilização feita pelo Conselho Federal, sua agência de empregos não o registrou como candidato ao auxílio por trabalho em tempo reduzido.
Desde então fica em casa, à espera. Ele não recebe salário. Devido à quarentena, sua agência de recrutamento também trabalha em sistema de homeoffice. Santos lhes envia um e-mail todos os dias, perguntando se há trabalho. A resposta é sempre negativa.
Círculo vicioso
“Na agência de empregos, me disseram que eu não receberia dinheiro, que devia me inscrever como desempregado no RAV (agências regionais de seguro-desemprego )”, diz Santos. Mas sua situação é delicada. Mesmo se fizesse um pedido de auxílio-desemprego, este seria recusado. Quem tem um emprego como Santos, mas não tem trabalho, não tem direito a auxílio-desemprego. E o problema vai ainda mais longe; mesmo que a agência de emprego rescinda o contrato, Santos não receberia dinheiro algum. Afinal, para ter direito ao auxílio-desemprego na Suíça, é necessário ter pelo menos um visto de residência de curta duração do tipo “L”, e ter contribuído para a seguro de desemprego durante doze meses.
Santos só está na Suíça há cinco meses. Como cidadão da União Europeia, ele poderia ter o seu período como contribuinte em Portugal somado ao período contributivo na Suíça, o que ele também tentou fazer. Mas para fazê-lo, precisa de um formulário emitido pelo seu país de origem. E como as autoridades portuguesas estão sobrecarregadas com a crise, elas não conseguem enviar os formulários dentro do prazo necessário.
Cristina Büttikofer-Beltrán, da Secretaria de Promoção da Integração, está familiarizada com este problema: “Muitas pessoas da indústria hoteleira, que agora não podem trabalhar, entram em contato conosco”. Eles perguntam: ‘Vou receber algum dinheiro?’” Elas já se encontram no seu limite financeiro, e isto também se reflete em suas vidas privadas. Na Espanha, por exemplo, tudo está fechado. As autoridades trabalham com um pessoal muito reduzido e, na maior parte dos casos, apenas via internet. Apenas os supermercados, hospitais e farmácias estão abertos. “Não sei como as pessoas podem conseguir um documento urgente agora.”
Mas mesmo com o formulário requerido, os problemas da família Santos não estariam resolvidos. Valter Santos só tem um visto temporário para a Suíça. Ele é emitida para trabalhadores estrangeiros que não devem permanecer na Suíça por mais de 90 dias. Somente se tiverem um emprego que dure mais tempo, podem então obter o visto “L”.
Santos está na Suíça há cinco meses e, como cidadão da UE, teria direito ao visto “L”. Embora tenha se candidatado, só o receberá se tiver um contrato de trabalho válido. E é aqui que entra em jogo a fase final de seu dilema. Se ele permanecer temporariamente empregado, não receberá dinheiro nenhum. Mas se a agência de empregos rescindir seu contrato, o seu visto de permanência perderá a validade. “É um círculo vicioso”, diz Santos.
Problema desconhecido
Tal como os Santos, muitas famílias estrangeiras na Suíça encontram-se na mesma situação. A união de sindicatos Unia confirma que os pedidos de pessoas com vistos de residência de curta duração estão aumentando. “O problema é que as autoridades estrangeiras estão sobrecarregadas com o fluxo de pedidos”, diz Hilmi Gashi, diretor nacional para questões de migração. E isto faz com que estas pessoas caiam pelas frestas do sistema num momento tão difícil. “Eles se sentem impotentes, presos entre o rochedo e o mar.”
E a situação ameaça se agravar. Em 27 de março, o Governo suíço decidiu igualmente que, no futuro, todos os pedidos de autorização de trabalho ou vistos de residência de curta duração poderão ser suspensos sem motivo, se não houver um interesse público maior no serviço prestado.
Isto significa que apenas as pessoas “relevantes para o sistema” receberão uma autorização de trabalho na Suíça. Em uma carta circular dirigida aos cantões, a Secretaria de Estado de Migração (SEM) afirma: “Será dada prioridade a todas as atividades que garantam a disponibilidade de bens e serviços essenciais”. Entre estes, estão listados, em especial, os empregados nas áreas farmacêutica, de cuidados médicos, alimentação, energia, logística e tecnologias da informação e comunicação. A diretiva é válida até 15 de junho.
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Há trabalho de sobra nos campos
O que isto significa para os cantões (estados) é algo que eles próprios não sabem ao certo. Isto se deve ao fato de as pessoas com um visto de permanência L ou uma licença de registro nem sempre serem registradas. A SEM não tem as estatísticas relevantes, já que são os próprios cantões que definem que estatísticas devem ser compiladas. Mas o cantão de Vaud, onde vive Santos, registrou no ano passado 2.846 pessoas com um visto “L” e 5.701 pessoas com uma licença de registro. Extrapolando-se esta estatística para toda a população, isto significaria que mais de 80 mil pessoas seriam afetadas em toda a Suíça.
Estrangeiros formam grande parte dos trabalhadores temporários
De acordo com a Secretaria de Estado da Economia (Seco), a proporção de estrangeiros no setor temporário como Santos era de 62% em 2018. Ao mesmo tempo, de acordo com um estudo da Swissstaffing Association, a indústria alimentar, a construção civil e a hotelaria são os setores em que o trabalho temporário é mais frequentemente utilizado.
Contudo, estas pessoas não são atualmente consideradas “sistemicamente relevantes” e não receberão uma autorização de entrada no país até 15 de junho, talvez até mais tarde. O setor agrícola já se queixa de grande escassez de trabalhadores para a colheita. No setor da construção, o problema ameaça assumir proporções ainda maiores. Segundo a Associação dos Construtores, em muitas regiões montanhosas a temporada de construção começa realmente depois da Páscoa. É precisamente nessa altura que são necessários trabalhadores estrangeiros. De onde eles virão?
A Associação Suíça de Construtores e Mestres de Obras apelou aos cantões onde a confirmação dos vistos de residência está ainda pendente para que os emitam o mais rapidamente possível. Mas os cantões estão atualmente em uma situação difícil. Em Zurique, estão pendentes 250 pedidos, a maioria dos quais foram suspensos. Vaud também suspendeu “dezenas de pedidos”.
“Há muita incerteza entre meus conhecidos”, diz Valter Santos. “Muitos esgotaram as suas reservas e estão considerando a hipótese de retornar”. Suas poupanças também estão quase no fim. Sua família terá provavelmente de regressar a Portugal.
“Não podemos dizer nada de específico nesta crise. Mas temos a certeza de que mais tarde voltaremos a precisar destes trabalhadores”, diz Gashi, da Unia. Ele apela às autoridades para que ponham fim a exigência de inúmeros formulários, como agora é o caso, para a concessão de empréstimos às empresas. “É também do nosso interesse que as pessoas não deixem o país desapontadas.”
** Nome alterado para proteger a privacidade do retratado
No final de 2019, viviam na Suíça 8.603.900 pessoas, ou seja, 59.400 pessoas (0,7%) a mais do que em 2018. Desde 2017, o crescimento populacional tem sido menos pronunciado do que nos anos anteriores.
No final de 2019, viviam na Suíça 6.429.700 suíços (74,7%) e 2.174.200 estrangeiros (25,3%). O número de cidadãos suíços aumentou em 33.500 (+0,5% em relação ao ano anterior). A população estrangeira residente permanente aumentou em 25.900 pessoas (+1,2% em relação a 2018).
O número de cidadãos suíços cresceu mais pronunciadamente no cantão de Genebra (+1,1%), principalmente devido às naturalizações. Este cantão também registrou a maior proporção de estrangeiros (39,9%). O número de estrangeiros aumentou de 199.900 em 2018 para 201.300 em 2019 (+0,7%). Appenzell Rhodes interior registrou a menor proporção de estrangeiros (11,3%), tendo diminuído em 0,5% para 1.800 pessoas.
Pessoas de nacionalidade italiana, alemã, portuguesa e francesa constituem a maioria dos estrangeiros de estados membros da UE/EFTA, sendo também a maioria dos estrangeiros com residência permanente na Suíça.
Fonte: Departamento Federal de Estatísticas (BFSLink externo)
por Liliana Tinoco Baeckert
Tem brasileiro passando necessidade aqui na Suíça – afirma a presidente do Centro Brasil CulturalLink externo (Cebrac), Sara Eichenberger.
Junto com a Associação Madalena’sLink externo, que trabalha na prevenção e informação contra exploração sexual, o Cebrac vem organizando há um mês cestas básicas para distribuir à população que teve seus ganhos praticamente zerados desde que o país aderiu ao confinamento devido à pandemia do Coronavírus. A iniciativa tem o nome de Unidos no Amor e já distribuiu quase 200 cestas com 13 alimentos não perecíveis cada, além de produtos de higiene pessoal.
O isolamento social e a probição de trabalhar pegou em cheio uma das camadas mais vulneráveis da população no país: a dos migrantes, e nesse caso também brasileiros, sem emprego formal, o de mães solteiras e os sem papel.
Parte desse grupo é formado por quem vive no país de forma legal, todavia transparentes aos olhos das autoridades helvéticas. A diretora do Cebrac explica que essas pessoas são manicures, barmen, pessoal de limpeza, auxiliares de cozinha, DJs, esteticistas – uma horda de trabalhadores sem registro profissional. Como nunca deram entrada no seguro AHV (AHV/IV – AVS/AILink externo (1.º pilar) é o seguro básico de previdência. É válido para todas as pessoas que residam ou trabalhem na Suíça) se encontram impossibilitados de solicitar auxílio dos financiamentos lançados pelo Governo para reduzir as perdas financeiras da população e das micro empresas.
Eichenberger conta que pessoas em situação de extrema vulnerabilidade entraram em contato com o Cebrac para solicitar ajuda. De acordo com a presidente, algumas dessas pessoas até podem pedir ajuda ao Governo, mas como o dinheiro demora um tempo para sair, precisam se manter enquanto o dinheiro não cai na conta. “São mães com crianças pequenas, com pais ausentes. Um dos rapazes que veio buscar ajuda contou que estava vivendo de bouillon porque tinha perdido a renda. Não podíamos ficar de braços cruzados”, explica.
A presidente do Madalena’s, Lúcia Amélia Aeberhardt, que presta ajuda há 20 anos a prostitutas, mulheres vítimas de violência e de tráfico de seres humanos, diz que muitas dessas pessoas estão morando de favor em casa de conhecidos, sem saber se terão a próxima refeição. “Muitas dessas trabalhadoras do sexo são mais precavidas e juntam dinheiro, mas têm pessoas que se viciam em drogas ou em álcool e que estão passando por momentos muito difíceis.”
As Associações Madalena’s e Cebrac aceitam doações de produtos para as cestas básicas, que são distribuídas todas as sextas-feiras, na sede do Cebrac, na Militärstrasse, 90, em Zurique. Informações: (079) 821 80 28
Adaptação: DvSperling
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