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Pavilhão suíço mostra recordações e transformações da existência humana

Pamela Rosenkranz, Our Product, Installation View. Our Product/Marc Asekhame

 Bem ancorada no passado de obras muito concretas e pouco virtuais, a Bienal de Artes de Veneza questiona sobre todos os futuros do mundo. A Suíça responde com um mergulho na obra da artista Pamela Rosenkranz. Ela investiga as raízes humanas e propõe a arte como uma ponte móvel entre o homem e os objetos, a natureza e a cultura.

No lugar de pixels, entram moléculas orgânicas e sintéticas.  Ao invés da linguagem conhecida, escreve-se uma série de palavras sem nexo. Estes conceitos estão na base da mostra Our Product, matéria fluida por excelência.

O pavilhão da Suíça transforma-se numa grande instalação por mãos e obra da artista Pamela Rosenkranz. Apenas a fachada de tijolos foi mantida, como uma moldura intocável, resquício da arquitetura modernista. Galhos e folhas cobrem parte do chão, dispersos em desordem, como um outono em atraso dentro de uma primavera avançada. Os muros e o teto internos e os pilotis, na mira de potentes holofotes, tingem-se de verde, em plena luz do dia. O tom esverdeado remete àquele das águas de Veneza que banham o grande Canal, ali ao lado, a poucos metros de distância, numa extensão do limite da orla transportada para terra firme.

E um clarão no fim de um túnel escuro, estreito e retangular, um cubo alto e longo, conduz até a elevada borda de uma enorme piscina coberta e protegida das intempéries pela estrutura de aço e vidro. O grande salão de exposições foi inundado por 240 mil litros de uma misteriosa substância, fluida, viscosa, quase plástica, em temperatura ambiente.

Pamela Rosenkranz Our Product/Marc Asekhame

Maternat, Colienis, Lapulin

Ela é formada por ingredientes secretos traduzidos num mar de palavras sem tradução alguma como Abeei, Afriam, Selmelin, Qualbiat. “ Eu inventei os vocábulos, não existe uma correspondência de léxico”, afirma a artista Pamela Rosenkranz durante a apresentação. O vasto glossário foi impresso num pequeno livro e distribuído aos visitantes. Eles podem ouvir as palavras declamadas por uma voz gravada, diante da piscina. Mas esta invenção, por exemplo,  é capaz de propor uma nova reflexão à leitura dos nomes dos remédios lançados pela indústria farmacêutica, rica de um vocabulário técnico, hermeticamente fechado e quase intransponível se não fosse a tenacidade da artista em interpretar e se inspirar, aparentemente, nas bulas dos medicamentos.

Armada suíça

Pamela Rosenkranz não está sozinha na Bienal de Veneza. O curador da  mostra, o nigeriano Okwui Enwezor convocou 136 artistas para a representação do tema “ All the Future’s World”. O suíço Thomas Hirschhorn ocupa uma das salas do Pavilhão das Nações, nos Jardins.

Ele já tinha participado no pavilhão da Suíça, na edição  de 2009, com sucesso. Para este ano, Thomas Hirschhorn elaborou uma escultura que alcança o teto, chamada de Roof Off. Uma pilha de tralhas, papéis e papelões, espumas e fitas adesivas. Um olhar mais atento revela algumas escrituras de textos filosóficos da Grécia antiga.

Já o artista Christoph Büchel presta serviço junto ao pavilhão da Islândia. Ele é conhecido  por suas criações ambientalistas e hiper-realistas. Dentro de uma igreja desconsagrada, Santa Maria da Misericórdia, o suíço ergue a obra “ A Mesquita”. Símbolos de uma religião convivem pacificamente dentro da casa da outra.  Provocatório, o artista leva a arte para um sincretismo religioso à europeia.

O crítico de arte e curador de importantes mostras, o suíço Hans-Ulrich Obrist “invade” o pavilhão da Itália com o Manifesto contra o Esquecimento. A partir de uma conversa informal com o autor e intelectual italiano Umberto Eco sobre o desaparecimento da escritura à mão, o suíço convocou trinta personalidades do mundo da cultura para uma redação coletiva sobre a memória, naturalmente, com lápis e papel. Tudo em homenagem ao historiador britânico marxista Eric Hobsbawm. 

A artista também não informa a dosagem na piscina de cada um dos muitos elementos que a compõem e que, juntos, formam uma espécie de sopa. Estes ingredientes – sem registro algum em dicionário de qualquer idioma – têm a sugestiva  e intencional cor de pele, ou seja, a de um europeu pouco bronzeado, matiz rósea da Renascença. Esta coloração exerce uma forte atração física e mental.

Não por acaso, ela é usada e abusada pela publicidade para seduzir os consumidores. Eis uma das pontes artísticas construídas por Pamela Rosenkranz entre o mundo real e o da fantasia sedutora. Ela abre uma novo caminho para manipulação de elementos biológicos, químicos e físicos presentes no desenvolvimento tecnológico, científico e comercial.

O uso de matérias primas inusitadas como remédios, tipo Viagra,  polímeros sintéticos, como o silicone, e água mineral de marca e rotulada como Evian, valorizam este percurso.  A artista coloca uma lente de aumento nas composições químicas e extrai delas os princípios ativos para alimentar as questões filosóficas e estéticas do mundo artístico.

Em “ Our Product”, usamos muito materiais visíveis e outros que você não pode ver, sintéticos.  Mas eu acho que a divisão entre o orgânico e o sintético, hoje em dia ou talvez nunca, não faz sentido. Isso porque a divisão entre a natureza e a cultura foi feita pelo homem”, afirma Susanne Pfeffer, curadora da exposição, para swissinfo. ch. Porque tudo volta ao ser humano, contra ou a favor.

Como efeito colateral, as substâncias sintéticas (principalmente, usadas na indústria cosmética e em detergentes para a limpeza doméstica), dificilmente são biodegradáveis. De uma forma ou de outra, elas retornam ao ciclo das águas e, consequentemente nas plantas, nos animais e nos homens.

Sentidos e percepções

O conceito da mostra é questionar o modo de ver e sentir as coisas. “Tem muito a ver com a percepção, o quanto eu posso acreditar na minha própria impressão, o que eu posso compreender em função da minha cultura, dos meus limites, da minha ilusão, dependendo de um situação mental”, explica para swissinfo a curadora Susanne Pfeffer.

Num primeiro olhar, a obra lembra o tabulado de uma salina abandonada, com suas águas rasas e coloridas ou transparentes, dependendo dos microrganismos em ação e da reação deles à luz solar. Mas aqui a reflexão é muito mais profunda e questiona a origem do ser humano, constituído de água, principalmente. E no lugar do vento que movimenta os moinhos e a superfície banhada dos campos de sal está instalado um sofisticado e bem camuflado maquinário.

Ele recria redemoinhos e rumores, a partir de complicados cálculos algorítmicos, sons sintéticos de água, por exemplo, além de exalar odores, no caso o de um recém-nascido e que remete às origens do arquétipo do homem. A fragância na sala é o da pele de um bebê. A artista usou almíscar ( Moschus mochiferus) que desde os anos 50 foi sintetizado em laboratório, evitando assim a extração de seu princípio ativo das glândulas do cervo.

O espaço ao redor da piscina, aparentemente vazio, também acaba preenchido para deleite da audição e do olfato. Assim, a obra multisensorial pode ser compartilhada pelos cinco sentidos. O sexto, aquele da intuição, é uma prerrogativa da artista, generosa, irônica e disposta a compartilhar e a propor suas inquietudes aos visitantes. “ Eu acho que quero explorar como observamos as nossas percepções e como podemos transformá-las”, diz Pamela Rosenkranz para a swissinfo.

A piscina se transforma numa imensa poção mágica capaz de alterar a percepção do visitante. Ela representa uma fonte permanente de investigação sobre as sensações de quem está diante da obra.

As lâmpadas brancas e suspensas numa treliça de ferro projetam fachos de luzes que refletidos na água se distorcem e ondulam como as marolas dos canais de Veneza. A inércia e o rigor da geometria cartesiana das paredes da piscina contrastam, enquadram e abrigam os movimentos circulares e algo caóticos desta obra, deste “organismo” animado artificialmente.

A luz natural difusa entra pela janela e ilumina a grande sala, além de “dialogar” com aquela artificial e direta. O efeito cromático “eurocêntico” está garantido. Ao passo com a evolução da civilização europeia das últimas décadas, Pamela Rosenkranz cobriu progressivamente os espaços internos com um cinza que traduz a consequência da exposição ao sol e da mistura derivada das migrações. 

Curiosidades

A artista Pamela Rosenkranz nasceu em Uri, 1979. Atualmente, vive em Nova York. Ela se formou com Master of Fine Arts, na Escola Universitária de Berna.

Em 2009, expôs “ Our Sun”, na sede cultural helvética, em Veneza. E em 2013, participou a mostra da Bienal, O Palácio das Enciclopédias.

A curadora Susanna Pfeffer é historiadora de artes. Desde junho de 2013, dirige o Fridericinum, em Kassel. E ao longo da carreira já realizou diversas mostras na Alemanha, na França, Itália e Polônia.

No Palácio Trevisan degli Ulivi, sede veneziana do Instituto de Cultura da Suíça, a Fundação Pro Helvétia, promove uma série de encontros culturais sobre o tema “ S.O.S Dada- The World is a Mess, dentro do tradicional evento Salon Suisse.

O artista interdisciplinar Nikunja, nascido em Basel,  apresenta o projeto Xanadu- Contemporary Dream Temple, dentro de um dos 44 eventos oficiais e colaterais da Bienal de Veneza.

A Bienal vai de 9 de maio a 22 de novembro. Ela reúne 136 artistas de 53 países, dos quais 89 são estreantes na exposição.

O evento conta ainda com a presença de 89 países em seus pavilhões nacionais.

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