“Aprendemos na Califórnia como conquistar a população à defesa do clima”
Sommaruga faz sua primeira visita diplomática desde o começo da pandemia, porém desta vez virtual. Como a digitalização muda a diplomacia? Em entrevista, aborda esse tópico e a Lei do CO2, refutada recentemente em um plebiscito federal.
swissinfo.ch: A Senhora participa pela primeira vez de um encontro oficial via internet para discutir sobre temas ligados ao clima. Como decorre?
Simonetta Sommaruga: Eu estou bastante entusiasmada! Visitei um parque nacional na Califórnia e tive a sensação de estar realmente no local. Uma viagem virtual economiza muito tempo e CO2. Um grande potencial.
swissinfo.ch: Você também conduziria negociações complexas dessa forma?
S.S.: É óbvio que há limites. Tais viagens virtuais não podem substituir as reuniões presenciais. Especialmente temas confidenciais não podem ser debatidos dessa forma. Se há conflitos no ar, não dá para ter uma tela no meio.
swissinfo.ch: A digitalização vai mudar a forma de fazer diplomacia?
S.S.: A diplomacia digital pode permitir uma participação mais ampla. Eu discuti essa questão com vários ministros do Meio Ambiente e outros representantes da ONU durante os preparativos para a próxima conferência mundial sobre o clima. Se podemos fazer esse trabalho antes das negociações, então poderão participar até países, cujos representantes sofrem limitações para viajar até o local da reunião por falta de recursos. A ONU sempre se ofereceu para dar o apoio à infraestrutura necessária.
swissinfo.ch: Desde o início da pandemia, diplomatas em Genebra defendem que uma abordagem híbrida – participação presencial e virtual – nas reuniões internacionais permite reforçar a participação dos países. Você acha que Genebra se beneficiaria disso? O governo suíço apoia?
S.S.: O objetivo da Suíça é posicionar e fortalecer Genebra na diplomacia digital. Ela é o espaço ideal para experimentar as novas possibilidades. Temos na cidade uma grande concentração de competências. É um dos seus pontos positivos, mas que precisamos sempre destacar e reforçar. Então veremos o que funciona, se é melhor ter encontros físicos ou utilizar essas possibilidades híbridas.
swissinfo.ch: Na conversa virtual a Senhora discutiu sobre as transformações ambientais com alguns pioneiros da proteção climática na Califórnia pouco depois da rejeição (em plebiscito) da Lei de CO2. Esse foi um tema do debate?
S.S.: Eu mesmo abordei o tópico. O estado da Califórnia também conhece a democracia direta. Quando se trata de proteção climática, temos que envolver as pessoas. Se a população se sentir punida ou restringida pelas medidas propostas, os projetos de lei não são aprovados em plebiscito. Meus interlocutores na Califórnia estão convencidos da necessidade de tentar várias vezes, uma experiência que já vivemos na Suíça.
swissinfo.ch: A Senhora já teve a reação de outros países? Existe a preocupação de que a Suíça não possa cumprir suas metas climáticas?
S.S.: Eu recebi vários telefonemas de outros ministros do Meio Ambiente e da Energia. Há muito interesse na pergunta: por que a Lei do CO2 não vingou? Nossa primeira análise é que essa legislação abordou diferentes áreas, mas também ampliou a superfície de ataque. Agora temos que analisar minuciosamente a decisão dos eleitores e procurar outros caminhos junto com o empresariado e o Parlamento federal.
swissinfo.ch: Seu colega de governo, o ministro suíço das Relações Exteriores, Ignazio Cassis, levantou a possibilidade de a Suíça participar do Pacto Ecológico EuropeuLink externo, que na verdade foi sua ideia…
S.S.: Sim, (risos), eu dei essa ideia há pouco mais de um ano quando era presidente da Confederação Suíça e tive minha primeira reunião com a presidente da Comissão Europeia, Úrsula von der Leyen.
A ideia não é que a Suíça contribua financeiramente com o projeto. O chamado “Green Deal” não é um projeto financeiro, mas sim se destina a fortalecer o processo de descarbonização e a proteção climática no espaço da União Europeia. Penso que a Suíça deva estar em contato estreito com o bloco e assim possibilitar aprendermos uns com os outros. Agora que Cassis apoiou publicamente o projeto, somos então dois no Conselho Federal, o que é algo bastante positivo.
swissinfo.ch: O centro financeiro suíço ainda não se alinhou às metas climáticas de Paris. Já a UE está mais adiantada. Seria “greenwashing” (n.r.: a injustificada apropriação de virtudes ambientalistas em produtos) ou a Suíça, deve fazer, de fato, algo?
S.S.: O greenwashing não ajuda o clima. A Suíça é ambiciosa. O Conselho Federal quer que o setor financeiro da Suíça ajude também a sustentabilidade. Nós desenvolvemos um teste de compatibilidade climática, que se tornou um tema de discussão internacional: bancos, seguradoras e fundos de pensão podem ter seus investimentos testados para determinar o quanto são sustentáveis e favoráveis ao clima. A UE está em vias de desenvolver um sistema de cálculo único.
Nosso setor financeiro está muito interessado em saber o que acontece na UE. A transparência é crucial para a confiança da população e dos investidores. É aí que queremos trabalhar com o bloco. É uma vantagem local estar na vanguarda da proteção climática.
swissinfo.ch: Seria mais fácil “vender” a população a ecologização do setor financeiro do que aumentar o preço da gasolina e das passagens aéreas?
S.S.: Como disse, a proteção de clima é uma vantagem competitiva para a nossa economia. Para a população, por outro lado, temos que mostrar como seria um modo de vida favorável ao clima e como podemos apoiar para que a alcancem.
swissinfo.ch: Voltando à viagem virtual, por que a Senhora escolheu a Califórnia?
S.S.: Tanto a Califórnia como a Suíça praticam a democracia direta através de referendos. Isso marca um país, pois as mudanças ocorrem em conjunto com a população. Às vezes há derrotas se os cidadãos não aceitam algo. Então você tem de apresentar soluções que sejam aceitas pela maioria. É algo que conecta a Suíça à Califórnia.
Minha viagem à Califórnia se concentrou na questão da proteção do clima. É um estado que também está sendo muito afetado pelo aquecimento global através de incêndios florestais ou da estiagem. Aqui esses problemas não são tão graves, mas devem também ocorrer.
Há também empresas suíças com uma forte presença na Califórnia. Uma delas trabalha na eletrificação das ferrovias. Portanto, estamos na vanguarda. Durante a viagem, visitei também uma região vinícola. A questão da mudança climática e da viticultura é motivo de preocupação para a Suíça e a Califórnia. Nós discutimos sobre isso também.
swissinfo.ch: Qual é a importância das relações diplomáticas com os estados federais na política externa da Suíça?
S.S.: Também temos relações especiais com alguns estados federais alemães, especialmente os fronteiriços. No que diz respeito à Califórnia, não devemos esquecer: se ela fosse um país, seria a quinta maior economia do mundo. Escolhemos a Califórnia para fazer essa viagem virtual devido à democracia direta, o foco na inovação e suas muitas semelhanças no campo climático.
swissinfo.ch: Durante a viagem, a Senhora descobriu algumas medidas para combater a mudança climática que poderiam funcionar na Suíça?
S.S.: Sim, a Califórnia está convertendo todo o sistema energético – de energia fóssil para energia renovável. A Suíça faz o mesmo. Ambos queremos nos tornar climaticamente “neutros: a Suíça até 2050 e a Califórnia, até 2045. Podemos aprender com o estado americano como reestruturar o sistema energético e investir fortemente na energia fotovoltaica. Por exemplo, como foi possível conquistar o apoio da população nesta questão?
swissinfo.ch: E o que a Califórnia pode aprender com a Suíça?
S.S.: Temos muito a oferecer em termos de transporte público. Temos uma empresa que desenvolve caminhões elétricos. Já a Califórnia tem a Tesla. Afinal, podemos aprender uns com os outros.
Adaptação: Alexander Thoele
Biografia
Simonetta Sommaruga nasceu no cantão de Zug em 1960 e cresceu no cantão da Argóvia. Seu pai era do cantão do Ticino, ao sul do país.
Em 1983 ela recebeu do Conservatório de Lucerna o diploma de Solista de Piano.
Depois de interromper a profissão de musicista e iniciar a faculdade de Letras em Friburgo no curso de Literatura Inglesa e Espanhola, ela assumiu em 1993 a direção da Fundação de Proteção aos Consumidores (SKS). Em 2000, ela foi eleita presidente desta mesma instituição.
Em 1986 ela filiou-se ao Partido Social-democrata suíço. Em 2001, assinou um manifesto propondo uma linha mais liberal para o partido, o que provocou uma forte reação dos sindicatos e da ala esquerda do partido.
Em 1999, Sommaruga foi eleita para o Conselho Nacional (Câmara dos Deputados); em 2003, ela chegou ao Conselho dos Estados (Senado) pelo cantão de Berna. Em 2010, a Assembleia Federal a elegeu para o Conselho Federal (grupo de sete ministros que governam o país). Então assumiu o cargo de ministra suíça dos Transportes, Energia, Comunicação e Meio Ambiente (UVEK, na sigla em alemão)
Foi eleita em 2015 e 2019 como presidente da Confederação Suíça (uma vez por ano um dos membros do Conselho Federal assume esse cargo representativo)
Sommaruga é casada com o escritor Lukas Hartmann. Nas horas livres gosta de tocar piano, caminhar nas montanhas e jardinagem.
Fonte: UVEKLink externo
Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!
Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.