Festival de Locarno impulsiona escola de cinema
Durante dez dias em agosto, a encantadora cidade de Locarno, no sul da Suíça, fica cheia de cineastas internacionais e fãs de cinema. Anfitriã de um dos mais importantes festivais de cinema europeus, a cidade deve parte do seu sucesso aos estudantes de cinema locais que trabalham nos bastidores.
Com o festival agora no seu 71º ano, a tradição cinematográfica está firmemente enraizada nesta pacata cidade de língua italiana, na margem norte do Lago Maggiore, tornando-se um lar apropriado para a Academia de Ciências Audiovisuais (CISA) , que se mudou de Lugano em 2017.
O que a escola representa e o que faz dela especial? Associamos aqui seis títulos de filmes consagrados para contar a relação da escola de cinema com o festival.
Help! (1965, comédia musical com os Beatles)
Nos últimos 12 anos, a CISA tem ajudado o Festival durante o evento de dez dias. Em 2018, a escola tornou-se um “parceiro acadêmico”. O diretor da CISA, Domenico Lucchini, diz que isso lhes deu um impulso de marketing: “Podemos dizer que a CISA é a escola do festival e podemos usar o logo do festival em todas as nossas comunicações”.
Os alunos fornecem todos os vídeos para o canal interno de TV Pardo LiveLink externo durante o festival e produzem 5 ou 6 curtas-metragens anuais que podem ser usados durante todo o ano para despertar o interesse pelo evento suíço. Um desses trailers foi exibido em abril de 2018 em “Locarno in Los Angeles”. O mini festival de quatro dias, uma colaboração do Festival de Locarno, um cinema de Los Angeles e o Consulado Geral da Suíça em Los Angeles, contou com filmes da 70ª edição do Festival. Lucchini explica: “A parceria com o Festival é um enorme campo de treinamento para nossos alunos. Isso permite que eles pratiquem as habilidades que aprenderam e colaborem com os profissionais da indústria.”
The Italian Job (1969, no Brasil “Um Golpe à Italiana” ou “Um Golpe em Itália” em Portugal; filme britânico estrelando Michael Caine)
Os alunos da CISA são todos de língua italiana. A academia recebe até 40 solicitações de admissão por ano, mas aceita apenas 15 alunos. Eles devem ter 18 anos ou mais com uma qualificação geral para a entrada na universidade. A escola também aceita candidatos que tenham completado estágios em artes visuais. Há cerca de um professor por aluno, e as aulas são em italiano, exceto no caso de ‘masterclasses’ dadas por personalidades do cinema e da TV, que geralmente são em inglês.
O foco no italiano poderia impedir os esforços da escola para obter mais reconhecimento? Talvez, mas Lucchini não está disposto a mudar agora. “Nossa língua de operação é o italiano porque a escola nasceu no Ticino e nosso espírito e identidade vêm daqui”, diz ele. A swissinfo.ch visitou a CISA para conhecer os estudantes, que estavam preparando seus filmes de fim de curso:
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Para diretores iniciantes, a escola dos sonhos
The Arrival (1996, intitulado “A Invasão” no Brasil e “Eles Chegaram” em Portugal; ficção científica com terror estrelando Charlie Sheen)
Quando a escola de cinema chegou pela primeira vez no Ticino, Lucchini conta que ela era considerada “uma espécie de OVNI”, em uma paisagem destituída de faculdades e universidades. O Conservatório Internacional de Ciências Audiovisuais de Lugano foi criado em 1992 pelo cineasta Pio Bordoni, que queria criar uma instituição que enfatizasse a prática cinematográfica, preparando os estudantes para o mundo do trabalho.
Foi uma verdadeira luta para obter algum reconhecimento, e Bordoni investiu muito do seu próprio dinheiro para manter o Conservatório funcionando. O alívio veio em 1999, quando finalmente se tornou uma escola de artes aplicadas com financiamento do cantão.
Darkest Hour (2017, intitulado “O Destino de Uma Nação” no Brasil ou “A Hora Mais Negra” em Portugal; drama de guerra estrelando Gary Oldman como Winston Churchill)
O que se seguiu foi provavelmente a hora mais sombria da escola de cinema. Em 2005, Bordoni faleceu, deixando o navio sem leme. Houve alguns diretores interinos antes de Lucchini chegar em 2007 e relançar a instituição como uma escola técnica, equivalente a uma universidade. Em 2017, o curso de pós-graduação da escola em cinema e televisão, “Cineasta Cinetelevisivo”, foi reconhecido pela Confederação.
Enquanto as outras escolas de cinema da Suíça em Lausanne, Genebra e Zurique continuavam integradas nas faculdades de artes, a CISA tornou-se a única escola técnica especializada em treinamento profissional. É financiada pela Confederação, pelo cantão do Ticino e pela comuna de Locarno, e cobra anuidades de até CHF 9.000.
Lucchini justifica a despesa: “Quando um aluno termina os três anos, ele tem um portfólio incrível. Ele ou ela já terá feito até quatro filmes próprios. Você pode fazer seu filme de conclusão do ano com produtores externos ou com a TV. Vinte e cinco dos nossos filmes de fim de curso foram realizados como co-produções com a TV e foram exibidos na televisão.”
Sweet Smell of Success (1957, intitulado “Embriaguez do Sucesso” no Brasil ou “Mentira Maldita” em Portugal; drama jornalístico estrelando Burt Lancaster e Tony Curtis)
A CISA tem uma bom índice de sucesso, com 80% a 85% de seus alunos encontrando empregos em sua área especializada de treinamento. Muitos deles são contratados pela televisão pública suíça italiana RSI, em parceria com a qual a escola criou o diploma de “Produtor Criativo” focado especificamente nas habilidades privilegiadas pela RSI. Lucchini diz que agora há 20 ex-alunos trabalhando na emissora. Outros trabalham para empresas de produção, cinemas e no festival de cinema.
Alguns dos filmes de fim de curso são selecionados para Locarno ou outros festivais de cinema suíços, enquanto alguns estudantes ganham reconhecimento no cenário internacional. Por exemplo, Stefano Etter teve sucesso com ‘The Lives of Meca’ (sobre jogadores de handball em Coney Island, Nova York), que ganhou o prêmio de melhor documentário no festival de cinema de Piemonte, Itália.
This Is the End (2013, “É o Fim” em português; comédia-catástrofe)
Se o video matou o rádio, a Netflix e o YouTube mataram o cinema? A internet está repleta de histórias sobre pessoas cujos vídeos no YouTube se tornaram virais, elevando os blogueiros e os criadores de vídeos em tempo parcial ao status de superstar. Neste contexto, as escolas de cinema são realmente necessárias nos dias de hoje? “Sim”, diz Lucchini, “Você não pode sair e filmar algo no seu iphone e pensar que é bom o suficiente. Muitas pessoas que se inscrevem em nossa escola já fizeram vários vídeos para o YouTube, mas perceberam que isso é só o começo: precisam de mais treinamento para aperfeiçoar suas habilidades cinematográficas.”
Mas é possível ainda falar de uma indústria cinematográfica na era digital ou estaríamos vivendo o fim dela? Em janeiro de 2018, a Bloomberg informou que Hollywood teve um péssimo ano de 2017, com uma queda na frequência dos cinemas para o menor nível em uma geração. Isso pode ser em parte devido à popularidade de redes de streaming on-line como a Netflix, que mantém os freqüentadores de cinema colados em suas telas pessoais.
O pânico é infundado, aparentemente. O teórico italiano de cinema e televisão, Fracesco Casetti, insiste que o cinema simplesmente foi realocado em novos espaços e em novos aparelhos. Para Lucchini, é uma situação em que todos saem ganhando; “Mais e mais plataformas estão sendo criadas, sobre as quais os filmes podem ser vistos, e isso só pode ser positivo”.
Festival de Locarno
Locarno é um dos mais antigos festivais de cinema ainda em atividade, desdee sua primeira edição em 1946. Sua tela principal na Piazza Grande é a maior do gênero na Europa, e a praça pode acomodar até 8.000 espectadores. O festival é uma importante atração para visitantes, gerando até 30 milhões de francos em receitas de turismo, de acordo com o site oficial da cidade.
Locarno tem sido o palco internacional de estréia para uma série de diretores, como Jim Jarmusch, Spike Lee e Gus Van Sant. O evento, que acontece de 1º a 11 de agosto, apresenta uma programação que inclui produções comerciais e de orçamentos gigantes, mas que também oferece uma grande plataforma para filmes de proidução mais modesta e de países “menos óbvios”. O diretor Jay Duplass disse certa vez: “O público de Locarno não vem fazer propaganda de seu filme ou para chegar perto de pessoas famosas, mas para celebrar o cinema e a vida.”
Adaptação: Eduardo Simantob
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