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“Proibir os testes em animais teria um efeito devastador”

Travail dans un laboratoire scientifique
Para os opositores da iniciativa, a aceitação do texto de lei teria efeitos negativos sobre a segurança médica e a pesquisa na Suíça. © Keystone / Gaetan Bally

A implementação da iniciativa popular que proíbe experimentos com animais e humanos afetaria seriamente o setor de saúde suíço, alerta Ensar Can. O economista explica porque representantes da comunidade empresarial estão fazendo campanha contra a iniciativa que será votada em fevereiro.

“Proibir testes em animais teria um efeito devastador”, declara Ensar Can, representante da federação nacional economiesuisseLink externo. O grupo se opõe à iniciativa popular que visa proibir totalmente testes em humanos e animais. No dia 13 de fevereiro os suíços irão às urnas decidir sobre o assunto.

Se a iniciativa popular que restringe os testes for aceita, a Suíça se tornará o primeiro país do mundo a introduzir uma proibição do tipo. No entanto, a restrição não é um consenso e o tema divide opiniões.

Ensar Can é economista, trabalha como gerente de projetos na economiesuisse desde 2016 e atualmente é responsável por assuntos relacionados à inovação e pesquisa na entidade. Em entrevista à swissinfo.ch, Can revela quais as razões por trás da campanha da comunidade empresarial contra a proibição total de testes em animais.

swissinfo.ch: Na Suíça, cerca de 600.000 animais são usados ​​para pesquisas a cada ano. Um número muito alto, segundo o comitê de iniciativa a favor da proibição de testes em animais. Por que precisamos fazer tantos experimentos?

Ensar Can: Do ponto de vista científico, dependemos de experimentos com animais para descobrir novos remédios ou ingredientes ativos. Os métodos alternativos disponíveis hoje ainda não são capazes de reproduzir com precisão a complexidade de um organismo vivo. Se quisermos excluir de forma confiável efeitos sistêmicos indesejáveis e efeitos colaterais, ainda dependemos de testes em animais.

No entanto, não podemos desconsiderar a evolução dessas práticas ao longo do tempo. Desde 1983, o número de experimentos com animais caiu mais de 70% na Suíça. O empenho dos agentes econômicos têm muito a ver com essa queda: há mais de 30 anos entidades integram o Centro de Competência 3R e fazem campanha a favor da implementação rigorosa do princípio 3R na indústria. Apoiamos esforços e iniciativas destinadas a reduzir ainda mais o número de experimentos com animais.

O termo “3R” refere-se às três palavras inglesas “replace”, “reduce” e “refine” – em português, “substitua”, “reduza” e “aperfeiçoe”. Sendo assim, o objetivo é substituir os experimentos com animais por métodos alternativos, reduzir o número de animais utilizados e melhorar as condições em que os experimentos são realizados.

swissinfo.ch:  O que você pode nos dizer sobre as alternativas aos testes em animais?

Alguns métodos usam modelos de simulação ou culturas de células. E novos procedimentos estão em desenvolvimento: até junho de 2021, a OCDE deu luz verde ao teste de toxicidade desenvolvido pelo Instituto Federal de Ciências e Tecnologias da Água que é realizado em linhas de células de peixes. A nocividade de um produto químico para o meio ambiente pode, assim, ser avaliada sem que seja necessário recorrer a testes em animais. Deve-se notar que, em 2019, foram realizados testes de ecotoxicidade em quase 8.000 peixes na Suíça.

Portrait d une homme jeune avec une barbe et des lunettes
Ensar Can zVg

Além disso, a Confederação lançou um projeto de pesquisa no valor de 20 milhões de francos que reduzirá ainda mais o número de experimentos com animais. Há, portanto, uma infinidade de iniciativas destinadas a desenvolver métodos alternativos. Mas, neste momento, cientistas de todo o mundo apontam que é irrealista acreditar que os experimentos com animais possam ser totalmente eliminados sem causar sérias consequências no setor da saúde.

swissinfo.ch:  Algumas vozes críticas afirmam que as empresas suíças estão transferindo seus experimentos com animais mais para países com leis menos rígidas, o que distorce as estatísticas. O que você acha?

Não tenho conhecimento de uma terceirização sistemática de experimentos com animais, mas a iniciativa popular teria exatamente esse efeito. As empresas suíças querem continuar realizando seus experimentos em território suíço. Por isso, vão contra a iniciativa e se envolvem no 3R Competence Center.

A mudança para o exterior não é simples nem desejável. Aqui temos o pessoal especializado necessário e um forte bem-estar animal. A Suíça oferece às empresas e institutos uma excelente qualidade de vida e um bom posicionamento no mercado. Uma atividade de pesquisa exigente precisa das melhores mentes, e podemos recrutá-las localmente através de nossas faculdades de ponta ou trazê-las mais facilmente do que para outros países com condições de vida menos agradáveis.

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Deve haver uma proibição total dos experimentos com animais?

A questão é polêmica e será levada a plebiscito em 13 de fevereiro de 2022.

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swissinfo.ch:  O comitê de iniciativa sustenta que a experimentação animal é muitas vezes parte do método de tentativa e erro e que não é tão eficaz. Muitos dos medicamentos com resultados promissores em animais falhariam em testes em humanos. Qual a sua opinião?

A comunidade científica concorda que a experimentação animal também é relevante para humanos. Apenas alguns estudos antigos isolados e desatualizados questionam isso. Portanto, há um consenso entre os cientistas.

Os genes de camundongos e humanos têm uma equivalência de 95% e os órgãos funcionam da mesma maneira. É óbvio que nem todas as substâncias ativas testadas são, em última análise, administradas aos doentes. No entanto, se tivéssemos que desistir de toda a experimentação animal, não poderíamos mais desenvolver novos medicamentos ou novas substâncias, inclusive na medicina veterinária.

swissinfo.ch:  A União Europeia estabeleceu como um objetivo de longo prazo abandonar todos os testes em animais. Isso também seria possível na Suíça?

Se nossos desenvolvimentos científicos evoluírem de tal forma que possamos renunciar a todos os testes em animais sem correr riscos para a saúde, devemos naturalmente parar com essa prática. Este é um objetivo desejável. De acordo com o estado atual do conhecimento, no entanto, não é realista alcançar isso nos próximos 10 a 20 anos.

Basicamente, compartilhamos as preocupações do comitê de iniciativa: o bem-estar animal é importante. Temos uma legislação de proteção animal muito rígida na Suíça: experimentos só podem ocorrer se não houver alternativa. Qualquer experimentação constrangedora deve obter autorização seguindo um procedimento rigoroso com critérios claros: os benefícios esperados para a sociedade devem ser maiores do que o sofrimento infligido. No sistema atual, a ponderação de interesses é o elemento central. Se a iniciativa popular for aceita na votação, essa ponderação de interesses não será mais possível.

swissinfo.ch:  A iniciativa também quer proibir experimentos em humanos. O que a proibição realmente significaria para a Suíça?

Antes que substâncias ativas, remédios ou vacinas possam ser autorizados para a população em geral, estudos clínicos devem ser realizados em humanos. Como a iniciativa também proíbe o comércio, portanto a importação e exportação de produtos desenvolvidos com tais experiências – seja na Suíça ou no exterior – nosso país estaria excluído de qualquer progresso médico.

É importante especificar que esses estudos clínicos estão sujeitos à lei relativa à pesquisa em seres humanos e que esse campo é um dos mais regulamentados e controlados.

swissinfo.ch:  Quais são seus objetivos na campanha contra a iniciativa? A oposição já é ampla e unida.

O governo, o parlamento e todos os partidos políticos estão lutando contra essa iniciativa, que claramente vai longe demais. Mas é um assunto de muito apelo emocional. É necessária uma campanha de informação e conscientização que explique às pessoas por que experimentos em humanos e animais são importantes e o que significaria um “sim” à iniciativa. A aplicação deste texto teria sérias repercussões no campo da saúde. Estaríamos excluídos do progresso médico e poderíamos até ver nascer um mercado paralelo de medicamentos. Também é provável que, se a iniciativa for aceita, se aprofundem as desigualdades no tratamento médico: se os remédios não estiverem mais disponíveis localmente, as pessoas com alta renda irão procurar tratamento no exterior.

A implementação da iniciativa também seria problemática para a medicina veterinária, já que os animais também precisam de vacinas, medicamentos e antibióticos para continuar a evoluir. Além disso, a economia e a pesquisa seriam duramente atingidas. Por mais bem-intencionada que seja a iniciativa, sua aceitação teria um efeito devastador na sociedade suíça.

Renato Werndli, membro do comitê de iniciativa, revela os argumentos a favor da proibição total da experimentação animal e humana:

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Adaptação: Clarissa Levy

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