Pro Helvetia em São Paulo agita as artes na América do Sul
Em 2018 a Pro Helvetia comemora 30 anos desde a abertura de seu primeiro escritório no exterior (no Cairo, Egito), marcando o início de uma estratégia internacional que acelerou ainda mais nos últimos dez anos, com a abertura de sedes em Xangai (2010) e Moscou (2017). O próximo território na mira da fundação é a América Latina - desde o ano passado, um escritório provisório está funcionando em São Paulo, e o seu coordenador, Benjamin Seroussi, conta à swissinfo.ch dos planos para o fomento das artes na região.
O intercâmbio cultural entre a Suíça e a América Latina tem longa história, mas com o estabelecimento do escritório provisório em São Paulo, a Pro Helvetia promove um experimento, o projeto Coincidências, cujos resultados, a serem avaliados em 2020, servirão para definir se a fundação bancará uma sede permanente na região.
Em quase meio ano de operação, a central de Zurique considera os primeiros sinais bastante positivos, segundo seu diretor, Philippe Bischof, em entrevista à swissinfo.ch (v. link abaixo). Contudo, ainda há muito tempo e desafios pela frente, como relata Benjamin Seroussi, responsável pelo planejamento e coordenação, junto com Jasper Walgrave, que pilota o projeto da central em Zurique.
swissinfo.ch: Como o senhor avalia o andamento de Coincidências nestes quase seis meses de operação?
Benjamin Seroussi: O trabalho só está sendo possível porque começou de fato há mais tempo – a Pro Helvetia, mesmo que à distância, já promovia programas menores e viagens de pesquisa que permitiram construir este programa a partir das demandas locais, garantindo assim a melhor acolhida possível para os artistas suíços. Nos últimos 5 meses, conseguimos lançar, testar e consolidar a estrutura do programa que nasceu desse acúmulo de conhecimento. Acreditamos que temos agora uma base estável para crescer.
swissinfo.ch: Os resultados já podem dar uma ideia de como funcionaria um escritório permanente da Pro Helvetia na América do Sul? E, neste caso, seria mesmo São Paulo o local mais conveniente para ele?
B.S.: Ainda é muito cedo para lhe dar uma reposta qualquer, já que o programa pretende aproveitar seus 3 anos de realização para desenvolver e testar diversos modelos de gestão e assim inventar formas de trabalhar adaptadas ao tamanho e à diversidade do território. O que podemos afirmar é que, se a experiência for bem-sucedida aqui, talvez possamos replicar e adapta-la em outras regiões, como Oriente Médio ou sul da África, onde nossos escritórios têm dificuldades em abraçar geografias tão amplas.
swissinfo.ch: Artistas e produtores culturais comentam que o Brasil, nos últimos dois anos, tornou-se um país bastante complicado em termos de censura – não só do Estado diretamente, mas de grupos de pressão, religiosos e o Movimento Brasil Livre (MBL). Como o senhor sente o atual clima político-social nos projetos que desenvolve, seja para a Pro Helvetia ou como diretor da Casa do Povo (centro cultural alternativo da comunidade judaica de São Paulo)?
B.S.: Não tenho como falar sobre isso em nome da Pro Helvetia ou da Casa do Povo, mas minha percepção pessoal é que a América do Sul está sendo atravessada por uma onda conservadora e, dependendo do país, as censuras podem ser mais ou menos explícitas.
Mas as tensões são reais em toda região. Focando no Brasil, posso dizer que estamos passando por uma politização cada vez maior da vida em geral. Das discussões de bar aos blocos de Carnaval, fala-se cada vez mais em política – algumas vezes de forma mais elaborada, mas na maioria com ódio e pouco diálogo.
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Isso aparece também nas artes. A situação afeta as leis trabalhistas, a aposentadoria, o custo de vida, enfim, as condições de vida em geral, e a produção artística em particular. Talvez a diferença com as outras esferas é que este contexto é matéria prima para as artes. Inclusive, pelo papel de disrupção que a arte exerce, talvez ela acabe se tornando um espaço de encenação e discussão privilegiado dessas disputas diversas.
Portanto, este não parece ser um problema crucial para desenvolver projetos artísticos. De forma concreta, é claro que, apesar dos espaços autônomos como a Casa do Povo sofrerem com os cortes orçamentários, eles não sofrem por falta de inspiração, e se tornam cada vez mais importantes para os artistas e para o público. Por outro lado, fundações e institutos estrangeiros têm um papel fundamental, tecendo cooperações internacionais e apoiando desta forma projetos relevantes para o campo ampliado das artes e para o contexto regional, cujos financiamentos lhes foram muitas vezes retirados nos últimos anos.
swissinfo.ch: Quais são os principais objetivos da Pro Helvetia em São Paulo para os próximos dois anos de Coincidências?
B.S.: Construir um programa com um claro posicionamento institucional, elaborado a partir das demandas locais, conseguindo, desta forma, criar relações duradoras entre artistas, curadores, programadores e instituições na Suíça, na América do Sul e em outros territórios onde a Pro Helvetia atua.
swissinfo.ch: O senhor poderia citar os projetos mais importantes em curso dentro do âmbito de Coincidências?
B.S.: Vale destacar projetos com temporalidades e formatos diversos. Ao lado de ações mais clássicas como o apoio a turnês – agora mesmo Hamlet de Boris Nikitin e King Size de Christoph Marthaler estão sendo apresentados em diversos festivais, como Santiago a Mil (Santiago, Chile), MITsp (São Paulo, Brasil) e Giro das Artes (Fortaleza, Brasil) – estamos também desenvolvendo residências, apoiando pesquisas e abrindo novas frentes de cooperação cultural. Aqui vão alguns exemplos:
Já estamos com duas residências firmadas – uma na Colômbia, em Bogotá, com o espaço FLORA ars+natura, e outra no Brasil, no Rio de Janeiro com o Capacete. A primeira prima pela sua duração: o artista fica 10 meses no local. No ano passado Johannes Willi aproveitou este tempo pesquisando, criando e trocando ferramentas com a cena local. Isso teve muitos desdobramentos: ele acabou de realizar uma performance em Basel relacionada à sua viagem e vai seguir trabalhando numa pesquisa que relaciona o carnaval de Barranquilla com o de Basel.
Paralelamente, estamos desenvolvendo dois projetos no Chile, articulando arte e outras formas de produzir conhecimento. Tratam-se de uma residência com troca de saberes entre o CERN (centro de pesquisa nuclear de Genebra) e o ALMA (observatório astronómico). Da mesma forma, estamos criando uma residência voltada para questões de meio ambiente no sul do pais com o CAB (Casa Museu Alberto Baeriswyl), em plena Terra do Fogo, numa casa fundada na virada do século retrasado (c. 1800) por imigrantes suíços.
Aliás, a questão da imigração e da formação do território é sem dúvida um dos principais temas de Coincidência. Por isso, estamos apoiando também, por exemplo, o processo de pesquisa da companhia de teatro Carpiconnection na Argentina, cuja obra, co-realizada com a Gessnerallee Zürich, aborda os rastros de migrações suíças na região.
Por fim, vale destacar o delicado projeto encabeçado pelo far° em Nyon com diversos parceiros, incluíndo a Nave no Chile, que resulta em diversas pesquisas artísticas, muitos encontros, algumas co-criações e a produção de novas formas de fazer arte e de lidar com contextos tão diferentes, e muitas vezes, assimétricos, entre Suíça e a América do Sul.
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