Quando a física ajuda a criar o celular mais seguro do mundo
Os ataques de hackers a celulares se intensificam enquanto o aparelho se torna cada vez mais importante no cotidiano das pessoas. ID Quantique, uma jovem empresa de Genebra resolveu o problema ao utilizar os princípios da mecânica quântica de Albert Einstein para criar um sistema de encriptação infalível.
Diariamente a imprensa anuncia invasões de celulares por hackers. Há pouco, especialistas encontraram mais de 400 vulnerabilidadesLink externo nos chips “Snapdragon”, do fabricante americano Qualcomm. Um anúncio que causa medo, pois essas pequenas peças aparelham atualmente mais de um bilhão de celulares em uso com o sistema operacional Android. No Brasil chamou muita atenção a quebra do sigiloLink externo em celulares do presidente Jair Bolsonaro e do ministro da Justiça na época, Sérgio Mouro. Esses são apenas alguns dos casos.
Porém o fabricante sul-coreano Samsung afirma ter encontrado uma solução. Em maio de 2020 lançou um novo smartphone com tecnologia 5G, que garante absoluto sigilo da comunicação. O segredo está em um dos componentes, um chip desenvolvido pela ID QuantiqueLink externo, uma pequena empresa criada em Genebra. O chip utiliza a criptografia quânticaLink externo para gerar números aleatórios que servem de chaves indestrutíveis para permitir a comunicação segura entre aparelhos. “Baseamos a criptografia sobre as leis da física. E se a física não muda, nossos produtos nunca serão vulneráveis”, conta orgulhoso Grégoire Ribordy, diretor e fundador da startup.
Início na universidade
A jovem empresa foi fundada em 2001, com um capital inicial de 100 mil francos. Os iniciadores foram quatro jovens físicos que doutoravam no Departamento de Física Aplicada da Universidade de Genebra (GAP – UniGELink externo) e tiveram a ideia de lançar um spin-off, uma companhia derivada de um projeto acadêmico. Hoje a ID Quantique ocupa 100 funcionários e está instalada em um discreto prédio no município de Carouge, no cantão de Genebra, cercada por oficinas e revendedores de automóveis.
Logo após a fundação, uma empresa de venture capital investiu um milhão de francos na startup. Três anos depois, já dava lucros. Em 2018, a operadora sul-coreana de telefones móveis SK TelecomLink externo assumiu o capital da ID Quantique por 65 milhões de dólares e hoje já vende produtos para o mercado de massa.
Porém no início, o doutorando Ribordy e seus colegas queriam apenas responder à questão: como enviar dados encriptados por chaves indestrutíveis? Eles encontravam a resposta na criptografia quântica, uma vertente da criptografia que utiliza os princípios da mecânica quânticaLink externo, cujos alicerces foram estabelecidos na primeira metade do século 20 por cientistas como Albert Einstein ou Max Planck, para garantir a segurança da comunicação entre aparelhos. E como funciona? As chaves de encriptação são enviadas por fibra ótica utilizando fótons, as minúsculas partículas elementares que constituem a luz. Elas contêm uma ordem aleatória de zeros e uns, o que se chama “chave quântica”,
Para hackers é impossível interceptar essas chaves sem serem descobertos: o emissor e o destinatário descobririam imediatamente qualquer modificação nelas, pois no momento da detecção haveria mudanças nas micropartículas. “A comunicação entre aparelhos é como uma partida de tênis”, ilustra o engenheiro. “Os hackers entram no meio da partida e interceptam a bola e leem as informações contidas nela. Nós substituímos a bola por uma bolha de sabão. Se alguém tenta interceptá-la, ela estoura e nós percebemos a invasão.”
De caixa a chip
O primeiro produto foi lançado em 2003. Era uma caixa no tamanho aproximado de um laptop, onde as partículas de luz eram preparadas e enviadas através dos cabos de fibra ótica. A distância alcançada era de no máximo 100 quilômetros. “A primeira geração do nosso produto era uma caixa funcionava como gerador quântico de números aleatórios”, explica Ribordy. Porém apesar de ter conquistado alguns clientes no setor bancário, não foi um grande sucesso. “Era muito grande e caro, o que explica não termos vendido muitos deles”.
A segunda geração foi desenvolvida um ano depois e já apresentava uma grande redução no tamanho. O “Quantis QRNG” são sets de chips que podem ser instalados em aparelhos ou utilizados como chaves USB. A empresa começou então a vender soluções para outros setores como saúde, comércio eletrônico e até para loterias. “Com ajuda da física quântica é possível gerar números que não podem ser previstos com antecedência. Os programas de computadores atuais apenas simulam essa aleatoriedade. Se você testa de forma adequada o sistema e tem volume suficiente de dados, pode prever os números”, acrescenta Ribordy, citando o exemplo da Loteria da Romandie (Suíça francófona) como cliente.
E após 18 meses de pesquisas, um grupo de cinco engenheiros da startup de Genebra conseguiu miniaturizar o gerador quântico de números aleatórios em um microchip de apenas 2,5 milímetros de tamanho. Os números são gerados através de impulsos de luz emitidos por um diodo. E devido ao efeito quântico, é impossível prever quantas partículas de luz encontram-se em um impulso, o que permite a geração de números aleatórios perfeitos.
Segurança na globalização
A tecnologia foi utilizada então na cooperação entre a empresa-mãe, a SK Telecom, e o fabricante Samsung para comercializar desde 22 de maio o celular Galaxy A QuantumLink externo, compatível com a rede 5G. Descrito pela imprensa como o “celular mais seguro do mundo”, o modelo semelhante ao Galaxy A21 utiliza o sistema interno de geração aleatória de números para diversos aplicativos como carteiras digitais ou serviços bancários.
Segundo o CEO da startup genebrina, o potencial de uso do produto é grande. Com a chegada da quinta geração de internet móvel (5G), mais de 46 bilhões de aparelhos deverão estar conectados na rede até 2026. Além disso, há a questão da segurança. “Para mim, a próxima crise estará relacionada a vulnerabilidades em nossos sistemas conectados. Tudo o que antes estava offline começa a se conectar. Você tem hospitais, máquinas, carros, drones ou até a geração de energia. Para mim, a próxima crise estará relacionada a vulnerabilidades em nossos sistemas conectados”, analisa Ribordy.
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