Quando a Suíça se torna terra de oliveiras
O azeite de oliva de Ticino está inscrito no livro "Patrimônio Culinário Suíço", que inventaria a cozinha regional suíça, desde 2021.
Enquanto mais a sul, uma bactéria ataca as oliveiras da Apúlia, o Ticino tem assistido nos últimos trinta anos a um renascimento da produção de azeite. É também onde se encontra o lugar mais alto da Europa.
Trata-se de um mito que foi agora desmentido. Ticino não é a região mais ensolarada da Suíça. As estatísticas mostram que chove mais lá do que no Planalto, a norte dos Alpes. Por outro lado, o clima é mais ameno, de tal forma que as oliveiras crescem aqui há mais de mil anos.
O cultivo da oliveira na região do Lago de LuganoLink externo é atestado por documentos do início da Idade Média. Juntamente com o cânhamo e a vinha, seria mais tarde uma das atividades econômicas de Bissone, então uma vila de pescadores de onde partiu a balsa para a margem luganesa do lago.
Claramente, a paixão pela oliveira que hoje se observa no Ticino não é uma moda passageira. É antes a redescoberta de uma tradição. Em 2021, 7700 oliveiras foram contadas no cantão. “Hoje, em um em cada três casos, cada novo jardim e cada nova casa é acompanhado de pelo menos uma oliveira”, constata Claudio Premoli, presidente da associação Amici dell’Olivo (Amigos da Oliveira).
O fato é que o número de proprietários de uma ou um punhado de árvores excede de longe o número de verdadeiros olivicultores. Mas os colhedores que não atingem a quantidade mínima de 50 kg para aceder ao lagar podem doá-los à associação. Em 2018, por exemplo, receberam em troca uma garrafa de azeite resultante da prensagem coletiva realizada no lagar de Sonvico – o mais alto da Europa (620m de altitude), segundo Claudio Premoli.
Mais a norte
Os olivais do Ticino não são os mais setentrionais do continente. Aquelas plantadas em 2007 na Ilha de Anglesey, no Reino Unido, resistem ao clima do norte, graças a uma mão amiga das mudanças climáticas.
Inimigos da oliveira
Em meio ao Covid-19, os Amici dell’OlivoLink externo fizeram um censo das oliveiras do cantão. O objetivo era despertar o interesse das empresas produtoras de produtos fitossanitários para combater a mosca da azeitona. Mas também, por meio de uma cartografia ad hoc, imaginar o que aconteceria se a bactéria Xylella fastidiosa, uma praga que afeta a olivícola italiana mais a sul, atacasse as árvores do Ticino.
“Ela só foi observada uma vez na Suíça de língua alemã em um cafeeiro, alguns anos atrás”, diz Claudio Premoli. “Tivemos de arrancar todas as árvores num raio de 500 metros, sabendo que, além das oliveiras, também ataca árvores frutíferas e roseiras”.
Mas, historicamente, o inimigo é o frio. “As oliveiras se aclimataram bem às margens do Lago de Lugano até que três geadas, entre 1400 e 1700, destruíram tudo, deixando apenas cerca de quarenta plantas em Castagnola”, especifica Claudio Premoli. Depois as pessoas começaram a plantá-las ao redor dos vinhedos.
Naquela época, as oliveiras silvestres eram comuns. A seleção e a enxertia tornaram possível fazê-las dar frutos maiores, não para fins alimentares, mas para obter óleo de lamparina. Um produto cujo interesse se perdeu, sem dúvida, com a chegada da eletricidade.
Amici dell’Olivo
A associaçãoLink externo foi fundada em 2001 por um grupo de amigos que participaram do repovoamento de oliveiras na região de Gandria, na fronteira italiana. No mesmo local, desde 2002, está implantada “A Trilha das Oliveiras”, um percurso educativo centrado na história, cultura e propriedades benéficas do azeite de oliva.
Entre óleo e cosméticos
O arquiteto do retorno da oliveira ao Ticino é Claudio Tamborini, um produtor que possui 400 pés de oliveira entre Castelrotto, Lamone e Comano. Antes disso, ele plantou dezenas deles em propriedades que não administra mais. Em Colle degli Ulivi, por exemplo, na comuna de Coldrerio. Foi lá em 1992 que teve a ideia de mergulhar na história, mas também de encomendar um estudo agronômico para relançar a cultura.
Atualmente, Tamborini produz várias centenas de garrafas de um “Olio del Ceresio” feito a partir de 65% de azeitonas do Ticino – provenientes de suas plantações e árvores na cidade de Lugano – e 35% da costa italiana do lago.
Por outro lado, o azeite engarrafado por outro produtor de vinho e bebidas espirituosas, Angelo Delea, proprietário de 500 oliveiras e de seu próprio lagar em Losone, é 100% ticinês. Em 2018, por exemplo, com a participação de particulares, ele transformou 1300 kg de azeitonas em 130 litros de azeite.
Ambos os azeites extra virgens têm um baixo grau de acidez. E em Losone, o bagaço que sobra após a prensagem (utilizado industrialmente para a extração posterior de óleos comestíveis ou comercializado como fertilizante) é destinado a centros de beleza e hotéis para máscaras e outros esfoliantes.
Cepas raras?
“No mundo inteiro”, diz Claudio Premoli, “existem cerca de 1.200 variedades de oliveiras. No Ticino, devemos ter cerca de vinte. As mais comuns, e, portanto, as mais adaptadas às nossas condições climáticas, são sete ou oito”. Estas foram escolhidas pela associação para a sua campanha de plantação, que consiste em fornecer mudas de dois ou quatro anos a preço de custo a quem as deseje plantar no seu jardim. E assim contribuir para a expansão da oliveira na Suíça de língua italiana.
A Pro Specie RaraLink externo visa preservar a diversidade genética e histórico-cultural das plantas e animais de criação. As oliveiras do Ticino não escaparam a isso. “Fizemos pesquisas históricas e de campo para identificar as oliveiras mais antigas e multiplicá-las”, explica Manuela Ghezzi, responsável pela filial ticinês da fundação.
Com base em testemunhos antigos e documentos escritos, a Pro Specie Rara determinou as regiões do Ticino que historicamente acolhiam olivais. As mudas foram retiradas das árvores remanescentes, depois confiadas a viveiristas que produziam as plântulas, as quais foram repassadas a agricultores para cultivo e conservação.
Só uma análise genética permitirá saber se estas variedades são raras, “sabendo que a nível morfológico, pela aparência, é difícil reconhecer uma variedade de oliveira. Mas assumimos que se trata de oliveiras especiais, seleções mais antigas do que as que se encontram atualmente no mercado”.
“No Lago de Como, já realizaram análises genéticas e observaram genótipos únicos, ou seja, plantas que não correspondem às que são mais utilizadas hoje em dia”, explica Manuela Ghezzi. “Portanto, é possível que as plantas do nosso passado sejam variedades ou subvariedades diferentes que se adaptaram melhor ao frio”.
Adaptação: Karleno Bocarro
Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!
Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.