“Políticos não são tão mentirosos como acreditamos”
O eleitor perde a motivação de votar e não se identifica mais com os partidos existentes. O resultado é a abstenção eleitoral. Porém a internet pode ajudá-lo a escolher o candidato e revela que os políticos são mais confiáveis do que parecem. swissinfo.ch entrevista um dos criadores do Smartvote, um serviço de assistência eleitoral que muda a maneira de ir às urnas na Suíça.
“Você apoia o aumento da idade mínima de aposentadoria? ”, “Estrangeiros deveriam ter o direito de voto depois de viver dez anos a Suíça? ”, “Pessoas do mesmo sexo casadas em cartório deveriam poder adotar uma criança? ”. O eleitor que entra no site Smarvote.chLink externo pode responder essas e outras questões em um formulário. Ao clicar no botão, o resultado sugere os candidatos às eleições federais que mais correspondem as suas tendências políticas, facilitando o preenchimento da cédula eleitoral enviada pelo correio.
O serviço na internet se transformou em um sucesso. Nas últimas eleições federais, em 2011, mais de 1,2 milhões de recomendações foram feitas. Hoje, depois de utilizado em mais de cem eleições federais, cantonais e comunais, e financiado por uma associação sem fins lucrativos, totalmente independente da universidade, os gráficos do Smartvote ilustram reportagens para mostrar as tendências políticas do país ou ilustrar o comportamento dos parlamentares.
A base do Smartvote é uma pequena sala em um prédio da Universidade de Berna, poucos metros distantes da estação de trem. Jovens estudante e os responsáveis pelo olham com atenção nos monitores. Como em outras eleições importantes na Suíça, o site já está preparado para as eleições federais em 18 de outubro de 2015. Desde 5 de agosto entrou em linha com um novo questionário, o que não passou despercebido do eleitorado “Já fizemos até agora 100 mil recomendações de votos, mas a metade dos eleitores só pedem uma recomendação dez dias antes das eleições”, explica Jan FivazLink externo, um dos responsáveis e co-fundador do serviço lançado em 2001 quando ainda era estudante de história na Universidade de Berna.
swissinfo.ch: A internet existe há mais de vinte e cinco anos. De que forma essa revolução tecnológica reforça a democracia no mundo?
Jan Fivaz: Primeiramente, não podemos esquecer alguns aspectos negativos. Por exemplo, os comentários racistas que você encontra hoje em dia na internet em relação à atual corrente migratória na Europa. A rede termina oferecendo uma plataforma aos extremistas. Todavia, as vantagens superam em muito esses problemas. Podemos começar pela disponibilidade das informações, algo que mesmo a minha geração não estava acostumada. Também a comunicação direta com os partidos e os candidatos é muito melhor – no passado era muito mais difícil fazê-la, pois nos obrigava a escrever uma carta que provavelmente nunca seria respondida. E finalmente temos também novos sistemas de assistência eleitoral como o Smartvote, que sem a internet seriam impensáveis. Pegue o exemplo do ObameterLink externo nos Estados Unidos, que mede e controla o cumprimento das promessas do presidente Barack Obama. São centenas delas. Esses são todos instrumentos que, acredito, fazem bem à democracia. É um “empowerment” (reforço) dos eleitores, dando-lhe meios de controlar melhor os políticos.
swissinfo.ch: O diálogo entre o político e o eleitor melhorou?
J.F.: Tendencialmente acredito que esse diálogo tenha melhorado. E quanto mais importante esse diálogo se torna, mais profissionalmente ele é utilizado pelos políticos e partidos. Mesmo se muitas vezes o próprio político não responder pessoalmente às questões, mas sim os assessores de relações públicas, porém é melhor do que o a situação nos anos 1980, por exemplo.
swissinfo.ch: Mas não é paradoxo o fato de termos hoje a internet e, ao mesmo tempo, uma queda crescente do número de filiações em partidos e também uma forte abstinência eleitoral?
J.F.: Não estou seguro de poder colocar a culpa por essa situação na internet. Na ciência política falamos em “dealignment”, ou seja, quando ligação dos eleitores com os partidos se torna mais tênue. Isso significa que os partidos deixam de ter eleitores fiéis como no passado. Agora o eleitor se tornou imprevisível e troca constantemente de partido. Mas esse processo de individualização crescente na sociedade também afeita a política e explica, ao mesmo tempo, o sucesso na Europa ocidental dos aplicativos de assistência eleitoral como o Smartvote. E por que? Pois eles ajudam os eleitores de forma individual. Um jornal está voltado a todos, ou seja, não é o meu canal individualizado de informação.
swissinfo.ch: Esses novos instrumentos levarão mais eleitores às urnas?
J.F.: Especialmente a Suíça tem uma participação eleitoral muito baixa em comparação com outras democracias ocidentais. A Suíça e os Estados Unidos são os países com as mais baixas taxas de participação no mundo. Já na Bélgica existe a obrigatoriedade do voto. E até mesmo um cantão na Suíça, Schaffhausen, chegou a introduzir uma multa para os eleitores que não participam do voto. Lá o índice de participação é sempre entre 2 e 5% maior do que no resto do país.
swissinfo.ch: E qual é a razão do desinteresse nas urnas?
J.F.: Existem divergências entre os cientistas políticos para explicar esse fenômeno. Talvez para alguns eleitores a situação está tão boa que eles não veem interesse em votar para mudar algo. Mas seguramente também existem os eleitores frustrados: não importa em que eu voto, que nada vai mudar de qualquer maneira. Também existe o perfil do eleitor que não se sente competente o suficiente para votar, ou seja, se ele soubesse mais se sentiria mais capaz de fazê-lo.
swissinfo.ch: Seria a complexidade de muitos temas apresentados em plebiscitos na Suíça uma explicação?
J.F.: Eles são complexos, sim, mas os suíços também são um dos maiores consumidores de jornais e revistas no mundo. Por isso acredito que muitos se informam dos assuntos. Existem os eleitores que já votam sempre em um determinado partido. E então esse partido dá sua posição sobre um tema de plebiscito e o eleitor vota com base nessa orientação. Esse tipo de orientação também pode ser dado por organizações ambientais, por exemplo, em temas ligados ao meio-ambiente. Esses “proxys” (representantes) são utilizados para formar uma opinião. Porém acho que podemos considerar as pessoas capazes de lidar com esses temas complexos. De maneira geral, o sistema funciona bem na Suíça. Mas isso não significa que possamos transmitir 1 a 1 a outro país. A democracia direta foi construída passo a passo. Do ponto de vista histórico, foi um processo de aprendizado.
swissinfo.ch: Vocês também já criaram um sistema como o Smartvote para os plebiscitos?
J.F.: Temos essa ideia há vários anos. O problema é que ele não pode funcionar como o Smartvote para as eleições, onde iríamos levantar uma questão e então, segundo a resposta, daríamos a recomendação “sim” ou “não” para um plebiscito. As questões em um plebiscito podem ser mais simples como ‘você é a favor do aumento do imposto?”. O sistema que nós idealizamos é agrupar as informações disponíveis. Por exemplo: como os partidos votaram em relação à proposta de um referendo? Quais são os argumentos utilizados por eles? Em si, essas informações estão disponíveis hoje em dia, mas não estão reunidas em um só lugar. Mas o principal desse projeto é a questão do financiamento. E também provavelmente não existe uma demanda de marcado, por parte do eleitor, para um serviço desses.
swissinfo.ch: A legitimidade e a credibilidade da política e das instituições democráticas estão em crise no mundo ocidental. Por que então acreditar nas recomendações feitas por um sistema como o Smartvote?
J.F.: Eu faria uma diferenciação com as democracias desenvolvidas no Ocidente, com uma maior experiência democrática, e que também sofreram essa perda de confiança por parte do povo. Nelas, sistemas como o Smartvote, permitem mais transparência. Eles podem até intensificar essa perda de confiança se o eleitor percebe que os políticos não estão cumprindo as suas promessas. Mas a experiência que tivemos até agora é que os políticos não são tão mentirosos como acreditamos (FRASE PARA DESTACAR).
swissinfo.ch: Mas essa completa transparência dos políticos através do Smartvote não é perigosa? Não aumenta a pressão dos lobbys ou até dos chefes de partidos, que cobram então o cumprimento da sua linha?
J.F.: De fato, a pressão sob o parlamentar aumenta para que ele siga a linha do partido e não sua opinião pessoal. Ao mesmo tempo, a pressão dos lobbys passa a ter um melhor controle. Porém não é possível impedir isso, já que se o eleitor ganha mais controle, como impedir que os lobbys o façam. Mas esse é um processo de aprendizado que a gente também passa, com o instrumento que criamos há dez anos. Agora existe um aspecto também interessante: a lógica da mídia. Nós também já tivemos experiências com a avaliação do cumprimento de promessas eleitorais feitas por nós e analisada pela imprensa. Porém, como exemplo, da nossa perspectiva científica, 84% das promessas cumpridas de um político é um valor bem elevado. Mas a imprensa focaliza obviamente os 16% que não foram cumpridos. E assim lemos nos jornais títulos como “Aqui estão os 10 políticos mais mentirosos”. Todavia, isso é apenas uma forma de ver os resultados puros de um trabalho científico. Em alguns casos até exigimos o direito de retratação nos jornais para dar o nosso ponto de vista.
swissinfo.ch: Smartvote é um sucesso na Suíça. Porém esse sistema funcionaria também em outros países com um cenário partidário menos desenvolvido?
J.F.: Nós já o exportamos para a Bulgária, em cooperação com uma ONG local. Se na Suíça o Smartvote é uma comparação entre os eleitores e os candidatos, na Bulgária a comparação mais importante foi entre os eleitores e os partidos. Ou seja, nesse país os formulários foram respondidos pelos partidos e não individualmente pelos candidatos.
swissinfo.ch: Levando-se em conta que a democratização da Bulgária ocorreu após a queda do Muro de Berlim em 1990 e que os partidos são relativamente recentes, o sistema mostrou uma diferenciação entre eles?
J.F.: Sim, eles se diferenciam. O sistema de ajuda ao eleitor mostrou ser interessante, pois permitiu a eles verificar exatamente as diferenças desses partidos ainda muito novos. A ressonância nesse primeiro teste não foi muito forte. Nada comparável à utilização do Wahl-O-Mat (ver quadro) na Alemanha ou o Smartvote na Suíça, onde milhões de recomendações eleitorais tivessem sido dadas. Foi um nível mais baixo, mas muito interessante. Os jornalistas búlgaros, por exemplo, utilizaram, inclusive nos seus artigos.
swissinfo.ch: Sistemas de recomendação de voto como o Smartvote ajudariam as mais recentes democracias como a Tunísia ou a Líbia, após a chamada Primavera Árabe?
J.F.: Eles funcionaram há pouco na Tunísia e no Egito, por exemplo. Foram licenças dos holandeses do Kieskompas (Holanda) e do Vote Compass (Canadá), mas não tenho informações sobre os resultados.
Ajuda eletrônica para o eleitor
Os aplicativos de assistência eleitoral (do inglês “voting advice application ou VAA) são aplicativos na internet para ajudar os eleitores a encontrar o partido ou candidatos mais próximos das suas preferências políticas. Os portais que oferecem esses sistemas são um fenômeno recente nos processos eleitorais em vários países.
Em 2007, 22 países europeus já tinham utilizado aplicativos semelhantes. Os mais bem-sucedidos foram Stemwijzer (Holanda) com 4,7 milhões de consultas em 2006 (40% do eleitorado) e Wahl-O-Mat (Alemanha), com 6,7 milhões de consultas em 2009 (12% do eleitorado).
Na Suíça, o primeiro aplicativo de assistência eleitoral foi o Smartvote. Criado em 2001 através de uma iniciativa de dois estudantes da Universidade de Berna, sua primeira utilização ocorreu durante as eleições federais em 2003. Desde então já acompanhou 100 diferentes eleições em níveis federais, cantonais e comunais. Durante as últimas eleições federais na Suíça, em 2011, ele ofereceu 1 milhão e 200 mil recomendações eleitorais. Atualmente, Smartvote é mantido pela associação Politool, cujo financiamento é feito através de doações e a cobrança de taxas de utilização dos partidos e candidatos.
O primeiro sistema de assistência eleitoral aplicado na América Latina foi o “Questão PúblicaLink externo“, utilizado em 2010 durante as eleições para o Senado federal através de uma iniciativa de ONGs e universidades.
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