Os pioneiros do “renascimento” do chocolate na Suíça
Como é possível que um país que nunca cultivou um único grão de cacau tenha se tornado o líder mundial na produção de chocolate? A swissinfo.ch conta a história do chocolate que hoje conhecemos e apreciamos, uma narrativa de inovação, imigração, sorte e amor.
Assim como as pessoas que o degustam, o chocolate existe de todas as formas, tamanhos e cores. Além dos tradicionais amargo, ao leite e branco, aparentemente no futuro também teremos chocolate em outras cores. Isso é o que afirma a multinacional Barry Callebaut, o maior fabricante da guloseima no mundo.
A indústria global de hoje tem um volume de vendas de 100 bilhões de dólares. Ela percorreu um longo caminho desde que, há 3.000 anos, os habitantes das Américas Central e do Sul se sentavam em torno de uma fogueira com uma bebida amarga e encaroçada chamada “xocolātl”.
Enquanto é verdade que os europeus bebem chocolate desde o século 17, o chocolate que conhecemos hoje foi em grande medida desenvolvido no século 19 por confeiteiros e empreendedores suíços. Vamos conhecer algumas figuras desse “renascimento do chocolate”, e as razões por detrás da sua fama.
1819: Nasceu a rainha Victoria e James Monroe estava na Casa Branca. A primeira fábrica mecanizada de chocolate foiaberta na Suíça: François-Louis Cailler (1796-1852) converteu um moinho perto de Vevey, com vista sobre o lago de Genebra, e estabeleceu, assim, a mais antiga marca de chocolate suíço ainda existente. Cailler passou quatro anos em Turin como aprendiz de mestre chocolateiro. Ao voltar para a Suíça, inventou a técnica usada para solidificar o chocolate. Os italianos tinham outra versão dessa história e o acusaram de ter surrupiado a ideia. A automação também reduziu preços e permitiu que o chocolate se tornasse um produto de consumo de massa.
O pai da barra de chocolate
Em outro evento histórico, Fanny, a filha de Cailler, se casou em 1863 com um fabricante local de velas. Com o sucesso das lamparinas à óleo, Daniel Peter (1836-1919) se viu forçado a mudar de profissão e a fundar em 1867 sua própria fábrica de chocolate em Vevey. Ter entrado para o ramo de seu sogro não significou sucesso imediato. Peter procurou uma forma de melhorar os negócios. Essa chance veio quando Henri, um imigrante alemão, seu vizinho e amigo, desenvolveu um produto à base de leite em pó. Peter teve seu momento de iluminação ao misturar esse produto ao chocolate. Problemas com bolores fizeram que o experimento falhasse, mas ele não desistiu e pediu a Henri que lhe desse leito condensado no lugar do leite em pó. Em 1875 ele eventualmente desvendou o segredo. Nascia então o chocolate ao leite. Foi um sucesso imediato em toda Europa.
Nasce o chocolate ao leite
Henri não era outro senão Henri Nestlé (1814-1890), nascido Heinrich Nestle em Frankfurt e chegado em Vevey em 1839. Ele nunca produziu chocolate, mas através de várias fusões (por exemplo, com as firmas de Peter, Cailler e Charles-Amédée Kohler em 1929) a Nestlé se tornou a maior companhia alimentícia do mundo.
Nestlé era um empreendedor brilhante, cujo tino comercial promoveu diversas inovações na indústria de chocolate suíça. Há, no entanto, quem não gostou dele ter lançado, em 1936, o chocolate branco “Galak”. Porém gosto não se discute.
Em 1819, o jovem Philippe Suchard (1797-1884) trabalhava na confeitaria de seu irmão em Berna. Sete anos mais tarde ele fundaria sua própria fábrica de chocolate em Serrières, no cantão de Neuchâtel. À época, o chocolate tinha textura grossa e granular e Suchard, alegadamente um dos primeiros viciados em chocolate, quis torná-lo mais palatável. Ele inventou então o “mélangeur”, uma máquina misturadora que moeria o açúcar e o cacau em pó formando uma pasta fina. Em 1879, foi estabelecida a primeira fábrica na Alemanha. Por volta de 1883 Suchard já produzia metade de todo o chocolate manufaturado na Suíça e, em 1901, foi lançada a famosa marca Milka.
Chocolate com avelã e os “batons” de chocolate
Um contemporâneo de Suchard foi o criativo e empreendedor Charles-Amédée Kohler (1790-1874) que fundou uma fábrica de chocolate perto de Lausanne em 1830. Foi ele também quem inventou o chocolate com avelã e os “batons” de chocolate. Seu filho formou Rudolf Lindt, um primo distante.
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Conchagem ou chocolate 2.0
A palavra “conchagem” pode soar como algo tirado do romance “Senhor das Moscas” de William Golding, mas sem esse processo ainda estaríamos mascando chocolate ao invés de degustá-lo enquanto derrete em nossas bocas. Devemos esse prazer a Rudolf Lindt (1855-1909) que fundou uma fábrica de chocolate em 1879 depois aprender os segredos do chocolate com os Kohlers e se mudar para Berna.
Nesse mesmo ano, ou seja, quatro anos após Daniel Peter presentear ao mundo o chocolate ao leite, ele desenvolveu sua máquina de conchagem. Nome derivado do formato do protótipo de sua máquina, similar ao de uma concha, conchagem envolve, nas palavras de Lindt, “um longo processo de mistura intensa, mexendo e areando o chocolate quente e líquido para remover o sabor amargo e a acidez indesejada.”
Consta na página web da Lindt que Rudolf inexplicavelmente deixou a máquina funcionando durante o final de semana. Quando ele voltou, ao invés de uma massa de chocolate queimado, o que ele encontrou na segunda-feira pela manhã “brilhava e tinha um aroma maravilhoso”.
O Toblerone
Um dos primeiros fregueses da Lindt foi Jean Tobler (1830-1905). Originário do cantão Appenzell Ausser Rhoden, Tobler abriu uma loja de chocolates onde vendia marcas de outros produtores. Ele eventualmente abriu sua própria fábrica em Berna em 1899. Nove anos mais tarde, seu filho Theodor (1876-1941) e o primo de Theodor, Emil Bauman, lançaram o produto que tornaria famoso o nome da família.
Sprüngli: o coelho dourado e expansão na Suíça germanófona
Tobler eventualmente se associou com a Suchard em 1970 formando a companhia Interfood. Hoje, depois de uma série de aquisições corporativas, as marcas Toblerone e Milka pertencem à multinacional americana Mondelez International. Em 1899, a mais importante fusão envolveu Rudolf Lindt (1847-1926) vendendo sua fábrica e segredo do processo de conchagem para Rudolf Sprüngli (1847-1926).
Foi criada assim a Lindt & Sprüngli. Rudolf tinha chocolate no sangue: seu pai, também Rudolf (1816-1897), e seu avó David (1776-1862), abriram a confeitaria original Sprüngli em Zurique em 1836, que servia à alta sociedade local. Em 1892, Rudolf Júnior herdou a fábrica de chocolate da família, enquanto seu irmão recebeu as confeitarias. Ele tentou replicar em Zurique o que Lindt tinha feito em Berna, mas sem sucesso. Ele optou então por adquirir a fábrica Lindt. Lindt & Sprüngli lideraram a expansão do chocolate na Suíça germanófona e em 1952 apresentaram o clássico coelhinho de páscoa dourado. Hoje, a Lindt & Sprüngli é a maior produtora de chocolates finos no mundo.
Esses pioneiros deram o impulso original para a indústria de chocolates suíça, mas muitos outros contribuíram para seu sucesso; dos anos iniciais até o século XX. Nomes dignos de nota são Aquilino Maestrani, Robert e Max Frey, Jean-Samuel Favarger, Camille Bloch, Rudolf Läderach, Otto Kägi, Jean Tschirren, Max Felchlin e Walter Gysi.
Por último, não devemos esquecer de mencionar Konrad Egli que, segundo consta, inventou o fondue de chocolateLink externo em meados dos anos 1960 em seu restaurante Chalet Suisse durante uma promoção para a marca Toblerone.
Adaptação: Danilo von Sperling
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