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Manual ajuda eleitor suíço a votar em plebiscito

A brochura de plebiscitos é utilizada por muitos eleitores suíços para se informar sobre os temas propostos. Christian Flierl

Em um país onde ocorrem vários plebiscitos por ano, o eleitor é confrontado a temas cada vez mais complexos. Para orientá-lo, o governo envia folhetos explicativos semanas antes das votações, aos mais de cinco milhões de eleitores. O material contém posições oficiais, do Parlamento e dos próprios iniciadores. Essa forma de comunicação não está isenta de críticas. Já defensores falam em um instrumento imprescindível para a democracia direta. 

Os plebiscitos federais de 29 de novembro de 2009 prometiam ser polêmicos. Uma das três questões levadas às urnas era se a Suíça deveria proibir ou não a construção de mais minaretes, as características torres onde os muezins conclamam os muçulmanos às orações. Os autores da iniciativa (ver quadro) vinham de dois partidos de centro-direita, o Partido do Povo Suíço e União Democrática Federal (UDF), e tinham por objetivo colocar em debate a presença crescente do Islã no país e seus supostos riscos à sociedade.

O que é uma iniciativa?

Uma iniciativa popular é um instrumento da democracia direta na Suíça. O projeto de reforma constitucional levado a plebiscito após o recolhimento de 100 mil assinaturas no prazo de 18 meses. Ela pode ser lançada por qualquer cidadão, grupos de interesses ou partidos, mas não através do governo ou Parlamento. Depois de referendada pelo Parlamento, o plebiscito é realizado. Se a maioria dos eleitores e dos cantões aprovarem, a proposta se torna um artigo constitucional. O mesmo instrumento existe em nível cantonal (estadual) e comunal (município).

O resultado da votação foi um choque para o país e repercutiu até no exterior. Mais da metade dos eleitores (57,5%) aprovou a iniciativa, com uma elevada participação nas urnas. Grupos de defesa dos direitos humanos e de migrantes protestaram. O governo e o Parlamento, que haviam recomendado a sua refutação, lamentaram, mas acataram a vontade popular. A iniciativa se tornou lei. Hoje existem apenas quatro minaretes, todos construídos antes da votação. Todavia, o Supremo Tribunal Federal decidiu em 2012 que as obrigações legais internacionais do país têm prioridade mesmo apesar da mudança constitucional. Isso significa que a construção de minaretes ainda é possível, caso sejam cumpridas determinadas regras.

Eleitores esclarecidos

Três semanas antes da realização do plebiscito dos minaretes, 5,4 milhões livretos de votação chegavam às residências dos eleitores junto com outros documentos relativos aos plebiscitos cantonais e comunais. Esse é um procedimento tradicional previsto em lei e que ocorre sempre antes de todos os pleitos. A publicação, a de maior tiragem no país, é produzida pelo governo federal para explicar ao eleitor as questões relacionadas a um referendo ou plebiscito em uma linguagem de fácil acesso. “Queremos que qualquer pessoa possa compreender o tema, mesmo sem ter conhecimento do assunto”, explica Thomas Abegglen, coordenador por mais de dez anos do livreto na Chancelaria Federal até setembro de 2015.

O livreto tem o tamanho de uma folha A4 dividida ao meio. A capa é vermelha e lembra um passaporte suíço pelo texto em letras brancas e o brasão da Confederação Suíça na parte inferior. “É para ressaltar que se trata de um documento oficial”, revela Abegglen. A quantidade de páginas pode variar segundo o número de plebiscitos marcados no dia, mas a forma é sempre a mesma. Cada capítulo é dedicado a uma iniciativa ou referendo e é dividido em título, questão levantada, posição do governo federal e Parlamento, um resumo, o tema em detalhe, o texto legal, os argumentos dos iniciadores e a recomendação de voto do governo.

O formalismo se explica pelas exigências legais. “O governo federal tem a obrigação constitucional de dar aos eleitores a sua opinião e esclarecimentos em relação a uma iniciativa”, diz o ex-coordenador, que antes de entrar para o serviço público foi jornalista de política e correspondente no Parlamento federal. Abegglen ressalta ao mesmo tempo, que a manipulação da opinião pública é impedida pelas regras rígidas aplicadas na elaboração do livreto. “Elas apresentam o ponto de vista não apenas do governo, mas também dos comitês das iniciativas, que tem toda a liberdade de comunicar de outras formas as suas posições, seja através de cartazes, campanhas de rua e outras formas.”

O trabalho de informar é feito há décadas. “O primeiro livreto foi produzido em 1977 e na época se chamava ‘explicações do plebiscito’, mas o formato atual, se assemelhando a um passaporte, existe desde 2004”, afirma Abegglen. Hoje o eleitor não pode passar sem ela. Segundo pesquisas de opinião realizadas pelo instituto Vox, em temas complexos, a taxa de atenção aos livretos é de 90%. Para temas amplamente discutidos e controversos, ainda chega a 60%.

Esforço de neutralidade

No contexto do polêmico plebiscito de 29 de novembro de 2009, o livreto explicava que a recomendação do governo e do Parlamento era de votar “não” à iniciativa dos minaretes. “Ela foi refutada por 132 votos contra 51 no Conselho Nacional (Câmara dos Deputados) e 39 contra 3 votos no Conselho dos Estados (Senado)”, descrevia a posição do Parlamento. Além de explicar o que era um minarete, também informava que só existiam quatro construções semelhantes em todo país. Do ponto de vista do governo, “a iniciativa atentava contra diversos direitos fundamentais ancorados na Constituição e também contra os direitos humanos”. O item relativo ao ponto de vista dos iniciadores lembrava a questão demográfica. “Se em 1980 viviam apenas 56.600 muçulmanos na Suíça, em breve teremos meio milhão”. Porém o mais forte argumento era político. “O minarete não tem nada a ver com religião, mas sim é um símbolo da vontade de poder político e social do Islã.”

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Democracia suíça em pleno vapor

Este conteúdo foi publicado em Para ser válida, uma iniciativa tem que ser assinada por 100 mil pessoas dentro de um período de 18 meses. O Parlamento do país pode aceitá-la, rejeitá-la ou fazer uma contraproposta. A votação em todo o país segue, independentemente da decisão parlamentar. (SRF/swissinfo.ch)

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Temas tão sensíveis como a votação dos minaretes não são comuns na democracia direta, porém Abegglen ressalta que o cuidado e esforço é o mesmo na realização do livreto. ” Muitos órgãos do governo estão envolvidos nesse complexo processo de realização”, diz. Os trabalhos começam seis meses antes da data de realização de um plebiscito, pouco antes da sua aprovação no Parlamento. Como primeiro passo, representantes dos ministérios envolvidos são convidados a escrever um esboço dos textos. As propostas são discutidas então em três reuniões, das quais participam os representantes governamentais, especialistas em comunicação dos ministérios, da Chancelaria Federal e também dos serviços de tradução.

O desafio é responder de forma clara e sucinta todas as questões que os eleitores possam ter em relação a um tema, não importando seu nível de formação ou conhecimento. “Nessas reuniões assumimos muitas vezes o papel do próprio eleitor, questionando os especialistas e tentando encontrar a linguagem mais clara possível”, conta o funcionário. Outro cuidado é a exatidão das informações que serão publicadas. “Tudo, incluindo também os números e gráficos, precisa ser verificável e comprovável”. A última versão é levada diretamente ao ministro responsável, que pode exigir mudanças na formulação do texto. A versão final é decidida diretamente pelo Conselho Federal, o colegiado de sete ministros que governa a Suíça.

Baixo custo por unidade

Após a aprovação, os textos são enviados à impressora. Segundo dados oficiais da Chancelaria Federal, o custo de produção das 5,4 milhões de livretos é de 507 mil francos suíços, o que corresponde a 9,4 centavos por unidade. Questionado sobre o custo ambiental – papel, transporte e reciclagem – e a possibilidade de deixar de imprimir o livreto, o ex-responsável ressalta questões legais. “Isso não está em discussão, pois ela já é oferecida eletronicamente. Além disso, a lei nos obriga a oferecer esse instrumento a qualquer eleitor, mesmo aos que não possuem um computador em casa ou se recusam a formar sua opinião política na frente de um monitor”, afirma Abegglen.

Deficientes físicos também tem acesso à informação.  A versão eletrônica do livreto está disponível em formato sem barreiras no site da Confederação Suíça. Além disso, iniciativas privadas oferecem material informativo adicional baseado no conteúdo preparado pelo governo suíço e voltado para públicos especiais. “Sei de casos em que os livretos de votação são lidos frente a um microfone e gravados em cassetes, para depois serem distribuídos aos cegos. Também existem textos produzidos em grandes caracteres, permitindo uma leitura mais fácil”, cita Thomas Abegglen.

Na era da internet, o governo debate formas de modernizar a linguagem dos livretos de votação, mas esbarra em barreiras legais. “Existem discussões nesse sentido, mas a lei não nos dá muita margem de manobra: ela prevê a publicação dessas recomendações em formas bem precisas”. Porém Abegglen não descarta o uso da tecnologia no site do órgão. “Já começamos a incluir vídeos, gráficos simples ou textos adicionais voltados para públicos específicos como os jovens”, afirma.

O grande esforço empregado para informar ao eleitor não está livre, porém, de erros. Em 2011, juízes do Tribunal Federal criticaram o livreto do plebiscito de reforma fiscal para empresas II como “incompleta” e “errônea”. Em 2013, o livreto colocou os farmacêuticos em uma posição política incorreta no plebiscito sobre a Lei de epidemias. Em 2014, o texto da iniciativa “Ecopop” foi traduzido incorretamente para o francês. Em todos esses casos, a Chancelaria Federal corrige imediatamente os textos, mesmo se não pode reimprimir os livretos. “Nesse caso publicamos um comunicado público e fazemos as correções na versão online”, diz Abegglen.

E questionado sobre a crítica de influência externa nos textos, o ex-coordenador refuta a suspeita. “Sabemos que alguns comitês chegaram a contratar empresas de relações públicas, mas descarto qualquer influência externa em tudo o que está sob a nossa responsabilidade”, afirma Abegglen, para quem o livreto é algo único. “Não conheço nenhum exemplo no mundo de um trabalho parecido de informar o eleitor.”

Livretos de votação

É o material informativo preparado pelo governo – federal, cantonal (estadual) e comunal (municipal) – e enviado com antecedência aos eleitores com objetivo de facilitar a compreensão do tema e o voto em um plebiscito.

Para os plebiscitos nacionais, o órgão responsável pela produção do livreto de votação é a Chancelaria Federal. Ela contém o texto original da iniciativa, esclarecimentos do Conselho Federal (governo), argumentos dos defensores e opositores assim como recomendações de voto do governo e do Parlamento.

Os trabalhos de redação começam seis meses antes do plebiscito. Finalizados, geralmente o livreto é enviada aos eleitores três semanas antes junto com outros livretos de plebiscitos cantonais e/ou comunais, estes preparados pelas autoridades locais.

Com 5,4 milhões de exemplares, o livreto de votação é considerado a publicação com a maior tiragem do país. Ela é publicada nos quatro idiomas nacionais: francês, alemão, italiano e reto-romano. Segundo pesquisas de opinião, a taxa de atenção chega até 90% dos leitores em plebiscitos de temas considerados mais complexos.

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