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Crise coloca em risco legado das Olimpíadas

Painéis dão informações sobre a Rio-2016 no Paço Imperial, centro do Rio de Janeiro. Rio 2016

Para o jornalista suíço Jean-Jacques Fontaine, radicado no Brasil há quase uma década, a Rio-2016 promove mudanças fundamentais no Rio de Janeiro, porém a crise vivida pelo país coloca dúvidas sobre os benefícios dos grandes eventos. 

O conhecimento do jornalista suíço Jean-Jacques Fontaine sobre o Rio de Janeiro, cidade onde vive há nove anos e onde atuou como correspondente do canal de televisão TSR nos anos 80, rendeu um fruto literário. Resultado de uma série de relatórios jornalísticos sobre a situação da cidade escritos desde 2010 a pedido do Comitê Olímpico Internacional, o livro “Rio de Janeiro et les Jeux Olympiques, une cité réinventée” (n.r.: Rio de Janeiro e os Jogos Olímpicos, uma cidade reinventada, editado pelas Editions l’Harmattan, será lançado em maio na Suíça e em junho no Brasil.

No livro, o segundo escrito sobre o Brasil, Fontaine lança um olhar crítico sobre os impactos causados por inovações previstas no “projeto olímpico” para o Rio, como as novas vias expressas de ônibus ligando pontos historicamente separados da cidade (BRTs), a inauguração da Linha 4 do metrô e a reforma e modernização da zona portuária carioca. O suíço fala também sobre os efeitos que essas novidades terão sobre uma cidade tradicionalmente partida entre a Zona Norte e a Zona Sul, entre a favela e o asfalto, entre ricos e pobres.

Lançamentos na Suíça e no Brasil

O livro “Rio de Janeiro et les Jeux Olympiques, une cité réinventée” será sucessivamente lançado nas cidades suíças de Genebra (4 de maio, no Club Suisse de la Presse), Lausanne (14 de maio, na Livraria Payot) e Nyon (17 de maio, no Women’s Club). Em seguida haverá novos lançamentos em Genebra nos dias 19 de maio (Café La Causette Cartigny) e 1º de junho (Livraria do Boulevard). Na França, o lançamento acontecerá em 12 de maio, na Livraria Michel Chandaigne em Paris.

Outras datas, ainda a confirmar, deverão ser acrescentadas: “A agenda ainda não está fechada”, avisa Jean-Jacques Fontaine. No Brasil, o lançamento acontecerá a partir de junho: “A versão traduzida para o português já está pronta”, diz o autor, que fechou uma parceria com a Aliança Francesa para lançar o livro em diversas cidades brasileiras.


swissinfo.ch: Quais impactos terão sobre o Rio de Janeiro as transformações urbanísticas ocorridas por causa das Olimpíadas que acontecerão este ano?

Jean-Jacques Fontaine: O Rio é uma cidade que sempre se transformou. Desde o seu nascimento, em 1565, sempre mudou, em diversas etapas. Primeiro era só uma guarnição militar, depois veio a época do ouro e dos escravos, depois veio o capital quando a corte portuguesa se mudou para a cidade. A primeira grande transformação aconteceu com o prefeito Pereira Passos, no início do século XX, quando mudaram diversas coisas. A cidade cresceu, mas, por causa de sua geografia, sempre se desenvolveu em direção ao Oeste, ao longo do mar. Depois da ocupação do Centro e da Zona Sul vieram Leblon, São Conrado, Barra da Tijuca. E, para as populações pobres, a cidade cresceu ao longo da Avenida Brasil.

Uma das apostas do atual projeto de transformação é exatamente estabelecer ligações entre a parte da Barra e a parte da Avenida Brasil, para ultrapassar a barreira da montanha que existe entre as duas regiões e permitir a circulação Norte-Sul, que hoje não existe. Existe a Linha Amarela, mas é a única opção e somente para carros e ônibus. Os BRTs farão essas travessias.

No Rio tudo converge para o centro da cidade. Quer dizer, se você vem da Avenida Brasil, tem que passar pelo Centro; se vem da Barra, tem que passar pelo Centro. E esse Centro é completamente asfixiado. Então, a aposta é desenvolver um novo Centro nessa zona da Barra e fazer com que haja uma circulação Norte-Sul nessa região. Mas isso é uma aposta. Ninguém sabe, ainda mais agora com a crise econômica, se realmente vai haver uma dinâmica de desenvolvimento nessa região. E, até agora, essa circulação Norte-Sul é muito pouco utilizada pelas pessoas.

swissinfo.ch: As Olimpíadas deixarão um real legado para a cidade em termos de mobilidade urbana?

J-J.F.: Há um estudo do Instituto de Arquitetos do Rio que afirma que toda a concepção de transporte público que foi feita com essa ideia da Linha 4 do metrô é ultrapassada, dos anos 70, onde se favorece os movimentos pendulares. Isso vai reforçar um movimento de deslocamento da população que é cada vez menos interessante para a cidade. Todas as cidades estão tentando agora reverter isso e criar polos fixos de trabalho e moradia para limitar justamente estes deslocamentos. No Rio isso não foi visto desta forma.

Jean-Jacques Fontaine em uma praia do Rio de Janeiro. swissinfo.ch

O segundo problema é que esta troca de meio transporte só serviu para a municipalidade. E a municipalidade é a metade da população. A Baixada Fluminense e o outro lado da Baía de Guanabara – Niterói e etc – tem a outra metade da população, que vem trabalhar no Rio. Não há projeto para conectar esta metade à nova rede de transporte rápido. Então, o planejamento ficou bastante insuficiente. Para muitas pessoas, vai melhorar com certeza a circulação dentro da cidade, vão diminuir os engarrafamentos, mas não vai se resolver tudo sem uma estratégia para o futuro do deslocamento das pessoas entre a casa e o trabalho. O plano de mobilidade, então, é uma melhoria importante, mas muito parcial.

swissinfo.ch: As obras para a Olimpíada podem de alguma forma atenuar os efeitos da “cidade partida” que marcam a realidade social do Rio?

J-J.F.: A cidade partida para mim tem dois aspectos. Um aspecto são as diversas tribos que vivem no Rio, do ponto de vista geográfico. São populações que circulam pouco. As pessoas da Zona Norte, fora eventuais idas à praia, pouco vão à Zona Sul, e as pessoas da Zona Sul quase nunca vão à Zona Norte. Essas tribos têm também uma hierarquia social. Eu acho que a melhoria na circulação Norte-Sul pode mudar um pouco essa realidade e promover um encontro entre as diferentes tribos. Também o fato de a revitalização do porto vir buscar um lugar de passeio e de turismo onde as pessoas podem ir para ver os museus e passear na Praça Mauá irá melhorar um pouco a integração das diversas tribos.

Crise ameaça

“Vários projetos que estão sendo tocados agora não são novos, são projetos que existem há muitos anos, mas que, se não fosse a oportunidade dos Jogos Olímpicos, não teriam sido realizados. É o caso do porto. Já existem projetos de reforma e revitalização do porto do Rio desde os anos 80, mas nunca foram feitos”, diz Fontaine.

A atual crise econômica, na avaliação do suíço, é um obstáculo às transformações urbanas na cidade: “Tudo isso foi imaginado em um momento de expansão econômica, onde se pensava que o Rio iria crescer permanentemente. Agora, com a crise, com a baixa do preço do petróleo, toda esta aposta é muito arriscada. Talvez a reforma não chegue aonde os que a imaginaram queriam chegar”, diz.

Agora, a cidade partida tem outro aspecto, que é a questão favela-asfalto. Isso não tem muito a ver com as obras para as Olimpíadas, tem mais a ver com o processo de pacificação das favelas que foi implementado a partir de 2008. Um dos objetivos era aumentar a presença do Estado dentro das favelas para exatamente acabar com essa barreira, essa divisão entre a população, digamos, marginal das favelas e a população do asfalto. Isso funcionou em certos morros, sobretudo, na Zonal Sul, como o Vidigal e a Babilônia. Funcionou parcialmente nas favelas mais afastadas da Zona Sul, como o Alemão e a Maré. Há hoje um certo questionamento da estratégia de pacificação, que foi basicamente uma estratégia policial. As ações de apoio social e integração, que faziam parte do projeto, não se realizaram.

swissinfo.ch: É possível que a revitalização da zona portuária tenha no Rio o mesmo efeito positivo ocorrido, por exemplo, na cidade de Barcelona após as Olimpíadas de 1992?

J-J.F.: Com certeza, a mudança no porto é espetacular e vai revitalizar o centro da cidade. O Rio vai reencontrar seu centro histórico. Agora, o que fez o sucesso de Barcelona não foi somente isso. Foi o fato de após os jogos, com todo o histórico desenvolvimento da Espanha a partir dos anos 90, Barcelona se tornar uma metrópole média internacionalizada e que faz parte do circuito de eventos como Berlim, Milão ou Boston. Barcelona se tornou um ponto de referência para atividades de caráter mundial.

O Rio ainda não faz parte disso, é visto até agora mais como um lugar de turismo de praia. As pessoas do Brasil e do exterior vêm para a praia, mas não veem o Rio como uma cidade vibrante. O porto poderá ter essa função de revitalização, mas não sei se vai conseguir. Penso em Buenos Aires, onde o Porto Madero foi reformado com a mesma filosofia de Barcelona ou do Rio, mas virou uma espécie de gueto de luxo. Ficou bonito, mas não é um ponto de partilha para a população de Buenos Aires. A vantagem do Rio é que o porto está muito mais colado na cidade. Mas, a reforma da zona portuária é também uma aposta.

Vision BrésilLink externo – blog de Jean-Jacques Fontaine

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